Omar Sy está de volta. “Jornada da Vida” é um filme que fala de retorno às origens. Uma película que nos lembra a importância de tradições há muito abandonadas. Um filme que faz a gente olhar para dentro de si próprio e procurar por nosso verdadeiro eu esquecido. Vamos lançar mão dos spoilers aqui.
Vamos aqui a história de dois personagens. Saudou Tall (interpretado por Sy) é um ator de origem senegalesa que vive na França e é um verdadeiro pop star. Ele retorna à sua terra natal para promover um livro e seus trabalhos artísticos, provocando muita atenção em seus conterrâneos locais. Yao (interpretado por Lionel Louis Basse) é um menininho de uma aldeia situada a 387 quilômetros de onde está Tall e faz uma viagem arriscada para encontrar seu ídolo por um autógrafo. Comovido com o esforço do garoto, Tall decide levá-lo para casa, a despeito de sua agenda apertada de celebridade. Será aí que o consagrado ator retomará contato com sua terra natal e seus antigos hábitos há muito esquecidos.
Esse é mais um daqueles filmes onde há o debate entre a tradição e a modernidade, sendo que, desta vez, a primeira é glorificada em detrimento da segunda. Tall é um homem totalmente europeizado, a ponto de ser, inclusive, chamado de “branco” por um affair muito efêmero (interpretado pela bela Fatoumata Diawara). Isso, obviamente, provoca alguns choques culturais como, por exemplo, diferenças na noção do tempo. Enquanto Tall já é um típico escravo do relógio, como todo homem sob o capitalismo contemporâneo o é, as pessoas das aldeias pelas quais passava ainda estavam numa fase anterior ao capitalismo, bem tradicional, onde a passagem do tempo se dá muito mais lentamente, de acordo com a natureza e as práticas culturais locais. Assim, enquanto que Tall estava preocupado em levar Yao logo para a sua aldeia natal, pois tinha um voo na noite do dia seguinte, os locais queriam que a personalidade famosa permanecesse na aldeia, pois tinham feito um baita de um almoço para ele. Como Tall saiu sem comer com a comunidade, isso foi visto como uma grande indelicadeza e o ator foi repreendido inclusive pelo próprio Yao. Entretanto, com o tempo, Tall se adapta à cultura local, pois desenvolve um forte sentimento paternal para com Yao, até porque ele não consegue se aproximar de seu verdadeiro filho na França, já que se encontra em litígio com a esposa.
Yao, ao saber da situação, escreve de próprio punho uma espécie de livro que conta a sua viagem com Tall pelo interior do Senegal e pede ao artista que presenteie o seu filho com o livro. Logo, a viagem acaba sendo uma descoberta para os dois. Yao tem a oportunidade de ver uma versão mais humana de seu ídolo, que tem as suas virtudes e seus defeitos, enquanto que Tall faz uma viagem que é uma verdadeira redescoberta de suas antigas tradições há muito esquecidas, a ponto de nem entender mais algumas línguas locais, algo que Yao fazia com muita desenvoltura, mesmo não sendo sua língua nativa. Ou seja, Tall era um estranho dentro de seu próprio país e a viagem com Yao se torna um resgate de sua identidade cultural ancestral.
E os atores? Sempre é bom ver Omar Sy no cinema. Sua personalidade é altamente magnética. As mulheres se derretem por ele o tempo todo. Também não é para menos. Sy sempre conquista a todos e com certeza está no rol de atores que o cinéfilo vai ao cinema somente para vê-los. “Jornada da Vida” é um “filme do Omar Sy” e vamos ao cinema por esse rótulo. Mas os outros atores estiveram a altura do astro. Lionel Louis Basse foi de uma enorme espontaneidade e foi um grande par com Sy. Fatoumata Diawara teve menos tempo de tela que merecia, mas se integrou à dupla de jeito tão confortável que a gente sente muito a sua ausência quando ela sai do filme. Ou seja, tivemos excelentes atuações nessa película.
Assim, “Jornada da Vida” é mais um programa obrigatório. Mais um filmaço estrelado por Omar Sy, que também está por trás da produção (um cheiro autobiográfico no ar). Um filme que glorifica e romantiza a tradição, no melhor sentido do termo. Um filme onde o coração fala mais alto. Imperdível.