Uma arrebatadora co-produção França/Bélgica/Geórgia. “Filhas do Sol” fala sobre mulheres. Mas não de forma simplória. Estamos aqui no contexto de uma guerra civil, no fragmentado conflito do Oriente Médio, onde populações inteiras matam e morrem por quinhões secos de terra que são seus países. Mas a luta vai a um nível mais profundo. Vemos também a busca pela reconstrução impossível em sua plenitude, de um passado perdido. Vamos precisar de spoilers aqui.
O cenário é o norte do Curdistão. As pessoas daquele país estão em guerra com o Estado Islâmico. Banhos de sangue e carnificinas fazem parte da rotina diária. Uma advogada, Bahar (interpretada pela belíssima e insuperável Golshifteh Farahani), é surpreendida numa festa de sua família pelos membros do Estado Islâmico, que executam todos os seus homens (inclusive o seu marido), sequestram o seu filho pequeno para a causa e ainda mantém a moça, juntamente com várias outras mulheres como escravas sexuais. Bahar vê na TV, enquanto está no cativeiro, que uma antiga professora universitária sua participa de um movimento que liberta essas mulheres e anota um número de telefone que sua professora passa pelo programa de TV. Ela consegue fugir com a ajuda de sua professora e entra na resistência curda contra o Estado Islâmico, liderando um batalhão feminino conhecido como “Filhas do Sol”, composto somente de mulheres que passaram por uma situação igual à dela, lutando na linha de frente. Bahar irá conhecer uma jornalista francesa, Mathilde (interpretada por Emmanuelle Bercot), que irá testemunhar e registrar a ação do grupo. Bahar também tem a esperança de, no meio de todas essas batalhas sangrentas, recuperar o filho sequestrado.
O filme mescla cenas de batalha das Filhas do Sol contra o Estado Islâmico e flash-backs que ajudam a gente a entender a trajetória pregressa de Bahar, desde os seus dias confortáveis de advogada com família estável, passando pelo pesadelo de ser capturada pelo Estado Islâmico, a fuga e a entrada no movimento guerrilheiro. O mais curioso aqui é que o Estado Islâmico considera a morte em batalha uma ida para o paraíso, mas isso não ocorre se o soldado for morto por uma mulher. Logo, a carga simbólica do movimento armado feminino já é uma luta contra o machismo e a misoginia desde o início. E as mulheres ainda têm a oportunidade de “largar o aço” nos seus estupradores e escravizadores. Mesmo lutando ferozmente e combativamente, as guerrilheiras não perdem a ternura, havendo uma forte ligação emocional entre elas, celebradas em cantorias à beira das fogueiras, ao bom estilo da cultura árabe e beduína. Elas também não rechaçam a sua origem muçulmana, apesar de todo o fanatismo do ISIS. E são mais impetuosas e corajosas que os homens. Bahar tem desentendimentos com o comandante do exército masculino que ajuda seu grupo e, muitas vezes, as mulheres combatem sem qualquer ajuda masculina, o que ajuda ainda mais a aumentar o mito em cima de seu heroísmo. E pensar que vemos aqui um filme baseado em fatos reais, com nomes sendo trocados para garantir a segurança das pessoas que ainda estão por lá, lutando no front. Só da gente pensar nisso, já é de arrepiar.
Agora, o desfecho é que pareceu falso, pois Bahar conseguiu encontrar o seu filho. E aí, eu me pergunto: será que isso aconteceu mesmo na vida real, com a vida imitando a arte? Espero que sim. Só deixaria as coisas mais espetaculares ainda.
Dessa forma, “Filhas do Sol” é um programa imperdível e obrigatório, pois fala de um batalhão de mulheres que não se deixou vitimizar num mundo extremamente misógino e machista, indo literalmente à luta. Um filme onde o senso de companheirismo e carinho não se deixa desvanecer nas agruras do campo de batalha. Um filme de Bercot, mas, principalmente, de Farahani essa atriz bela e adorável. Não deixe de ver.