Um documentário inquietante. “Mama Coronel” fala de uma dura realidade: a do continente africano em dias de pós guerra, onde crianças e mulheres são vítimas de uma dura condição imposta pelas agruras de uma sociedade muito sofrida. Para podermos entender um pouco melhor o filme, vamos lançar mão de spoilers.
O filme mostra a trajetória da policial Honorine, conhecida pelo apelido de Mama Coronel. Ela busca resolver casos de estupro e violência contra crianças no Congo. As crianças, além dos casos de estupro, também sofrem espancamentos de adultos, pois são acusadas de estarem enfeitiçadas, padecendo muito nas mãos de líderes religiosos. Por outro lado, Honorine presta assistência para mulheres vítimas da guerra entre Ruanda e Uganda, onde foram estupradas e viram seus maridos e filhos serem assassinados. Com a guerra tendo ocorrido há mais de quinze anos, com todos esses crimes jamais tendo sido elucidados, e sem qualquer esperança futura de que isso ocorra, resta a Honorine dar a melhor assistência possível a essas mulheres e pedir ajuda ao povo que também não tem a menor condição para isso. Ainda, as crianças que sofrem espancamentos dos adultos por serem acusadas de feitiçaria não têm uma família para ficar. Assim, Honorine acaba levando essas crianças para serem criadas pelas mães que foram estupradas na guerra e tiveram suas famílias mortas. O documentário termina com mães de família que são comerciantes, sensibilizadas pelas atitudes de Mama Coronel, doando uma quantia em dinheiro para ajudar as mães e as crianças.
O documentário, depois de mostrar um cruel e repulsivo choque de realidade, acaba optando por um happy end, muito provavelmente pelo fato de que toda a cruel realidade de um povo que sofreu as agruras da guerra é um fardo muito pesado a ser carregado pelo espectador durante a exibição do filme, com o happy end sendo algo mais brando e aceitável. De qualquer forma, esse filme exibe, de forma nua e crua, todas as agruras que os povos do continente africano sofrem, quando os pesos de guerras com origens mais tribais podem, simples e literalmente, destruir vidas e famílias inteiras. De imponente mesmo resta a figura de Mama Coronel, que sempre somos tentados a chamar de heroína, embora ela seja apenas uma funcionária pública que quer ser a mais profissional possível e necessita de condições ideais de trabalho, onde um sistema judiciário totalmente estático acaba sendo um grande empecilho para suas atividades profissionais e humanitárias, indo onde o Estado deve estar, Estado esse que quase nunca chega onde deve ao final das contas. Honorine é admirável, corajosa e tira leite de pedra para dar um mínimo de humanidade a pessoas tão barbarizadas.
Dessa forma, “Mama Coronel” é um documentário fundamental e indispensável, pois expõe de forma nua e crua as agruras de um continente que se tornou como tal em virtude de um agressivo processo imperialista por parte das potências do ocidente, e que, simplesmente se desfizeram da África após usá-la e abusá-la, pouco se importando com a enorme quantidade de vidas ceifadas por problemas econômicos e de ordem geopolítica. A figura de Honorine, que se levanta contra todo o processo, é admirável e tem sabor de mitológico e heroico, mas ela é apenas uma ser humana que quer fazer seu trabalho da melhor forma possível e precisa de condições para isso. Um programa imperdível.