Uma co-produção Áustria/Alemanha. “A Tabacaria” é mais um daqueles filmes que aborda o inesgotável tema do nazismo, desta vez na Viena ocupada pré-2ª Guerra Mundial. Um filme que se destaca pela presença de Freud, interpretado por um sóbrio Bruno Ganz, mas que tem como personagem-protagonista Franz (interpretado por Simon Morzé), um jovem do interior que é mandado pela mãe para trabalhar na tabacaria de um antigo namorado após a morte do marido. Ao chegar a Viena, Franz vai para a tabacaria em questão e descobre todo um mundo novo, onde prazer e desejo são vendidos a preços módicos ou bem altos para os clientes (quando se trata de charutos cubanos, por exemplo).
Franz fica maravilhado com todo esse novo mundo e, principalmente, com a presença de Sigmund Freud entre os clientes, com quem engata uma amizade. Nas conversas com o psicanalista, Franz é encorajado a buscar um amor na cidade e ele acaba conhecendo uma jovem de origem tcheca, Anezka (interpretada por Emma Drogunova) que, se num primeiro momento é uma princesa encantada para o moço, com o tempo ela se revela menos prosaica para uma cabeça conservadora de um jovem do interior. Entretanto, Franz ainda batalha por sua amada, percorrendo um caminho espinhoso. Esse ambiente um tanto idílico acabará de forma extremamente abrupta com a chegada dos nazistas a Viena, onde o patrão de Franz, Otto (interpretado por Johannes Krisch) acaba sendo preso por sua origem judaica e morre na prisão. Freud, por sua origem judaica, também precisa ir embora e Franz desaparece, ao fazer um protesto um tanto inusitado contra a prisão de seu patrão. Ou seja, é o fim da inocência e o fim de tudo, num desfecho coerente com o contexto, que não tinha espaço para um happy end.
Algumas coisas chamam a atenção nesse filme. O lúdico e o idílico que precedia o violento choque de realidade não ficou apenas no romance entre Franz e sua garota tcheca. O rapaz tinha, também, muitos sonhos, que, sob os conselhos de Freud, eram registrados no papel assim que ele acordava e que representavam todos os seus desejos, aspirações e angústias. É curioso perceber que tivemos até um uso (tímido, é bem verdade) de CGIs nas sequências de sonho. Outro detalhe curioso estava nos momentos em que Franz passava por uma situação e ele botava sua imaginação para funcionar, quando o que acontecia na realidade era bem diferente. Como um exemplo, o comunista local se joga de um prédio após a chegada dos nazistas. Franz corre e consegue segurá-lo antes de se esborrachar no chão, salvando a sua vida. Mas isso era somente a imaginação do moço, pois o homem realmente se esborracha no chão e morre. Tal limite tênue entre a imaginação e a realidade chega a surpreender o espectador nos primeiros momentos em que foi usado, mas depois acabou se tornando meio óbvio. Mesmo assim, a gente se identifica com essa situação. Quem nunca, num determinado momento e presenciando uma cena, pensou no que ia fazer, mas só ficou paralisado ali e não fez nada?
Os atores foram muito bem. Simon Morzé segurou bem o fardo de papel-protagonista e não teve medo de contracenar com Ganz, o grande nome do filme e que fez um Freud doce e adorável. Johannes Krisch foi fenomenal como o dono da tabacaria, sabendo ser duro em alguns momentos, mas compreensível e paterno em outros, atuando como um verdadeiro pai postiço para Franz. Realmente, um filme onde tivemos uma boa história (é inspirada num best-seller de Robert Seethaler), mas que foi muito bem amparada no bom trabalho dos atores.
Assim, “A Tabacaria” é um programa imperdível, pois o lúdico e o violento choque de realidade do nazismo dão as cartas, há bons atores e temos uma das últimas oportunidades de ver Bruno Ganz atuando, além de termos uma história muito bem contada. Vale muito a pena dar uma conferida.