Batata Movies – Greta. Vidas Paralelas.

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Cartaz do Filme

Um curioso filme brasileiro. “Greta”, de Armando Praça, é um filme de várias vidas paralelas que acabam, num momento ou noutro, se cruzando. Explorando um mundo um tanto “underground”, o filme pode chocar mentes mais sensíveis e conservadoras. Mas não tem pudores em expressar detalhes concretos da vida, sem diminuir nem aumentar as coisas. Para entendermos melhor o filme, faremos uso de spoilers.

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Pedro, um enfermeiro envolvido em vários mundos…

O plot gira em torno de Pedro (interpretado por Marco Nanini), um enfermeiro de um hospital público de Fortaleza. Ele tem uma amiga, Daniela (interpretada por Denise Weinberg), uma artista trans de uma boate gay que tem sérios problemas renais e vai se internar no hospital onde Pedro trabalha. Mas há falta de vagas no hospital e Daniela não quer ficar em outro hospital longe do amigo. Ao mesmo tempo, chegam dois feridos ao hospital depois de uma briga. Um dos homens morre, tendo sido morto pelo outro, que se chama Jean (interpretado por Démick Lopes). Com medo de ser morto, Jean pede a Pedro para ser retirado do hospital. Pedro abriga Jean em sua casa, até para surgir uma vaga para Daniela. Logo, Pedro e Jean vão se envolver afetivamente, mas Pedro está sendo investigado pela suspeita de ter acobertado a fuga de Jean, ao mesmo tempo que precisa lidar com o problema de Daniela, que foi diagnosticada como paciente terminal.

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Daniela, uma personagem muito carismática…

A história desse filme é um livre adaptação da peça “Greta Garbo, Quem Diria, Acabou no Irajá”, de Fernando Mello, pois o personagem de Pedro pedia a Jean para que o chamasse de Greta Garbo nas noites de amor dos dois. Temos aqui uma história que aborda o Universo homossexual de uma forma muito aberta e sem hipocrisias, com várias cenas de sexo, sendo esse um filme que desafia abertamente o comportamento conservador de nossa sociedade. Palmas para Marco Nanini e seu personagem Pedro, em quem o filme orbita. Apesar das boas atuações de Denise Weinberg (muito carismática e impressionante) e Démick Lopes (que, apesar de interpretar um assassino que despertava a suspeita de explodir em violência à qualquer momento, deu uma atuação ponderada, delicada e contida para Jean), o filme, obviamente, é de Nanini, que fez um homem que recebia pressões de todos os lados, seja da amiga Daniela, seja da direção do hospital, que sabia de seu envolvimento no desaparecimento de Jean, seja no próprio Jean, que vivia dentro de sua casa e constantemente lhe pedia ajuda. Esse é um filme também de várias vidas, seja em Pedro, um austero enfermeiro que convive com a situação imposta por suas preferências sexuais, seja no relacionamento de Pedro com Daniela, uma amizade consolidada de longa data, seja no relacionamento de Pedro com Jean, que traz ao enfermeiro a novidade de uma nova aventura sexual e traz a Jean a única amizade sincera que teve.

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Jean, o envolvimento amoroso…

Esse é um filme que caminhava para um desfecho melancólico, até porque a relação de Pedro e Jean tem um ponto de ruptura que parecia impossível de reatar. Mas optou-se por uma espécie de direção ao happy end, onde fica todo o indício de que Pedro e Jean voltarão, com um relacionamento repaginado.

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Cenas diretas e sinceras, sem hipocrisia…

Assim, “Greta” é um filme que se pauta, sobretudo, na boa atuação dos atores, sendo que a grande e inquestionável cereja do bolo é Marco Nanini que, volta e meia, nos brinda com seu talento fora do ambiente televisivo, lançando mão do teatro e do cinema, onde sempre parece que ele tem mais espaço para abusar de sua competência. Típico filme que a gente vai ver pelo ator. Vale a pena dar uma conferida.

Batata Movies – Projeto Gemini. Crise De Identidade.

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Cartaz do Filme

Will Smith está de volta em mais um filme de ação. “Projeto Gemini” tem um toque de ficção científica e traz de volta a discussão das questões éticas em clonagem, um assunto que tinha saído um pouco da pauta dos filmes mais recentes. Para a gente poder compreender melhor o filme, vamos precisar de spoilers aqui.

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Brogan, um matador profissional que vai encarar uma surpresa…

O plot é o seguinte. Henry Brogan (interpretado por Smith) é um assassino profissional que faz serviços para o governo americano. Entretanto, ele está cansado dessa vida e quer se aposentar. Mas um amigo seu diz que o último homem que ele matou não era um “bad guy”, mas sim uma espécie de queima de arquivo do governo. Como ele toma conhecimento desse problema, ele imediatamente se torna um alvo do governo americano, ficando marcado para morrer. E quem fica incumbido dessa difícil tarefa, já que Brogan é um profissional extremamente competente naquilo que faz é, nada mais, nada menos do que ele mesmo, pois foi um projeto ultrassecreto do governo de nome Gemini acaba clonando Brogan. E assim, uma versão mais nova dele o caça, sendo que, como os dois são praticamente idênticos, as cenas de perseguição e de ação vão pegar muito fogo.

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Júnior, cheio de dúvidas…

É claro que a principal atração de um filme desse naipe são as cenas de ação, de tiroteios, bombas e explosões, algumas com um CGI relativamente sofrível. Mas, pelo menos, a questão da clonagem dá um tom um pouco diferente para um filme que seria mais do mesmo. Obviamente, a questão ética surge no meio da conversa e a clonagem é vista como algo feito por mentes inescrupulosas que querem poupar a vida de soldados e sofrimentos de famílias, mas brincando de Deus e gerando outras vidas com o propósito da imolação e sacrifício. É claro que Brogan não vai querer dar cabo de seu rival e vai ter uma afinidade total com seu eu mais novo que, diga-se de passagem, está a cara de Will Smith quando fazia “Um Maluco No Pedaço”, que passava já há longínquos anos no SBT (tinha horas que eu me perguntava quando ia aparecer o Carlton e o Tio Phill). E, claro, os dois gradativamente se aproximam e se aliam no transcorrer do filme. O que incomodou um pouco foi que a igualdade genética dos dois foi explorada a um ponto de quebrar a regra do fato de o homem ser produto do meio em que vive. Ou seja, ainda que Brogan e Júnior sejam geneticamente idênticos, eles tiveram experiências de vida diferentes e isso é meio que atropelado ao longo da exibição da película, onde parecia que a igualdade genética determinava tudo entre os dois, o que sabemos que não é verdade. De qualquer forma, valeu pela discussão e pelo debate em torno da questão ética da clonagem humana. Mas outra coisa que devemos nos lembrar é que a versão clonada de Brogan não deveria ser mais jovem que ele, mas sim com sua mesma idade. O detalhe é que isso tiraria toda a graça de Brogan se ver mais jovem e buscar semelhanças de Júnior com a própria juventude de Brogan.

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Ele lutando contra ele mesmo…

Apesar de termos a presença de Clive Owen e Benedict Wong (de “Dr Estranho) no filme, essa é uma película toda centrada em Will Smith, como não podia deixar de ser. Seu personagem Brogan era um pouco durão e sisudo, com poucos espaços para algo mais descontraído e cômico. Já Júnior era bem mais interessante, com todos os dramas e inquietações de um praticamente pós-adolescente. Smith consegue convencer como um cara mais maduro e mais jovem ao mesmo tempo e sua atuação foi nota dez como sempre.

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Sempre vale a pena ir ao cinema para ver Will Smith…

Assim, “Projeto Gemini”, apesar de ser um filme bem convencional de ação, com os tiros, porradas e bombas de sempre, tem um toquezinho de ficção científica e de debate ético em torno da questão da clonagem humana, sendo um filme um pouco mais diferente da média dos filmes de ação. E tem Will Smith, o tipo do ator que a gente vai para o cinema assisti-lo, não importa qual seja o gênero de filme. Vale a pena dar uma conferida.

Batata Literária – Chocolate

Ele surgiu lá na tribo ancestral

Dos antepassados mexicanos

Era misturado com pimenta

Como ardia!

Aí, vieram os espanhóis

E botaram leite

Fica mais docinho assim

Depois, tomou muitos formatos

Meio amargo…

Diet…

Ao leite…

Com flocos de arroz…

Com caramelo…

Em bolo…

Mousse (Huum!)

Achocolatado, para beber…

Em biscoito…

E tome endorfina…

Estou drogado

Embriagado…

Tem gente que gosta dele branco…

Mas o melhor diamante é negro…

Certo, Garoto?

Me afogo em Lacta

A sua versão em pó

Faz um monte de coisas

Mas o melhor deles

Vem lá da Suíça

Milkando Alpes abaixo

Do leite das vaquinhas rosadas

Gostoso, Nes?

Meu lábio estala tlé!!!

Gosto deles todos!

Só não suporto

Quando vem com amendoim

É muito Charge para mim…

Mas a minha cachaça,

Quando me falta, fico aflito

É o porre do meu favorito

É o porre do meu Chokito…

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Batata Movies – Mangue Bangue. Trabalhando O Não Visto.

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O Cine Joia de Copacabana promoveu, no mês de agosto, uma exibição gratuita do filme “Mangue Bangue”, com a presença de seu diretor, Neville D’Almeida. Considerado o cineasta mais interditado, boicotado e censurado do país, Neville, ao fazer “Mangue Bangue”, já tinha sofrido com a censura da ditadura militar e tomou uma decisão drástica: fez um filme do jeito que quis e não o submeteu à censura, levando-o para fora do país de forma clandestina para ser finalizado por lá. Nas idas e vindas da vida, o filme acabou no MoMA de Nova York, e ficou por lá muitos anos esquecido, até ser finalmente resgatado. Essa exibição recente promovida pelo Cine Joia tem um quê histórico, pois foi a primeira vez que o filme, produzido no início da década de 70, teve uma exibição pública no Rio de Janeiro.

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O próprio Neville D’Almeira faz parte do elenco.

E o que podemos falar desse filme? Neville, em suas próprias palavras, definiu o cinema como a arte da hipocrisia, onde visões de ordem mais moral, artística e estética ditam as regras. O cineasta, então, procurou fazer um filme mais ligado à realidade nua e crua cotidiana, vista com repulsa por parâmetros mais moralistas e autoritários. Assim, Neville retrata em seu filme a pobreza, a nudez, o consumo de drogas, a luta pela sobrevivência, a decadência humana, mas não com a intenção de agredir o espectador e sim naturalizar e humanizar a realidade cotidiana. O diretor tem a feliz escolha de fazer um filme mudo, onde a linguagem se ampara quase que totalmente na materialidade das imagens, sendo que não temos uma narrativa tradicional de uma história coesa com início, meio e fim, mas sim a explanação de várias situações e ideias, onde as associações entre as imagens dão as cartas.

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Antológica participação de Paulo Villaça (de terno)

Temos, por exemplo, cenas de consumo de drogas intercaladas com uma rinha de galos, esta última vista como uma alegoria da luta pela sobrevivência, ou a cena de uma mãe amamentando o filho. É impossível não se lembrar da repercussão, muito atual, e vista como negativa por parte de algumas mentes mais conservadoras, sobre as mães que amamentam seus filhos publicamente. Assim, essas imagens que são alegorias de ideias se aproximam muito, por exemplo de um Mário Peixoto, tal como vimos em sua obra “Limite”. Outro detalhe interessante foi a escolha da trilha sonora, com direito a suaves chorinhos ou até um Beethoven, usados, segundo o diretor, para humanizar imagens muito alvejadas por preconceitos impostos por visões mais conservadoras. Assim, a trilha sonora consegue a façanha de tornar idílicas as imagens de um grupo de travestis mergulhados na miséria, por exemplo.

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Participação de Maria Gladys.

O único arremedo mais coeso de narrativa estava na história de decadência de um personagem interpretado por Paulo Villaça. Corretor na Bolsa de Valores, ele começa a se sentir mal dentro do pregão (uma alegoria da venalidade do sistema capitalista) e sai de lá, expelindo pela boca jatos e jatos de vômito, terminando por se jogar na rua e numa poça de lama e esgoto, que nada tinha de cenográfica. Na rua, encontra a personagem interpretada por Maria Gladys, que rouba para sobreviver e se droga para ainda viver. É nesse momento que o sorriso volta à Villaça, como se o estilo de vida mais simples (e, por que não, prosaico?) dos menos favorecidos mostrasse a existência de um outro mundo diferente do que ele conhecia.

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Travestis e rinhas. Luta pela sobrevivência…

A jornada do personagem de Villaça prosseguiu até o estado mais anímico possível onde, com a ajuda dos dedos, ele sentia o cheiro de sua cavidade anal e genitália (nas palavras do próprio Neville, no documentário de Mario Abbade, “Quem nunca enfiou o dedo no cu e cheirou?”), terminando por vermos o personagem defecando no mato, se limpando no rio e sumindo no interior da floresta. Ou seja, o humano reprimido pelas convenções do capitalismo e do moralismo conservador se liberta, em todo o seu processo de decadência, tornando-se instinto puro.

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Filme busca humanizar os excluídos.

Para quem ainda considera Neville, de uma forma bem reducionista, imoral, indecente e asqueroso, “Mangue Bangue” mostra justamente o contrário lá nas entrelinhas. Neville é visceral, sem hipocrisia, podendo ser até agressivo aos mais sensíveis. Mas ele humaniza os excluídos, naturaliza o que é rechaçado pelo conservadorismo moralista, mostrando tudo o que o cinema mais tradicional não tem coragem de mostrar. Sistematicamente atacado e silenciado, Neville não abaixou a cabeça e continuou acreditando em sua arte e visão de mundo. Um cineasta cruelmente relegado ao esquecimento pelo establishment. Esperemos que tal injustiça histórica seja corrigida no futuro e ainda em vida.  

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Neville D’Almeida. Um cineasta que precisa ser visto e ouvido

Batata Movies – Contato. A Versão de Uma Obra-Prima Para O Cinema.

Vamos hoje recordar mais uma vez das sessões do Cineclube Sci Fi do Conselho Jedi do Rio de Janeiro realizadas no Planetário da Gávea. Certa vez, foi exibido o importante filme “Contato”, estrelado por Jodie Foster e Matthew McConaughey. E por que essa produção de 1997 dirigida por Robert Zemeckis é tão cheia de relevância? Justamente porque se trata de um filme de ficção científica com F maiúsculo, tratando o tema da busca por inteligência extraterrestre de forma sóbria e refinada, sem arroubos de ação ou aventura, como vemos na maioria dos filmes que tratam desse tema. A história dessa película é inspirada no livro homônimo do astrônomo Carl Sagan, famoso na década de 1980 por trabalhar com divulgação científica, produzindo e protagonizando a série de TV “Cosmos”, exibida por aqui pela Rede Globo.

Jodie Foster interpreta a astrônoma Eleanor Arroway

No que consiste a história? Temos a astrônoma Eleanor Arroway (interpretada por Jodie Foster), que tem como objetivo principal em sua carreira buscar inteligência extraterrestre analisando os sinais de rádio emitidos pelos corpos celestes. Ela tem o hábito da comunicação por rádio desde criança, quando operava um rádio amador de sua casa, estimulada pelo pai Ted (interpretado por David Morse), que recebera a recomendação de estimular as aptidões da menina para matemática, física e ciências, após esta passar por um teste vocacional. Mas Eleanor vai sofrer todos os preconceitos da comunidade científica, principalmente na figura de David Drumlin (interpretado por Tom Skerritt), que vê o projeto de Eleanor com ceticismo e até zombaria, cortando todos os apoios financeiros e governamentais que pode e não pode. Mas, um belo dia, no Very Large Array, um conjunto de Radiotelescópios instalados no Novo México, Eleanor finalmente detecta sinal de vida inteligente, situada na estrela Vega, a 26 anos-luz de distância da Terra. Inicialmente, era um sinal que continha uma sequência de números primos, mas que possuía outras informações também. Havia a primeira transmissão de TV feita pelo homem, um discurso de Adolf Hitler na abertura dos Jogos Olímpicos de 1936, que essa inteligência alienígena captou e retransmitiu para a Terra com um ruído implícito, que era constituído de esquemas tridimensionais para se montar uma máquina que fizesse viagens pelo espaço através de “buracos de minhoca”, que são “atalhos” na estrutura espaço-temporal.

Joss, um homem da religião

Obviamente, a essa altura do campeonato, Drumlin esqueceu seu ceticismo e, com seu poder e influência, tomou as rédeas do projeto, colocando Eleanor para escanteio. Mexendo seus pauzinhos e, usando um discurso que agradava a gregos e troianos, convenceu uma comissão de que ele era a pessoa mais indicada para fazer a viagem. Só que um fanático religioso cometeu um atentado terrorista e explodiu toda a máquina, provocando a morte de Drumlin. Tudo estaria perdido não fosse a intervenção do grande magnata Hadden (interpretado magistralmente por John Hurt), que já vinha dando amparo financeiro a Eleanor e que tinha construído outra máquina igual na ilha de Hokkaido com a ajuda de empresas japonesas, devidamente compradas por ele. E aí, nossa Eleanor, a descobridora do sinal e que fora colocada à margem do projeto por querelas políticas, vai fazer a viagem para encontrar a espécie alienígena em questão.

Buscando inteligência extraterrestre com grandes antenas…

Ufa! Que história, não? Só essa pequena sinopse já mostra que o filme vale a pena. Mas a película tem outras grandes virtudes. Não falamos do personagem de Matthew McConaughey ainda. Ele é Joss, um homem de formação religiosa, que é uma espécie de conselheiro espiritual do presidente Bill Clinton. E iniciará um “affair” com Eleanor, uma mulher de ciência que não crê em Deus. Logo podemos perceber o velho embate ciência X religião nesse casal e ao longo do filme. Mas essa discussão, ao contrário do que pode parecer, não é feita de forma dicotômica e simplória. Ela é cheia de matizes, pois Joss representa a visão do religioso com suas convicções a respeito de Deus, mas tolerante com o discurso científico, ao contrário do fanático religioso que explodiu a máquina por rechaçar totalmente a ciência (aliás, esse fanático religioso estava a cara do ator alemão Klaus Kinski, que fazia apresentações teatrais dizendo que era Jesus Cristo e que respondia enfurecido às provocações da plateia que o questionava se ele era mesmo Jesus ou não, sendo um grande sucesso, mas isso é outra história). É bem claro que a notícia do conhecimento da existência da inteligência extraterrestre provocou uma polvorosa e tanto. E aí, ficou a questão de quem seria a pessoa mais adequada para fazer a viagem. Eleanor era uma das candidatas, mas foi reprovada, pois não acreditava em Deus, algo em que 95% da população mundial acreditava, não sendo considerada, portanto, uma boa representante da raça humana

Fazendo uma viagem fantástica!!!

Só para colocar um pouco mais de pimenta na discussão, Joss fazia parte da comissão e fez a Eleanor a pergunta de se ela acreditava em Deus, que foi decisiva para sua eliminação. Mas Joss fez tal pergunta, pois ele amava Eleanor e temia que ela jamais voltasse. Aliás, Joss ficou assustado com a entrega de Eleanor ao projeto, chegando ao ponto de aceitar a possibilidade de sacrificar a própria vida em prol da ciência. Aqui, esse comportamento extremo de Eleanor também é visto em alguns grupos fundamentalistas religiosos, só para percebermos como a discussão do filme é rica nesse ponto

Encontro com o “pai” alienígena

Mas como era dito naquela antiga propaganda de facas na tv, “e não é só isso!”. O filme vai mais além nessa questão. Eleanor faz a viagem, vê todos os buracos de minhoca do mundo, vai para Vega e além dos limites da galáxia, onde se encontra com uma suposta entidade alienígena travestida de seu pai, numa reprodução de uma praia em Pensacola, Flórida, com quem ela tinha tido um contato de rádio amador quando criança. Toda essa montagem foi feita, segundo o “pai alienígena” para tornar a coisa mais familiar. Para Eleanor, a experiência, além de científica, foi também pessoal, pois o pai havia morrido quando ela era apenas uma garotinha e ela tentava se comunicar com o pai morto no radio amador.
O grande problema foi que toda a estação de comando da máquina não viu nada disso e Eleanor não trouxe provas concretas de sua viagem, já que sua câmara e sistema de áudio só trouxeram estática gravada. Assim, ficou o discurso dela contra o discurso de quem testemunhou a viagem “de fora”. E aí, a situação se inverteu: assim como Eleanor antes não acreditava em Deus, depois da viagem muitos não acreditavam no que Eleanor dizia. Mas ainda assim, parte do povo acreditou na cientista e passou até a vê-la como uma figura messiânica, como ficou registrado na comovente sequência após o depoimento de Eleanor no Congresso, onde uma multidão a aguardava, com direito até a crianças com doenças graves a esperando para receber uma espécie de “benção”, para a perplexidade total da cientista. Nessa hora, ficaram as sábias palavras de Joss, onde ele disse à mídia que não tinha as mesmas visões de mundo de Eleanor (a científica), mas tanto ciência quanto religião buscavam a verdade e que ele acreditava nas palavras de Eleanor, dando um bonito desfecho para a película.
Uma outra curiosidade foi a participação de medalhões da imprensa no filme como o apresentador Jay Leno ou o Repórter Bernard Shaw, que cobriu a guerra do Iraque, o que deu um certo tom de realismo e autenticidade à história. O próprio presidente dos Estados Unidos na época, Bill Clinton, gravou algumas sequências discursando para o filme, assim como teve sua imagem implantada em CGI com alguns membros do elenco. Aliás, falando em CGI, algo que muito chamou atenção na época em que o filme foi feito foi a sequência inicial, onde “saímos” do planeta Terra juntamente com os sinais transmitidos pelos humanos indo até para fora de nossa galáxia. À medida que nos afastamos do planeta, os sinais falam de situações que estão cada vez mais no passado (os sinais mais antigos já viajaram uma distância maior), até que eles emudecem, após o discurso de Hitler nos Jogos Olímpicos de Berlim, o primeiro sinal a sair da Terra em 1936 e que já viajou a maior distância. A única crítica que pode ser feita a essa belíssima sequência inicial é a respeito dos sinais da década de 1960 que eram escutados no filme nas proximidades de Júpiter e Saturno, quando sabemos que tais sinais só demoram algumas horas para chegar a esses planetas. De qualquer forma, nada disso alterou a beleza e plasticidade da coisa.

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Leonard Nomoy. Como seria a comunicação entre humanos e alienígenas???

Uma questão pode ser levantada aqui. Como seria uma comunicação entre extraterrestres e nós? Tal situação de comunicação descrita no filme seria verossímil? Leonard Nimoy (sempre ele) ao elaborar a história de “Jornada nas Estrelas IV, A Volta Para Casa”, discutiu com alguns cientistas especializados em pensar tais questões como seria uma suposta comunicação entre humanos e ETs. Um deles lhe disse que essa comunicação poderia ser impossível, já que o desenvolvimento de uma espécie alienígena poderia ser tão diferente da nossa que as visões de mundo, as redes neurais, os sistemas de linguagem seriam tão dispares que impossibilitariam qualquer comunicação. E os alienígenas do filme se comunicam por números primos, que faz parte de uma linguagem matemática desenvolvida na Terra. Após a exibição do filme no cineclube, houve um debate com o astrônomo Alexandre Cherman, que defendeu a ideia de que uma comunicação entre alienígenas e terrestres com números primos é algo altamente plausível, dada a peculiaridade desses números (só são divisíveis por eles mesmos e por um) e que essa ideia vale para qualquer lugar do Universo, sendo um sistema de comunicação altamente inteligível e eficiente. Luísa Clasen, a outra palestrante, especializada em Cinema e Vídeo, levantou uma hipótese interessante: mesmo sendo uma espécie alienígena altamente diferente da nossa, ela pode ter estudado os sinais terrestres e entendido um pouco mais as nossas formas de pensar e se comunicar.
Após essas linhas, podemos perceber a grande qualidade que o filme “Contato” tem. A melhor expressão do bom cinema, do filme que faz pensar sobre questões tão atuais, mesmo tendo sido feito há quase vinte anos. Quem ainda não conhece essa película já tem bons motivos para procurá-la. Um excelente programa para quem gosta do cinema como pura expressão de arte.

Luisa Clasen, palestrante

Batata Movies – Filhas Do Sol. Mulheres Na Guerra.

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Cartaz do Filme

Uma arrebatadora co-produção França/Bélgica/Geórgia. “Filhas do Sol” fala sobre mulheres. Mas não de forma simplória. Estamos aqui no contexto de uma guerra civil, no fragmentado conflito do Oriente Médio, onde populações inteiras matam e morrem por quinhões secos de terra que são seus países. Mas a luta vai a um nível mais profundo. Vemos também a busca pela reconstrução impossível em sua plenitude, de um passado perdido. Vamos precisar de spoilers aqui.

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Bahar, uma lutadora incansável…

O cenário é o norte do Curdistão. As pessoas daquele país estão em guerra com o Estado Islâmico. Banhos de sangue e carnificinas fazem parte da rotina diária. Uma advogada, Bahar (interpretada pela belíssima e insuperável Golshifteh Farahani), é surpreendida numa festa de sua família pelos membros do Estado Islâmico, que executam todos os seus homens (inclusive o seu marido), sequestram o seu filho pequeno para a causa e ainda mantém a moça, juntamente com várias outras mulheres como escravas sexuais. Bahar vê na TV, enquanto está no cativeiro, que uma antiga professora universitária sua participa de um movimento que liberta essas mulheres e anota um número de telefone que sua professora passa pelo programa de TV. Ela consegue fugir com a ajuda de sua professora e entra na resistência curda contra o Estado Islâmico, liderando um batalhão feminino conhecido como “Filhas do Sol”, composto somente de mulheres que passaram por uma situação igual à dela, lutando na linha de frente. Bahar irá conhecer uma jornalista francesa, Mathilde (interpretada por Emmanuelle Bercot), que irá testemunhar e registrar a ação do grupo. Bahar também tem a esperança de, no meio de todas essas batalhas sangrentas, recuperar o filho sequestrado.

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Liderando um batalhão de mulheres…

O filme mescla cenas de batalha das Filhas do Sol contra o Estado Islâmico e flash-backs que ajudam a gente a entender a trajetória pregressa de Bahar, desde os seus dias confortáveis de advogada com família estável, passando pelo pesadelo de ser capturada pelo Estado Islâmico, a fuga e a entrada no movimento guerrilheiro. O mais curioso aqui é que o Estado Islâmico considera a morte em batalha uma ida para o paraíso, mas isso não ocorre se o soldado for morto por uma mulher. Logo, a carga simbólica do movimento armado feminino já é uma luta contra o machismo e a misoginia desde o início. E as mulheres ainda têm a oportunidade de “largar o aço” nos seus estupradores e escravizadores. Mesmo lutando ferozmente e combativamente, as guerrilheiras não perdem a ternura, havendo uma forte ligação emocional entre elas, celebradas em cantorias à beira das fogueiras, ao bom estilo da cultura árabe e beduína. Elas também não rechaçam a sua origem muçulmana, apesar de todo o fanatismo do ISIS. E são mais impetuosas e corajosas que os homens. Bahar tem desentendimentos com o comandante do exército masculino que ajuda seu grupo e, muitas vezes, as mulheres combatem sem qualquer ajuda masculina, o que ajuda ainda mais a aumentar o mito em cima de seu heroísmo. E pensar que vemos aqui um filme baseado em fatos reais, com nomes sendo trocados para garantir a segurança das pessoas que ainda estão por lá, lutando no front. Só da gente pensar nisso, já é de arrepiar.

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Mathilde, com as marcas da guerra, testemunha aluta das mulheres…

Agora, o desfecho é que pareceu falso, pois Bahar conseguiu encontrar o seu filho. E aí, eu me pergunto: será que isso aconteceu mesmo na vida real, com a vida imitando a arte? Espero que sim. Só deixaria as coisas mais espetaculares ainda.

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Sempre na linha de frente…

Dessa forma, “Filhas do Sol” é um programa imperdível e obrigatório, pois fala de um batalhão de mulheres que não se deixou vitimizar num mundo extremamente misógino e machista, indo literalmente à luta. Um filme onde o senso de companheirismo e carinho não se deixa desvanecer nas agruras do campo de batalha. Um filme de Bercot, mas, principalmente, de Farahani essa atriz bela e adorável. Não deixe de ver.