O Conselho Jedi do Rio de Janeiro organizou, há alguns anos, o Cineclube Sci Fi, no Planetário da Gávea, onde era exibido um filme de ficção científica seguido de palestra com convidados e debate com o público. Vamos lembrar aqui algumas dessas sessões. Uma delas exibiu o filme “12 Macacos” (“12 Monkeys”), produzido já no longínquo ano de 1995, dirigido por Terry Gillian e inspirado no curta francês “La Jetée”, escrito por Chris Marker. O elenco conta com figuras de peso como Bruce Willis, Brad Pitt, Madeleine Stowe, Christopher Plummer e até, acreditem, Frank Gorshin. Não identificou esse último nome? Ele fazia o Charada da série do Batman estrelada pelo Adam West!
Como podemos definir “12 Macacos” em uma só frase? É um surreal futuro do pretérito! A história do filme, altamente distópica por sinal, fala de uma espécie de agente temporal, James Cole (interpretado por Willis), que vive num mundo do futuro cuja humanidade foi praticamente dizimada por um vírus propositalmente criado pelo homem no passado, mais precisamente o ano de 1996. Os poucos humanos que restaram vivem nos subterrâneos e estudam as espécies animais na superfície que sobreviveram ao vírus, que já sofreu muitas mutações e para o qual a cura é praticamente impossível. Assim, faz-se necessário voltar ao passado para poder isolar o vírus antes que ele sofra as mutações. Só que as viagens ao tempo empreendidas por essa geração futura estão, digamos, meio que “descalibradas” e nosso agente temporal cai no ano de 1990, sendo dado como uma pessoa louca e perigosa, e internado num hospício. Lá, Cole conhece a psiquiatra Kathryn Railly (interpretada por Stowe) e o paciente Jeffrey Goines (interpretado por um tresloucado Brad Pitt). Esses personagens serão de suma importância para ajudar nosso protagonista a encontrar a organização secreta “12 Macacos”, que supostamente produziu o tal vírus que destruirá a humanidade.
Roteiro interessante, não? O filme oferece várias possibilidades além da ficção científica. Num momento da película, a coisa parece mais um estudo da loucura e da psique humana. Sem perder uma forte dose de humor, o filme também consegue inquietar bastante, pois joga a insanidade humana de uma forma um tanto sufocante para cima do espectador. Brad Pitt, por exemplo, conseguia ser simultaneamente engraçado e angustiante, talvez um dos melhores papéis de sua carreira, embora não deva ser tão difícil fazer o excessivamente caricato ao invés de um papel dramático mais contido. Se o personagem de Pitt ainda podia ser classificado como engraçado, Cole, por sua vez, era o agônico por excelência. O homem sofreu demais na película, seja em seu tratamento na cadeia e no hospício, seja nas suas viagens temporais e nas prestações de contas que ele dava às elites do futuro que o enviaram para o passado, como parte do indulto que ele recebia (o personagem cometeu algum crime no futuro que não foi citado explicitamente), seja dentro de sua própria mente perturbada, que a uma certa altura, já não sabia mais o que era realidade ou invenção de sua cabeça. Esse ambiente altamente opressor e angustiante, aliado a um pesado humor negro, acabam tornando o filme altamente surreal, fugindo muito do estilo da ficção científica.
Mas o filme não é só esse embate surreal. Ele também aborda questões muito relevantes ligadas à ciência. Creio que nesse momento, deve-se falar um pouco das palestras dos convidados desta edição. Eles foram: Rafael Studart e Ulisses Matos, ambos roteiristas e fãs de histórias de viagens no tempo, e o químico Gastão Souza. Studart e Matos enfocaram suas falas na questão do paradoxo do tempo das viagens temporais, lembrando que o filme opta por uma lógica circular que torna a situação inevitável e irremediável, o que só faz amplificar a ideia de angústia já mencionada acima. O mais interessante, segundo eles, é que essa não é a única visão de viagem no tempo que existe. Algumas histórias simplesmente chutam para escanteio essa noção de lógica circular e aí surgem paradoxos mais latentes. Claro que isso deve ser feito com alguma responsabilidade ou a história ficará com muitos furos e perderá a qualidade. Ainda, os palestrantes lembraram que, quanto mais se volta ao passado, maior é a instabilidade da lógica circular. Uma alteração no passado que você faz no dia de ontem, pode ter consequências bem menores que uma alteração no passado que você faz há seis milhões de anos. Devemos nos lembrar, no entanto, que isso não é uma regra e depende muito do tipo de alteração que é feita no passado. Eles também falaram um pouco do curta francês “La Jetée”, de 1962, que inspirou “12 Macacos”. Foi mencionado que essa história de vinte e sete minutos era uma espécie de sucessão de fotos estruturadas sob uma narração e que não se furtava de ir somente ao passado, mas ao futuro também, algo que não foi mostrado em “12 Macacos”. Ainda sobre a questão dos paradoxos temporais, a tal história da organização secreta “12 Macacos” que foi o motivo de Cole voltar ao passado teria sido implantada pelo próprio Cole quando ele estava em 1996. Studart e Matos ainda projetaram slides referentes à série de tv produzida mais recentemente e inspirada em “12 Macacos”.
Já Gastão Souza estruturou sua apresentação em questões mais filosóficas e científicas. O primeiro ponto que ele menciona é a questão da profecia. Joe Cole é aquele que vem do futuro trazendo as “más novas”. Note que as iniciais de Joe Cole são as mesmas de Jesus Cristo (J. C.), considerado outro profeta bíblico. O mito de Cassandra, que sabia prever o futuro, mas totalmente impotente para evitar que algo ruim acontecesse, é também mencionado pelo palestrante, assim como na película. Foucault foi citado pelo palestrante por defender a ideia de que chamar alguém de louco é muito mais o reflexo de uma vontade de dominação política do que um diagnóstico médico. Sentimos isso no filme o tempo todo. Ainda, o personagem de Brad Pitt, Goines, apesar de taxado de louco, fala coisas altamente pertinentes como a crítica à sociedade de consumo, que leva a uma devastação ambiental e ao apocalipse, ou seja, nosso planeta não consegue aguentar todos os excessos praticados pela raça humana e vemos uma destruição paulatina do meio ambiente. Ainda, Goines defende a liberdade para os animais e coloca o seu próprio pai, um grande cientista, na jaula, numa metáfora de volta ao primitivismo, onde os animais livres num mundo sem jaulas remetem a um tempo em que o ser humano não fazia qualquer mal à natureza. Souza ainda menciona o mito da solução científica, onde a ciência busca soluções para os próprios problemas que ela cria, algo também muito presente em “12 Macacos”.
Uma discussão muito interessante que alinhou as falas dos três palestrantes foi a questão de se dar direitos a robôs se eles se tornarem seres com consciência. Tal assunto suscitou muita discussão, com alguns membros do público concordando e discordando dessa posição. Ainda, Souza levantou a questão de que é muito difícil se definir o que é consciência se nem sabemos ainda como nosso cérebro funciona integralmente.
Essas foram as impressões do filme “12 Macacos” na sessão do Cineclube Sci Fi do Conselho Jedi do Rio de Janeiro. Futuramente, vamos lembrar de outras sessões.