O filme “Glória Feita de Sangue”, de Stanley Kubrick, é um dos filmes de guerra mais contundentes que existem. Pode-se dizer que foi um filme feito com muita coragem, pela forma franca com que alguns assuntos são tratados, numa época em que a Guerra Fria estava a pleno vapor (1957) e noções como a de patriotismo eram incontestáveis nos Estados Unidos. Mas Kubrick contestou.
Vemos aqui a história ambientada na Primeira Guerra Mundial. O ano é 1916 e presenciamos a famosa “guerra de trincheiras”, onde não existem muitos avanços dos exércitos contra as linhas inimigas. No exército francês, o general Broular (interpretado por Adolphe Menjou, antiga estrela do cinema mudo, que contracenou com Rodolfo Valentino em “O Sheik” e foi um dos protagonistas de “Casamento ou Luxo”, de Chaplin) instiga o general Mireau (interpretado por George Macready) a tomar uma posição alemã conhecida como “o formigueiro” sem qualquer espécie de ajuda, algo considerado praticamente impossível. Tomado pela vaidade e pela possibilidade de glória, Mireau aceita o desafio. Os soldados de Mireau são comandados pelo coronel Dax (interpretado por um vivaz Kirk Douglas), que não concorda com a missão praticamente suicida mas é obrigado a executá-la. Durante o ataque, uma parte do exército simplesmente não conseguiu sair da trincheira em virtude do fogo cruzado alemão, o que muito irritou Mireau, que chegou a dar ordens para atirar nos próprios soldados em virtude de sua suposta covardia, mas foi desobedecido. Como era necessária uma punição exemplar, três soldados foram escolhidos para serem julgados pela corte marcial, cuja pena seria a capital.
Dos três soldados escolhidos, um foi sorteado, outro foi escolhido pois não se dava bem com um dos capitães e outro era considerado “socialmente indesejável”. O coronel Dax foi advogado de defesa dos três soldados, mas o julgamento era de cartas marcadas, com praticamente nenhum direito de defesa, o que provocou protestos irados de Dax. Ao fim, os três soldados foram fuzilados.
Tudo isso sob os olhares frios dos grandes generais. Para não ficar um clima de injustiça total, o general Mireau ainda passou por um inquérito depois da denúncia do coronel Dax de que Mireau mandara atirar em seus próprios soldados. Mas o grande mérito do filme foi a resistência do coronel Dax a todas as injustiças impostas pelos grandes generais franceses. Ainda, Dax menciona uma frase que deve ter provocado grande impacto na época em que o filme foi rodado: “o patriotismo é o último refúgio dos canalhas”. “Glória Feita de Sangue” é um filme que questiona desmandos da hierarquia militar, critica um patriotismo exacerbado e expõe cruamente as injustiças da guerra. A cena final é exemplar.
Os soldados da companhia de Dax estão se divertindo num bar quando seu dono traz ao pequeno palco uma moça alemã que havia sido capturada. Depois de ser vaiada, tripudiada e desrespeitada pelos soldados franceses, ela começa a cantar para diverti-los. Sua canção é cheia de melodia e tristeza, expressa na lágrima que sai de seu olho. Os franceses param com o barulho e as risadas e passam a cantarolar a melodia cantada em alemão pela moça. Muitos deles com o semblante fechado e também com lágrimas nos olhos. Tudo isso sob o olhar atento e a expressão melancólica do coronel Dax. Momento sublime de um filme importantíssimo de Kubrick.
Falar de uma obra de arte sempre é algo difícil. Ainda mais quando se trata de “2001, uma Odisseia no Espaço”, de Kubrick. Lembro-me quando esse filme passou na TV pela primeira vez. Eu era moleque e não entendia aquela sucessão de imagens e sons tão estranhos. Esperava algo no estilo “Guerra nas Estrelas” Quebrei a cara.Mas o filme me despertou muita inquietação. A primeira vez que escutei alguma explicação sobre ele foi de um professor de ciências que dizia que o filme buscava mostrar que, por mais que a gente avance e busque inovar, sempre retornamos ao ponto de partida. Sei lá, num primeiro momento, não me convenci muito.
Busquei então o livro e, só aí, pude entender do que se tratava a história, embora o filme a contasse com algumas modificações. Definitivamente, nem sempre uma imagem vale mais que mil palavras. Mas, mesmo assim, Kubrick mostrou a força das imagens nesse filme. Um filme quase sem diálogos. Um filme praticamente mudo, criando arte através da simbiose entre imagem e música, algo que o mestre tanto valorizava. O coro de vozes altamente angustiantes nas cenas do monólito extraterrestre, seja diante dos homens pré-históricos, seja diante da naveDiscovery nas cercanias de Júpiter expressam o medo e o receio humanos diante do sobrenatural (minha mãe costumava dizer que parecia que havia um monte de almas penadas gritando no filme).
O acoplamento da nave espacial à gigantesca estação rotatória que simula a força de gravidade ao som de Danúbio Azultransforma a física em arte, como se as forças que regem o movimento das máquinas criadas pelo homem fossem uma grande dança exaltando o triunfo possibilista da engenhosidade humana. A imagem da Discovery a caminho de Júpiter sob uma música muito melancólica, expressão pura da solidão no espaço profundo, na minha modesta opinião o momento mais lindo e poético do filme. A viagem de Dave em velocidades altíssimas dentro de um caleidoscópio coloridíssimo com um fundo musical altamente desesperador, desespero esse expresso nas imagens congeladas e aterrorizadas da face de Dave, num contraponto à alta velocidade a qual ele está submetido.
Dizem que esse momento do filme é o que mais se aproxima no cinema a uma viagem que um viciado em LSD faz. Ou seja, Kubrick, com o poder de suas imagens, nos deixa “doidões” sem a gente precisar se drogar. Só esses momentos já fazem de 2001 uma obra prima em termos cinematográficos. Mas há ainda mais. Esse trabalho foi, com certeza, um dos melhores filmes de ficção científica da história do cinema, se não foi o melhor. Uma civilização alienígena que salva o homem da extinção lá na pré-história, sugerindo telepaticamente que o osso seja usado como arma para o homem ter o que comer. O osso travestido em nave espacial, consequência do primeiro avanço tecnológico que foi usar o osso como porrete, o que salvou o homem. A presença de um monólito na Lua, que emitiria um sinal assim que o homem lá chegasse, avisando a civilização alienígena dos progressos tecnológicos da humanidade.
A viagem a Júpiter para investigar o outro monólito gigante. A presença de HAL 9000, um computador que tem consciência de si mesmo e que tem emoções (o medo de HAL ao ser desligado por Dave e suas súplicas doem na gente a qualquer tempo, é um sentimento forte e atemporal). O contato com o monólito e a velocidade warp de Dave, que termina numa pequena sala, um ambiente produzido pelos alienígenas para que Dave se torne mais confortável. A velocidade de seu metabolismo aumentada para seu rápido envelhecimento e morte, para fundir seu corpo com a espécie alienígena.
O desfecho do bebê, fruto da mistura entre as duas espécies, vendo o planeta Terra, ao som de Assim Falou Zaratrusta, de Richard Strauss. Tudo isso passado em imagem viva diante de nossos olhos, praticamente sem diálogos, toda a linguagem cinematográfica presente dentro da materialidade das imagens, com a música reforçando e ratificando os significados.
Lembro-me aqui de meu professor. Por mais que a gente busque avançar, sempre retornamos ao ponto de partida. Com o renascimento de Dave, podemos dizer que meu mestre tinha lá uma certa razão.
Entretanto, renascemos, reciclamos, sempre para buscar um novo futuro. Voltar ao ponto de partida, voltar às origens (como o toque que o Dr. Floyd faz com a mão no monólito da Lua, o mesmo toque que o homem pré-histórico faz no monólito no passado distante) pode até ser algo bom, precisamos de nossas referências e raízes.
Mas a raiz é a base para crescermos e buscarmos sempre um futuro melhor para todos nós. 2001 também tem essa mensagem implícita. Definitivamente, esse filme é um patrimônio da humanidade!
Vamos hoje recordar mais uma memorável sessão do Cineclube Sci Fi, realizada no Planetário da Gávea, desta vez com o filme “O Segredo do Abismo”. Realizada em 1989, essa película mostrou uma história um tanto desconexa e sem propósito quando da sua exibição ocorrida já no século passado. A versão apresentada no Planetário foi uma edição do diretor e roteirista James Cameron, onde a coisa teve um pouco mais de sentido. Vamos falar agora um pouco dessa nova história.
O filme começa com um acidente onde um submarino nuclear americano naufragou após um enorme objeto não identificado subaquático cruzar o seu caminho. Para fazer o resgate, foram contratados trabalhadores de uma empresa de prospecção de petróleo, especializados em trabalhar em águas profundas, já que o submarino naufragou numa fossa abissal. A equipe era liderada por Virgil (interpretado pelo sempre eficiente Ed Harris) e foi contratada, pois o salvamento se fazia urgente em virtude do fato de que ogivas nucleares estavam no submarino e a equipe de Virgil era a mais próxima ao local do acidente. Mas esse salvamento não se faria de forma tranquila. Vários militares seals participariam da missão e queriam total controle das ações. Ainda, a esposa de Virgil, Lindsey (interpretada por Mary Elisabeth Mastrantonio) chegou para tumultuar o ambiente em virtude de querelas pessoais e profissionais (Lindsey estava se separando de Virgil e ainda não se conformaria com uma situação mal resolvida com a equipe do marido).
Assim, a missão adquiriu contornos de muita tensão. Para piorar, o líder dos seals respirou oxigênio puro de forma excessiva nos procedimentos de mergulho a grandes profundidades e “pirou na batatinha”, querendo assumir o controle da missão a qualquer custo. E tudo isso acontecendo no meio de um conflito entre Estados Unidos e União Soviética, já que o naufrágio do submarino americano despertou uma série de suspeitas de um ataque soviético. Logo, a equipe de salvamento tinha que correr contra o tempo para evitar uma Terceira Guerra Mundial! Ufa! Você pode até me perguntar: será que foi possível resolver tantos problemas num filme só? Por incrível que pareça, sim! Mas numa versão estendida de três horas! Porque ainda tem os ETs subaquáticos, lembra? A situação enrolou ainda mais com um acidente que deixou a equipe isolada debaixo d’água e com o estoque de oxigênio limitado. Nesse ínterim, houve o contato imediato de terceiro grau, quando a equipe soube da existência da espécie alienígena que a contactava com volumes d’água que sondavam os humanos e até tomavam a forma deles, num dos poucos usos da computação gráfica da película.
Assim, resolvido o imbróglio com os seals, Virgil decidiu encarar a fossa abissal com uma roupa de mergulho cheia de um líquido rico em oxigênio, onde nosso protagonista “respirava” tal líquido e podia encarar melhor a enorme pressão da água a grandes profundidades. Lá, praticamente inconsciente, foi salvo pelos alienígenas que o colocaram numa espécie de bolha de ar com uma grande tela virtual que exibia programas de tv da Terra. Com essas imagens, os extraterrestres argumentavam que a raça humana era muito agressiva e devia ser destruída. Por controlarem a água, os alienígenas formariam enormes ondas que destruiriam a cidade. Mas eles desistiram, pois captaram uma mensagem de Virgil a Lindsey, que dizia que a amava, pois enquanto ele descia a fossa, abissal, Virgil percebeu que não conseguiria retornar e morreria ali.
Assim, mandou a mensagem de amor e despedida à esposa, que os alienígenas captaram e, de forma muito piegas, perceberam que a humanidade ainda tinha salvação e desistiram de destruí-la. O filme termina com a grande “nave espacial” alienígena que estava submersa chegando à tona, trazendo um monte de navios afundados com ela, a equipe toda salva e Virgil e Lindsey dando um beijo apaixonado sobre o OVNI subaquático. Que fofo! Apesar dessa pieguice mais ao final, esse “corte do diretor” James Cameron de três horas de duração deu mais substância à história pois, na versão original, toda a parte “guerra fria” do filme não existia, assim como as enormes e ameaçadoras ondas que iriam destruir as cidades. Na versão original, não se tinha uma ideia exata do papel dos ETs, o que ficou mais claro na versão estendida, onde também ficou notória a mensagem pacifista de Cameron e o alerta que ele fazia à humanidade da preservação de nosso planeta, que estamos destruindo o lugar que moramos, etc., exatamente a mensagem que ele quis passar em “Avatar” muitos anos depois.
Curiosa também era a forma dos alienígenas, que pareciam enormes águas vivas fluorescentes. Sabemos que, a grandes profundidades existem alguns seres vivos que emitem luz própria para atrair seres vivos que servem de alimento, embora nas profundezas abissais praticamente não haja vida. Dadas essas formas marinhas dos ETs, ficou a impressão de que essa espécie alienígena já habitava o fundo do mar há muito tempo e, pela teoria da evolução das espécies de Charles Darwin, já teria assumido aquelas formas mais vistas em seres marinhos. Assim, pode-se dizer que essa versão estendida de “O Segredo do Abismo” é muito mais interessante que a versão original, pois acrescentou mais elementos à trama e deu uma mensagem à história, tornando-a motivo de reflexão. Mais uma boa escolha do público para o Cineclube Sci Fi.
Após a exibição do filme, tivemos duas rápidas palestras de Naelton Araújo, astrônomo do Planetário da Gávea, mestre em educação, gestão e difusão em Ciências e que mantém o blog pessoal Céu Urbano, e Rafael Pinotti, M.Sc. em Físico-Química pela UFRJ, onde se graduou em Engenharia Química. Trabalha desde 1990 na Petrobrás como Engenheiro de Processamento. Naelton Araújo lembrou de alguns detalhes do “making of” do filme, como o fato dos atores terem precisado fazer um curso de mergulho para fazer as gravações e das más recordações em rodar o filme em condições altamente adversas, feitas num tanque de um antigo reator nuclear, com uma água com muito cloro para evitar doenças. Naelton ainda lembrou que o tal “fluído respirável” já existe, mas ainda não é utilizado para mergulhos de humanos. Um dos membros da equipe de Virgil tinha um ratinho branco de estimação e ele foi, de fato, submetido ao tal líquido, apesar de a cena ter sido editada. A menção a tal líquido apareceu em outros filmes mais recentes como “Oblivion”.
Naelton ainda lembrou que o filme ganhou o Oscar de melhores efeitos especiais em 1990. Já Rafael Pinotti tratou mais da parte científica do filme. Ele lembrou, por exemplo, que as plataformas de prospecção de petróleo a grandes profundidades não são tripuladas, como o filme fantasiosamente mostrava. Pinotti ainda enfatizou que há regiões com petróleo disponível, mas que ainda não foram exploradas principalmente por causa de seu difícil acesso, como o Mar do Ártico, que tem um quarto das reservas distantes de petróleo. Foi ainda lembrado do barateamento do preço do petróleo na época, provocado, sobretudo, pelos Estados Unidos, que inundou o mercado com óleo retirado do solo e, enquanto o petróleo estiver barato, pouco investimento será aplicado na tecnologia de prospecção.
Com relação à situação do filme de ETs vivendo debaixo d’água,
Pinotti lançou um questionamento: a tecnologia pressupõe uma manipulação de
objetos, algo mais difícil de fazer na profundidade. Assim, seria pouco
provável que houvesse uma vida inteligente tecnológica debaixo d’água, embora
haja bons exemplos de vida inteligente subaquática como os cetáceos e os
polvos. Pinotti também lembrou da pouca quantidade de água existente no
planeta, com oceanos de profundidade média de três quilômetros. A pouca
quantidade de água é vista também em outros planetas do sistema solar. E nos
planetas extrassolares? O primeiro desses planetas foi detectado na década de
1990. Hoje, com a melhoria dos instrumentos de observação, há mais de dois mil
planetas extrassolares detectados. E aí descobrimos que nosso sistema solar não
é típico, pois foram descobertos planetas semelhantes a Júpiter mais próximos
das estrelas dos sistemas. As teorias sobre o sistema solar diziam que os
planetas mais próximos ao Sol (Vênus, Terra, Marte, por exemplo) tinham uma
atmosfera com espessura bem menor que os planetas mais afastados do Sol
(Júpiter, Saturno, Urano, Netuno, por exemplo). A observação de planetas
extrassolares a princípio desmente tal teoria. Há também nos planetas
extrassolares as chamadas “Super Terras”, onde há muitos planetas maiores em
massa que a Terra e menores que Urano e Netuno.
Há uma proporcionalidade entre a quantidade de rocha do planeta e a quantidade de água. Como a água e a rocha crescem com o volume em quilômetros cúbicos e ocupam uma área em quilômetros quadrados, há uma especulação de que os oceanos de água em Super Terras possam ter centenas de quilômetros de profundidade. Perguntado pelo público se os cometas da nuvem de Oort que circunda o sistema solar podem ter contribuído para a formação da água do planeta (cometas são compostos de gelo e poeira), tanto Naelton quanto Rafael foram categóricos em afirmar que existem poucas evidências observacionais disso e não se pode esquecer que os asteroides também trouxeram água, o que também tem poucas evidências observacionais. Assim, os palestrantes acreditam que parte da água tenha vindo dos cometas, parte tenha vindo dos asteroides e parte tenha vindo das próprias rochas de nosso planeta, sem uma preponderância mais específica.
A palestra ainda tocou em assuntos como quais são as visões que
os humanos têm dos ETs (medo, esperança e curiosidade), onde o medo suscita
mais questões. Falou-se, também, do pessimismo em se encontrar inteligência
extraterrestre, pois em cinquenta anos de observação de rádio, não houve
qualquer evidência encontrada e o fato de que o filme pode ter sido inspirado
num conto de H. G. Wells, “O Abismo”, que também tratava da exploração de
fossas submarinas.
Como podemos ver, mais uma edição do Cineclube Sci Fi que trouxe bons frutos. Uma versão estendida de “O Segredo do Abismo” que tornou a história mais coesa, boas palestras de pesquisadores renomados e o bate papo agradável. Vale muito a pena recordar tais palestras.
Uma co-produção Áustria/Alemanha. “A Tabacaria” é mais um daqueles filmes que aborda o inesgotável tema do nazismo, desta vez na Viena ocupada pré-2ª Guerra Mundial. Um filme que se destaca pela presença de Freud, interpretado por um sóbrio Bruno Ganz, mas que tem como personagem-protagonista Franz (interpretado por Simon Morzé), um jovem do interior que é mandado pela mãe para trabalhar na tabacaria de um antigo namorado após a morte do marido. Ao chegar a Viena, Franz vai para a tabacaria em questão e descobre todo um mundo novo, onde prazer e desejo são vendidos a preços módicos ou bem altos para os clientes (quando se trata de charutos cubanos, por exemplo).
Franz fica maravilhado com todo esse novo mundo e, principalmente, com a presença de Sigmund Freud entre os clientes, com quem engata uma amizade. Nas conversas com o psicanalista, Franz é encorajado a buscar um amor na cidade e ele acaba conhecendo uma jovem de origem tcheca, Anezka (interpretada por Emma Drogunova) que, se num primeiro momento é uma princesa encantada para o moço, com o tempo ela se revela menos prosaica para uma cabeça conservadora de um jovem do interior. Entretanto, Franz ainda batalha por sua amada, percorrendo um caminho espinhoso. Esse ambiente um tanto idílico acabará de forma extremamente abrupta com a chegada dos nazistas a Viena, onde o patrão de Franz, Otto (interpretado por Johannes Krisch) acaba sendo preso por sua origem judaica e morre na prisão. Freud, por sua origem judaica, também precisa ir embora e Franz desaparece, ao fazer um protesto um tanto inusitado contra a prisão de seu patrão. Ou seja, é o fim da inocência e o fim de tudo, num desfecho coerente com o contexto, que não tinha espaço para um happy end.
Algumas
coisas chamam a atenção nesse filme. O lúdico e o idílico que precedia o
violento choque de realidade não ficou apenas no romance entre Franz e sua
garota tcheca. O rapaz tinha, também, muitos sonhos, que, sob os conselhos de
Freud, eram registrados no papel assim que ele acordava e que representavam
todos os seus desejos, aspirações e angústias. É curioso perceber que tivemos
até um uso (tímido, é bem verdade) de CGIs nas sequências de sonho. Outro detalhe
curioso estava nos momentos em que Franz passava por uma situação e ele botava
sua imaginação para funcionar, quando o que acontecia na realidade era bem
diferente. Como um exemplo, o comunista local se joga de um prédio após a
chegada dos nazistas. Franz corre e consegue segurá-lo antes de se esborrachar
no chão, salvando a sua vida. Mas isso era somente a imaginação do moço, pois o
homem realmente se esborracha no chão e morre. Tal limite tênue entre a imaginação
e a realidade chega a surpreender o espectador nos primeiros momentos em que
foi usado, mas depois acabou se tornando meio óbvio. Mesmo assim, a gente se
identifica com essa situação. Quem nunca, num determinado momento e
presenciando uma cena, pensou no que ia fazer, mas só ficou paralisado ali e não
fez nada?
Os
atores foram muito bem. Simon Morzé segurou bem o fardo de papel-protagonista e
não teve medo de contracenar com Ganz, o grande nome do filme e que fez um
Freud doce e adorável. Johannes Krisch foi fenomenal como o dono da tabacaria,
sabendo ser duro em alguns momentos, mas compreensível e paterno em outros,
atuando como um verdadeiro pai postiço para Franz. Realmente, um filme onde
tivemos uma boa história (é inspirada num best-seller de Robert Seethaler), mas
que foi muito bem amparada no bom trabalho dos atores.
Assim, “A Tabacaria” é um programa imperdível, pois o lúdico e o violento choque de realidade do nazismo dão as cartas, há bons atores e temos uma das últimas oportunidades de ver Bruno Ganz atuando, além de termos uma história muito bem contada. Vale muito a pena dar uma conferida.
Um
filme francês com gosto de comédia romântica. “Encontros” vai falar de dois
vizinhos que se esbarram o tempo todo, mas não se encontram nunca. Eles podem
ter mais coisas em comum do que parece, mas também não. Um filme com direito a
redes sociais e muita terapia. Para a gente poder compreender esse filme
melhor, vamos lançar mão de spoilers aqui.
Quem são esses vizinhos? O rapaz é Rémy (interpretado por François Civil), um cara que tem crises e crises de insônia e um sentimento de culpa por simplesmente dar sorte às vezes em determinadas situações, como no caso em que conseguiu manter o seu emprego numa fábrica depois de uma política de demissões em massa. A moça é Mélanie (interpretada por Ana Girardot), que dorme compulsivamente, trabalha num laboratório e precisa apresentar sua pesquisa num prazo considerado por ela apertado, onde os resultados de sua palestra serão determinantes para o sucesso da empresa para a qual trabalha. Rémy e Mélanie sofrem de depressão, amargam uma solidão pesada e fazem terapia. Cada um leva a sua neura à sua maneira, onde vemos pontos em comum e pontos discordantes. Mélanie lança mão das redes sociais e tem aventuras esporádicas, que não têm sucesso no tocante a encontrar uma relação mais duradoura.
Rémy é um sujeito isolado do mundo e com medo de se arriscar e de viver, sempre se culpando por tudo. O mais irônico é que um mora ao lado do outro e eles sempre se esbarram, seja andando na calçada da rua, sendo indo ao mercado do bairro, de propriedade de um árabe que acaba sendo uma espécie de alívio cômico do filme, sejam os dois praticamente ficando lado a lado nas sacadas de seus apartamentos. Há um erro crasso de continuidade no filme, pois a entrada do prédio de Mélanie fica à direita da entrada do prédio de Rémy, enquanto que as sacadas dos apartamentos ficam justamente na posição oposta.
A coisa é tão descarada que a gente até suspeita que foi feita de propósito, como se as posições invertidas de portarias e sacadas fossem uma manifestação dos encontros e desencontros dos personagens. É curioso notar que o filme, apesar da temática um tanto pesada, consegue fazer rir em alguns momentos e mostra a superação dos personagens à medida em que suas terapias avançam. O encontro derradeiro dos dois se dá apenas ao final da película, quando o casal finalmente se encontra na aula de dança recomendada pelo árabe que é dono do mercado que os nossos protagonistas frequentam, optando-se pelo happy end.
Uma coisa que chama muito a atenção é a semelhança dessa película com o filme argentino “Medianeras, Buenos Aires da Era do Amor Virtual”, de 2011, que também falava de um casal com problemas psicológicos que nunca se encontrava e eles somente se encontram ao final da película, de uma forma um tanto quanto inusitada (o rapaz estava vestido de Wally, perdido na multidão e é encontrado pela moça). No caso argentino, a temática do amor virtual também se fazia presente, embora não houvesse muito espaço para terapia como vemos aqui em “Encontros”, além de, no caso argentino, haver uma aproximação maior com a comédia romântica. “Encontros” pode até ser um pouco mais tenso, mas não é menos simpático por causa disso e tem também uma história envolvente, embora eu confesse que tenha gostado mais de “Medianeras”. Pelo menos em “Encontros” se deu um destaque para a questão da terapia, ajudando a desmistificá-la, pois há pessoas (principalmente aqui no Brasil) que ainda acham que ir ao psicólogo é coisa “de maluco” e o filme ajuda a derrubar esse preconceito.
Dessa forma, “Encontros” é um filme que tem uma história cativante, personagens bem construídos interpretados por bons atores, um leve arremedo de comédia romântica e um filme de muita, muita terapia. Vale a pena dar uma conferida.