Uma película com dois medalhões. “A Grande Mentira” traz o par Ian McKellen e Hellen Mirren numa trama de suspense não muito original, mas que teve uns floreios históricos um tanto interessantes. Para podermos entender melhor isso, vamos lançar mão de spoilers aqui.
Vemos a trajetória do vigarista Roy Courtnay (interpretado por McKellen), que pratica golpes que lhe dão cerca de 100 mil libras por tramóia. Mas ele conhece nas redes sociais a ingênua Betty McLeish (interpretada por Mirren), que lhe deu a oportunidade de tirar a “sorte grande”, onde milhões de libras estavam em jogo. Apesar dos apelos insistentes de seu neto Stephen (interpretado por Russell Tovey) para não cair no golpe, Betty cai de cabeça no plano de Roy. Aí, o leitor faz a pergunta óbvia: mas Betty está de tramóia também, não é? E dá uma volta em Roy. A gente desconfia disso logo antes do fim da primeira metade do filme. É realmente óbvio e clichê demais. O detalhe aqui é que há um flashback na vida de Roy que o associa ao fim da Segunda Guerra Mundial na Berlim ocupada pelos aliados, desenvolvendo-se toda uma história paralela do protagonista, onde até uma falsa identidade é atribuída a ele. O grande detalhe é que Betty também está envolvida nessa vida pregressa de Roy e ela busca vingança inclusive. O porquê disso? Chega de spoilers! Esse detalhe que envolve os protagonistas no passado é o lance inédito para tirar tamanha obviedade do clichê da velhinha inocente que dá o golpe no golpista.
Esse é um filme de suspense que poderia descambar para alguns momentos cômicos. Até há alguns deles, mas a pegada da história mostrou-se mais tensa, principalmente no que tange ao personagem Roy Courtnay. McKellen, um gentleman em toda a sua plenitude, faz aqui um personagem que tem sua elegância mas é muito repulsivo pela maldade que está contida nele. Seja na sua velhice, seja na sua juventude, Roy não é somente mau por ser um vigarista inescrupuloso, mas ele também pode ser muito violento, o que chama bastante a atenção e é uma surpresa na película. Aí, a gente tem que bater palmas para McKellen, pois ele mantém essa balada dúbia de ser um cavalheiro que corteja Betty com toda a pompa e elegância e, ao mesmo tempo, mostrar-se um homem desprovido de qualquer caráter e com uma violência inquietante em seu íntimo. Já Mirren também faz um excelente papel dúbio, entretanto um pouco mais óbvio, da senhora inocente que é mais malandra que o malandro que tenta enganá-la. Entretanto, essa história pregressa, que é a grande cereja do bolo do filme, dá-lhe a oportunidade de trabalhar também uma fina, mas venal crueldade, que dá uma punição e tanto a Roy. Uma punição, diga-se de passagem, que incomoda muito, ainda mais quando seguida por um happy end altamente idílico que nada tem a ver com o resto da película.
Dessa forma, “A Grande Mentira é um daqueles filmes que a gente vai ao cinema pelos atores, a grande atração aqui. McKellen e Mirren encantam pelos papéis dúbios que interpretam com desenvoltura e maestria. O clichê de uma história como essa é salpicado pelo flashback que parece, num primeiro momento, envolver a vida pregressa de só um protagonista, mas que, na verdade, envolve a vida pregressa dos dois protagonistas. Por fim, uma crueldade um tanto inesperada, dá um tom ácido ao filme, flertando um pouco com o humor negro. Vale a pena dar uma conferida nessa película até certo ponto inquietante.