O sétimo episódio de “Jornada nas Estrelas Picard” intitulado “Nepenthe” foi uma espécie de “pausa para um Earl Grey” na série. Esse também é o episódio conhecido pelo encontro entre Picard, Riker e Troi, muito esperado pelo fandom mais antigo. Para que a gente possa falar do episódio, vamos precisar de spoilers.
O episódio começa com um flashback de três semanas atrás, quando revemos o encontro entre Jurati e a Comodoro Oh, com o objetivo de nos explicar por que Jurati passou a ser uma garotinha do mal. Oh mostra a Jurati, através de um elo mental, o que vai acontecer caso haja a existência de vida sintética e Jurati vê muita destruição. Jurati então recebe uma espécie de menthos (já que deve ser mastigado) que é uma espécie de rastreador e escuta de Oh que ela terá que fazer um sacrifício imenso.
Voltamos para a data presente. Rios e Raffi tentam se livrar do raio trator do cubo borg e Jurati fala para eles entrarem em contato com os romulanos e pedir para serem liberados, já que os romulanos querem a andróide (Soji) e destruí-la. Já no cubo borg, Rizzo interroga Hugh que se recusa a cooperar e a romulana executa vários ex-assimilados. Narek, por sua vez, pega uma nave e vai à caça de Soji. Inexplicavelmente, Rizzo solta a nave de Picard (provavelmente um truque, como disse Raffi). Jurati, arrumando um pretexto para não irem adiante, pergunta sobre Elnor, que está com Hugh no cubo (Rizzo poupou Hugh por causa do tratado dos romulanos com a Federação). Rios se comunica com Elnor e este diz que vai ficar no cubo, pois precisam dele lá. A nave entra em dobra sob o olhar de reprovação de Jurati.
Após a abertura, estamos em Nepenthe onde Picard e Soji chegam. Eles são recepcionados por Kestra, filha de Riker e Troi, e a menina logo faz amizade com Soji, que sempre está arredia com todo mundo e não confia em ninguém, o que é perfeitamente justificável. No meio da conversa, surge a suspeita de que Soji é filha de Data e ela é andróide, o que deixa a moça agitada. Picard tenta tranquilizá-la, mas precisa dizer a verdade, mencionando que Dahj, a irmã de Soji, está morta, o que deixa a andróide ainda mais confusa e desconfiada. Eles chegam à casa de Riker e Troi e ocorre o tão esperado encontro, que lembra demais o encontro entre Picard e Kirk no Nexus em “Generations”. Riker, sabendo que a presença de Picard ali não é algo normal, aciona todas as defesas da casa, como um bom “Number One”. Kestra conversa com a androide sobre Data e de como ele queria ser humano, onde fica claro que Soji é uma versão mais desenvolvida do que Data, pois tem muco. Já Picard e Troi conversam sobre Thad, o filho do casal que faleceu. Ou seja, estamos vendo que pelo menos houve uma preocupação de se dar uma vida pregressa a Troi e Riker em sua vida de casados, o que foi algo muito bom, bem ao estilo de um bom fan service mesmo. Picard diz a Troi que não vai ficar muito tempo e que, assim que definir o próximo passo de sua missão, ele vai embora, até para não colocar o casal e a filha em risco.
Na Sirenna (nave de Rios) eles percebem que são seguidos por Narek e tentam despistá-lo. Jurati começa a questionar a tripulação se eles querem mesmo ir para Nepenthe e eles a recordam da missão. Raffi relembra quando a conheceu dizendo que Jurati estava doida para ir a missão mas agora, que parecem estar cada vez mais perto de Soji ela quer se afastar. Jurati, então, dá um piti dizendo que quer voltar para casa. Ou seja, ao invés de tentar deter a missão com alguma artimanha, começa a fazer uma birra tal como uma criancinha mimada que mais desperta suspeitas do que qualquer outra coisa. Tudo bem que essa possa ser uma personagem sugestionável e emocionalmente instável, despreparada para uma pressão, mas isso poderia ter sido mais bem trabalhado aqui, onde ela seria desmascarada no futuro depois de tentar algumas sabotagens. Mas o que vemos? A “titia” Raffi a levando para, na cozinha, comer um bolo (???). Definitivamente, muito esquisito e, talvez, até mal escrito.
Em Nepenthe, Riker tenta arrancar de Picard o porque dele estar viajando por aí e o almirante, por medo de envolver o casal, não quer dizer. Mas Riker deduz tudo depois de ver a filha com Soji, que decorou um dicionário de uma língua imaginaria de 300 paginas em dois minutos e de Soji dar uma balançadinha com a cabeça (que ela até então não tinha feito na série toda). Soji e Troi conversam e trocam figurinhas, A conselheira fala dos filhos e da perda de Thad em virtude da proibição dos sintéticos, pois a doença que matou o filho poderia ter sido tratada se, na época, uma matriz positrônica específica pudesse ter sido inventada, algo que não aconteceu por causa da proibição dos sintéticos. Já Soji falou de seu relacionamento com Narek e de como foi enganada, não podendo confiar em ninguém. Picard se mete na conversa tentando convencer a andróide e o clima esquenta, com a moça saindo e dando um empurrão no almirante. Troi, então, dá um esporro em Picard, dizendo que, para Soji, é normal que ela desconfie de tudo e de todos, dada a sua vida pregressa. Picard pergunta o que fazer e Troi diz que ele precisa ser o velho Picard. Ou seja, mais uma vez Picard tomou um esporro, se bem que, dessa vez, a coisa valeu, pois Troi pediu para ele ser o Picard das antigas e não esse Picard que os novos roteiristas acham que ele deve ser (lembremos que essa é uma série escrita a várias mãos). Só incomoda a atitude um pouco intrusiva e até agressiva de Picard para com Soji, o que sai completamente do personagem, somente para justificar um esporro de Troi para cima do almirante. Foi forçado e poderia ter sido feito de jeito bem mais sutil.
No cubo borg, Hugh e Elnor maquinam um plano para tomar o cubo, mas Rizzo aparece e diz que agora pode matar Hugh por violação do tratado e insurreição, o que acaba acontecendo depois de uma cena de ação de luta. Quero fazer um parênteses aqui. Essa morte de Hugh foi simplesmente revoltante. Depois de tudo o que vimos no episódio anterior, onde Picard e Hugh tiveram seu reencontro, Picard se livrou de seu preconceito contra os borgs ao ver o projeto de desassimilação de Hugh, depois de virmos uma mostra, em tudo isso, dos bons ideais da Federação, no episódio seguinte Hugh é morto. Parece que os escritores dessa série estão querendo esfregar na cara dos fãs mais antigos que a antiga utopia das séries está morta e agora vamos ter que engolir todas essas distopias. E se faz isso matando os personagens antigos de cunho mais idealista. Não sei se vocês perceberam, mas no espaço de dois episódios, três personagens das séries antigas foram mortos de forma violenta (Icheb, Maddox e Hugh), como se fossem algo completamente descartável, mas não o são. Todo o aprendizado de Icheb com Sete de Nove e de Hugh com a Enterprise não é algo para ser jogado fora assim de forma tão mundana. Foi muita sacanagem o que fizeram. E nem serve a desculpa de que Sete de Nove voltará no próximo episódio para comandar o cubo borg e Hugh não ser mais útil para poder matá-lo. Que os escritores encontrem uma função para ele. O pessoal que escreve essa série tem que perceber que os fãs mais antigos é que mantêm a franquia de pé. Não sei se fãs mais novos terão disposição para fazer isso se não houver algo que ligue essas duas gerações de fãs. Se não houver esse cuidado, a franquia está condenada à morte, pois não se pode fazer uma série só para um fandom ou outro.
Na Sirenna, Raffi e Jurati conversam sobre os traumas da última quando esta vomita, ao mesmo tempo que Narek volta a rastreá-los. Rios conversa reservadamente com Jurati e ele diz a moça que desconfia que Raffi está sendo rastreada. Jurati, em desespero, sintetiza uma substância tóxica e injeta nela mesma para anular o efeito do rastreador de Oh e entra em coma. A estratégia desesperada dá certo, pois Narek perde o sinal da Sirena. De volta a Nepenthe, Picard vai convencendo Soji a acreditar nele sobre a missão que ele tem e ela fala da visão do planeta das duas luas. Restava somente descobrir a localização dele, o que Kestra acabou fazendo no seu “celular”.
No cubo Borg, Elnor encontra um dispositivo de envio de SOS para os Rangers de Fenris que ele aciona.
Picard diz a Riker que finalmente a Sirenna entrou no alcance das comunicações e que estava preocupado com ela. Nesse ponto, começa uma conversa dos dois sobre a nova tripulação de Picard. O almirante diz que ela é bem “heterogênea” e que os tripulantes fazem muito drama, parecendo ter mais problemas que os membros da tripulação da Enterprise. Essa parte parece outro fan service aos mais antigos, comparando a tripulação antiga da Enterprise com a tripulação da Sirenna, muito mais mimizenta. Os dois ficam sentados à beira do lago, numa conversa bem amável e que faz bem para os fãs. Kestra diz a Soji que ela poderia ter o Picard como família. Ao se despedirem, Picard dá um beijo no rosto de Riker e Troi, algo mais marcante numa cultura anglo-saxônica do que latina, e Kestra dá de presente sua bússola quebrada a Soji, dizendo que é só fingir que funciona. Os dois são teletransportados e uma cadeia montanhosa que lembra o guardião da eternidade fecha o episódio.
Quais são os pontos positivos? Obviamente o encontro de Picard com Riker e Troi, sendo esse um episódio que pouco contribuiu para o andamento da história mas foi um delicioso fan service. A forma acolhedora com que Riker e Troi receberam Picard teve direito a vários bons momentos, que vão das chacotas de Picard e Riker à nova tripulação do primeiro, chegando até a bronca de Troi apesar da situação forçada para isso. A vida pregressa do casal, marcada pela filha Kestra e pelo falecido filho Thad foi algo bem importante para não haver uma lacuna na vida do casal Riker-Troi. Outro ponto positivo foi o relacionamento Kestra-Soji, que ajudou a desenvolver uma confiança maior na última com relação a Picard. É interessante perceber como houve a atenção em se formar pares de interlocutores aqui: Picard-Riker, Picard-Troi, Picard-Soji, Kestra-Soji, Troi-Soji, o que ajudou muito a costurar todo o relacionamento na casa.
E os problemas? Em primeiro lugar, Jurati. Ela, ao invés de se revelar uma boa antagonista e tentar sabotar a missão de Picard, se comportou como uma garotinha mimada e foi consolada pela “titia” Raffi comendo um pedacinho de bolo. Além disso, vomitou umas três vezes no episódio. Eu não entendo tamanha necessidade de vergonha alheia por parte desses roteiristas. Pelo menos a moça teve uma atitude nobre injetando uma substância tóxica para neutralizar o rastreador, entrando em coma.
Agora, a pior coisa foi a morte completamente despropositada de Hugh, um personagem de TNG querido pelo fandom e que mostrou todo o espírito da Federação com Picard no episódio anterior. A morte desse personagem revela a falta de cuidado e de tato com o fandom mais antigo, assim como prova que esses novos roteiristas não fizeram o dever de casa e não imergiram em todos os mais de setecentos episódios da série (sim, é uma tarefa grande mas obrigatória para quem se presta a escrever sobre Jornada nas Estrelas). São coisas como essa que põem em risco o futuro da franquia e que despertam muitas críticas.
Após esse hiato onde pouca coisa aconteceu, agora Picard vai para o planeta natal de Soji e entramos na reta final da temporada. Vamos ver o que vem por aí.