Clint Eastwood está de volta à direção de mais um filme polêmico, como só ele gosta de fazer. “O Caso Richard Jewell” é baseado numa história real de terrorismo quando atentados não eram exatamente um trauma profundo nos Estados Unidos, ou seja, durante as Olimpíadas de Atlanta em 1996. Esse filme rendeu uma indicação ao Oscar de Melhor Atriz Coadjuvante para Kathy Bates Para podermos falar um pouco dessa película, vamos lançar mão de spoilers aqui.
O plot gira em torno do Richard Jewell em questão (interpretado por Paul Walter Hauser), que, no longínquo ano de 1986, era funcionário de almoxarifado de uma firma onde conhece o advogado Watson Bryant (interpretado pelo ótimo Sam Rockwell). Os dois começam uma amizade, mas Jewell logo deixa o emprego, pois quer trabalhar na área de segurança. Enquanto ele é o segurança de uma Universidade, quer levar o seu trabalho ao pé da letra e, por isso, entra em conflitos com o reitor da Universidade, sendo demitido por isso. Ele quer retomar a carreira de segurança para poder ser policial, o seu grande sonho, e faz um bico de segurança nos Jogos Olímpicos, onde descobre uma mochila com uma bomba durante um show de música. A bomba explode, faz muitos feridos e dois mortos, mas mesmo assim Jewell é considerado um herói, pois sua descoberta do artefato evitou as mortes de muitas pessoas. Entretanto, o FBI, responsável pela segurança, falhou em proteger as pessoas e precisava mostrar rapidez na elucidação do atentado. Assim, a polícia federal americana buscou incriminar Jewell pelo atentado, que pediu a ajuda de seu antigo amigo Bryant. A partir daí, vemos os dois lutando simplesmente contra o governo americano e com toda uma mídia, que já praticamente o tinha condenado pelo crime, crime esse passível de execução.
Esse é um filme que desperta sentimentos muito conflitantes. Nosso personagem protagonista é representado como uma pessoa de boa índole, cumpridora de seus deveres e que respeita a hierarquia mas, ao mesmo tempo, ele é o paradigma da sociedade belicista americana, sendo um segurança que, ao querer impor a ordem a todo custo, pode abusar de sua autoridade, como foi no caso da forma em que ele tratou os alunos da Universidade. Entretanto, esse ato mais truculento de Jewell é “justificado” no filme pela falta de respeito e bullying dos estudantes contra ele. De qualquer forma, nosso simpático protagonista tem atitudes pouco virtuosas, como manter um arsenal em casa para caçar veados, por exemplo. De qualquer forma, ele é o protagonista do filme, que também sucessivamente pisa na bola, tomando atitudes que em nada contribuem para sua defesa – muito pelo contrário até – para o desespero de Bryant, seu advogado.
O filme também chama a atenção para um problema que temos visto muito ultimamente por aí: o poder que a mídia possui para, simplesmente, destruir a vida de uma pessoa. Infelizmente, a mídia, volta e meia, acusa, julga e condena um “escolhido” num espaço de tempo de um telejornal ou a leitura de uma manchete nas bancas, isso sem o menor direito de defesa para o acusado. Foi o que vimos aqui e vemos muitas outras vezes no nosso dia-a-dia. Não é à toa que a mídia tem a pecha (negativa, diga-se de passagem) de “quarto poder”. É claro que a coisa ficou um pouco romantizada aqui, pois a personagem que representava toda a venalidade da mídia, a repórter Kathy Scruggs (interpretada por Olivia Wilde), se arrepende de seus atos em acusar Jewell, quando sabemos que na vida real algumas figuras da mídia podem ter um comportamento muito menos ético.
Tivemos um baita staff de atores. Nem é preciso falar muito de Sam Rockwell, que já foi laureado com um Oscar de Ator Coadjuvante. O homem rouba a cena e consegue fazer um par perfeito com Paul Walter Hauser, que surpreende, e muito, nesse filme. Jewell é um personagem bem complexo e deve ter sido bem difícil de fazê-lo. Também não podemos nos esquecer de Kathy Bates, que faz a mãe de Jewell, e teve um carisma todo especial, apesar de seu papel mais periférico na história, embora ela tenha tido um destaque todo especial num momento específico do filme.
Dessa forma, “O Caso Richard Jewell” é mais um bom filme de Clint Eastwood, que desperta em nós vários sentimentos. Se as intenções de nosso protagonista podem ser sinceras, ele representa um estrato social problemático da sociedade americana. Entretanto, isso não justifica a posição de bode expiatório em que ele foi colocado nem o linchamento moral promovido pelo governo e pela imprensa, que inclusive poderia condená-lo à morte. Um programa imperdível.