Vamos hoje recordar mais uma sessão do Cineclube Sci Fi. No mês de agosto de 2015, o Cineclube Sci-Fi exibiu no Planetário da Gávea um clássico da ficção científica. “Planeta dos Macacos” (“Planet of the Apes”), produzido em 1968, é um filme inspirado no livro de Pierre Boulle e provocou tanto sucesso que rendeu várias continuações no cinema, sem falar das histórias em quadrinhos, livros e até “remakes” mais recentes. Contando com atores de peso como Charlton Heston, Roddy McDowall e Kim Hunter, essa película tem o grande mérito de ser mais uma daquelas histórias que nos convida à reflexão. E o faz de modo muito inquietante.
Vemos aqui a história de quatro astronautas que fazem uma viagem em direção à um sistema planetário na constelação de Órion. Seguindo o modelo do paradoxo dos gêmeos da Teoria da Relatividade de Einstein, o tempo passa mais lentamente para quem viaja a velocidades próximas à da luz, fazendo com que, quando os astronautas tivessem chegado ao seu destino, dois mil anos já tivessem se passado na Terra. Esses quatro escolhidos (três homens e uma mulher) levariam a raça humana para outro recanto do Universo. Mas a coisa deu errado e a mulher morreu, pois sua câmara de hibernação se rompeu. Os três astronautas caíram num planeta aparentemente muito inóspito, com a paisagem altamente desértica. Mas logo eles descobririam uma região de vegetação e de seres humanos vivendo como se estivessem lá no paleolítico da pré-história, ou seja, somente coletando frutas nas árvores, além de não falarem uma palavra. Qual não foi a surpresa deles quando apareceram vários macacos que raciocinavam, falavam e atacavam os humanos para mantê-los presos como animais selvagens? Na violenta perseguição dos macacos aos humanos, um dos astronautas acabou morrendo, outro desapareceu e um terceiro, George Taylor (interpretado por Heston) acabou sendo capturado. Como ele havia sido alvejado no pescoço, não conseguia falar e foi encarado como um humano como qualquer outro, considerado selvagem. Mas ele se comunicava por sinais com a cientista Zira (interpretada por Kim Hunter), que tinha uma visão mais complacente com os humanos, juntamente com seu marido Cornelius (interpretado por MacDowell). Entretanto, eles eram malvistos pelo Dr. Zaius (interpretado por Maurice Evans), que via os humanos com muito preconceito, já que escrituras sagradas antigas diziam que o ser humano era tudo de ruim na face do planeta. Taylor tentará fugir e, quando é recapturado, fala e raciocina, para espanto de todos.
O filme suscita muitas discussões. Como é dito na própria película, a teoria da evolução das espécies é meio que colocada “de cabeça para baixo”. E aí, os humanos são colocados num patamar de inferioridade como eles o fazem com os animais. Não é à toa que Pierre Boulle teve a ideia de escrever a história do filme ao visitar o zoológico e pensar como seria se fossem os humanos presos nas jaulas ao invés dos animais. A forma como os macacos tratavam os humanos tem muito da forma como os humanos tratam os demais animais. Mas a coisa vai além, já que, na situação do filme, tanto macacos como humanos (no caso especial de Taylor) são seres pensantes e que possuem cultura. Assim, há um caso bem evidente de preconceito e intolerância contra o outro, tão condenado pela antropologia cultural. É assombroso perceber que esse filme nunca foi tão atual. A cultura dos macacos misturava ciência e religião da forma mais promíscua, ou seja, rezando pela cartilha do etnocentrismo e do preconceito. O mais curioso é que Taylor, uma espécie de rebelde e revoltado com o mundo, topou fazer essa viagem porque ele estava totalmente descrente da raça humana e irá encontrar uma civilização de macacos que pensa igualzinho a ele, mas a ponto de repudiar a raça humana com extrema violência e intolerância e a aplicar processos por heresia para o casal Cornelius e Zira, macacos simpatizantes dos humanos, ao bom estilo dos Tribunais de Inquisição e Santo Ofício da Idade Moderna, que queimava quem discordasse dos dogmas estabelecidos (vale dizer que não somente católicos condenaram pessoas à fogueira, mas protestantes também, num momento em que a Europa passava por uma situação de intolerância total).
E por que as escrituras sagradas antigas condenavam tanto os humanos? Aí entra o elemento reflexivo mais importante do filme. Quando Taylor conquista sua liberdade, levando a bela Nova (interpretada por Linda Harrison) em seu cavalo para começar uma nova vida, eles cavalgam pela praia. E aí, temos a famosa cena em que Taylor encontra a metade de cima da Estátua da Liberdade fincada na areia, e Taylor desce do cavalo e ajoelha-se na areia para amaldiçoar a humanidade, que enfim tinha conseguido destruir o mundo com a hecatombe nuclear (os tempos da Guerra Fria, sempre eles!).
Assim, se num primeiro momento toda a intolerância e preconceito dos macacos para com os humanos era algo que nos incomodava, agora que sabemos que na verdade Taylor estava no Planeta Terra de dois mil anos no futuro e que a tragédia nuclear havia acontecido, somos obrigados a dar o braço a torcer e a concordar em parte que “o macaco tá certo”, lembrando o bordão do programa de tv humorístico “O Planeta dos Homens”, que tinha os macacos Charles e Sócrates. Assim, as sagradas escrituras foram escritas pelos macacos seiscentos anos depois da destruição provocada pelos humanos e nossa espécie foi severamente condenada pela besteira que fizemos.
Assim, o primeiro “Planeta dos Macacos” é um filme que tem uma grande importância, pois ele nos fala de preconceito, intolerância, etnocentrismo, mas também relativiza a questão quando nos faz um alerta de quais rumos a espécie humana quer dar para nosso planeta.
Após a exibição do filme, houve duas palestras. A primeira, feita pela antropóloga Eliana Granado, foi altamente pertinente para a análise do filme, já que ela justamente falou sobre as questões acima abordadas, como a oposição entre preconceito e tolerância, a importância de se respeitar o outro, a ideia de que não há cultura superior ou inferior, mas sim culturas diferentes, etc.
Para ilustrar suas argumentações, ela utilizou suas experiências de trabalho de campo com culturas indígenas e denunciou situações seriíssimas de genocídio e etnocídio ocorridas nos tempos atuais, além da insatisfatória política do governo para preservar a integridade das várias etnias indígenas, cada vez mais ameaçadas. O outro convidado palestrante foi Saulo Adami, um dos maiores especialistas em Planeta dos Macacos do país. Fã da saga desde criança, ele cedo começou a colher todo o tipo de informações sobre o filme, chegando a contatos com artistas, produtores e maquiadores que participaram do filme nos Estados Unidos. Sua pesquisa é tão respeitada que ele já foi convidado para dar palestras até no exterior. Saulo conversou com o público sobre suas experiências e contatos, além de ter passado pela experiência de ele mesmo ter sido maquiado e caracterizado como um macaco, além de bilhetes, fotos autografadas e outros itens que chegam a 1800. Essa edição do Cineclube Sci-Fi ainda contou com uma sessão de autógrafos dos livros dos dois palestrantes.
Como podemos ver, a edição de agosto de 2015 do Cineclube Sci-Fi bombou. Um ótimo filme, excelentes palestrantes, bom debate, e uma sessão de autógrafos de quebra. Recordar é viver. Esperemos que, um dia esse cineclube retorne.
Adoro esse filme! Lembro da primeira vez que o assisti, me chocou. E o livro é maravilhoso! As palestras foram ótimas, estava presente. Seria muito bom que o cineclube voltasse.
É realmente um grande filme. Pena que o Cineclube não voltou mais. Em compensação, um novo cineclube começou no Espaço Itaú, em Botafogo, toda primeira terça-feira do mês as 18h, organizado pela ABL, sob a liderança do Cacá Diegues, sobre cinema brasileiro. Nessa última terça, estreou Limite, de Mário Peixoto, e depois teve uma palestra com Walter Salles e o Marco Luchesi, presidente da ABL. No próximo cineclube, na primeira terça de dezembro, será exibido Argila, do Humberto Mauro. Se você gosta de filmes brasileiros antigos, é uma ótima pedida. A entrada é dez reais, com meia a cinco reais…