Batata Movies (Especial Imagens Para O Futuro – O Cinema da Alemanha Oriental) – Os Assassinos Estão Entre Nós. Vingança Ou Reparação?

Cartaz do Filme

Já falamos aqui, em outras ocasiões, da Mostra Nouvelle Vague Soviética, que ocorreu na Caixa Cultural do Rio de Janeiro em fins de maio e início de junho do ano passado. Foi uma mostra muito boa, que reuniu grandes filmes soviéticos do pós-stalinismo, quando a cultura do país tinha mais autonomia para funcionar sem censuras, até a época de Brejnev, quando as proibições e restrições voltaram com força total. Doze filmes e uma palestra daquela mostra estão resenhados aqui na Batata Espacial. No mês de agosto de 2018, a Caixa Cultural do Rio de Janeiro fez outra mostra intitulada “Imagens Para O Futuro, O Cinema Da Alemanha Oriental”, onde foram exibidos vinte e cinco filmes e tivemos três palestras. Infelizmente, não pude acompanhar mais de perto essa mostra, mas dos poucos filmes que vi, não tive uma impressão muito positiva. Confesso que achei a coisa muito monótona a maioria das vezes e não pretendo falar de todas as películas assistidas. Um dos filmes que merecem atenção aqui é o bom “Os Assassinos Estão Entre Nós”, de Wolfgang Staudte, produzido em 1946 (portanto, um ano após o fim da Segunda Guerra Mundial) e que tem 91 minutos de duração. Vamos analisar o filme aqui com os spoilers de sempre.

Um casal inicialmente em conflito…

E por que tal filme é digno de ser resenhado aqui? Porque é uma película que fala da situação do povo alemão no imediato pós-guerra, quando eram obrigados a viver em condições precárias em cidades que eram pouco mais do que um amontoado de escombros. Um médico de nome Hans Mertens (interpretado por Wilhelm Borchert) anda bêbado pelas ruas, bares e prostíbulos. Ele pega um apartamento abandonado para viver e é mal falado pelos vizinhos. Até que, um dia, uma bela mulher bate à sua porta. É Susanne Wallner (interpretada por Hildegard Knef), que alega ser a dona do apartamento. Recebida de forma grosseira pelo médico, Susanne no entanto aceita que o mesmo viva dentro do apartamento. E assim, os dois começam a estabelecer uma relação que paulatinamente se torna um romance. Mas o problema é que Mertens descobre que um antigo militar que era seu superior no exército nazista, Ferdinand Brueckner (interpretado por Arno Paulsen), vive em uma casa aconchegante, cheio de luxos. Ele, depois da guerra, se tornou um próspero empresário capitalista, ao passo que a grande maioria da população vivia na miséria e fome totais. Brueckner havia ordenado a execução de muitos civis durante a guerra, inclusive mulheres e crianças, o que deixa Mertens com desejo de vingança. Assim, o antigo médico agora busca uma estratégia para executar seu antigo superior nazista.

… que depois tenta reconstruir a vida num país destruído…

O grande debate desse filme é se a vingança é algo justificável ou a reparação dos crimes de guerra deve ser feita na justiça. Ficamos seduzidos pela primeira alternativa, quando vemos toda a empáfia e arrogância de Brueckner, sem falar que ele era um nazista e um empresário capitalista inescrupuloso (ou seja, o cão chupando manga dentro dos parâmetros socialistas de uma produção cinematográfica da República Democrática Alemã). Mas o filme não cai em tal armadilha, pois a figura redentora de Suzanne impede que a vingança seja consumada e coloca Mertens nos trilhos, dando ao vilão a punição merecida, dentro do âmbito da lei e da justiça. Parece que tal desfecho era muito importante naquele contexto, pois as pessoas acabavam de sair de um conflito onde tudo, principalmente a vida, era desrespeitado. Seria importante a volta da vida civilizada dentro da lei voltar, depois de anos de sangue e de barbárie.

Um antigo nazista perseguido por sombras do passado, bem ao estilo expressionista…

Outro detalhe que também chama muito a atenção no filme é a redenção do personagem Mertens. Um médico que tinha medo de sangue e que havia testemunhado um massacre, estava totalmente imerso na bebida, no trauma e na desesperança. A figura de Susanne chega na hora certa para salvá-lo. Assim, o médico salva a vida de uma garotinha fazendo uma traqueotomia e se esquecendo de seu medo de sangue, além de não cobrar nada por isso. E, pela figura de Susanne, ele abandona seu projeto sanguinário de vingança e opta pela justiça institucional. Uma verdadeira mudança da água para o vinho. Não é à toa que Wilhelm Borchert, o intérprete de Mertens, foi disparado o melhor ator do filme, dada todas as nuances de sua interpretação (o bêbado rude, o homem atormentado, o melancólico sem esperança, o sedento por vingança, e o racional que abandona a vingança). Já Hildegard Knef teve em suas mãos uma personagem demasiado plana, muito amorosa e de fala suave, não podendo demonstrar todo o seu talento, mas de uma beleza estonteante. Já Arno Paulsen teve o mesmo problema de mostrar um personagem plano, ficando só no terreno da empáfia e arrogância, mostrando mais talento nas cenas de desespero mais ao final do filme, quando é ameaçado pelo revólver de Mertens e depois atrás das grades jurando inocência.

Rara imagem de making of…

Assim, “Os Assassinos Estão Entre Nós” pode até hoje em dia soar como um filme que nos impõe uma liçãozinha de moral ao final (“a vingança é a arma do otário”), mas ainda assim é um filme que muito nos faz refletir como era a vida das pessoas depois de uma guerra, onde tiveram ainda que viver muitos anos em condições precárias sob os escombros de um país destruído, sendo esse sim um dos grandes filmes dessa mostra aparentemente mediana (seria necessário ver mais filmes para se ter uma melhor impressão da produção da época). Deixo vocês agora com a introdução do filme…