Dando sequência às análises de episódios de Jornada nas Estrelas, falemos hoje do piloto da série “Voyager”, intitulado “O Guardião”. Esse é mais um episódio de cerca de noventa minutos que inicia a série da nave que vai precisar fazer uma viagem de setenta mil anos-luz para voltar para casa, atravessando sozinha o desconhecido e perigoso quadrante delta.
O plot começa com a querela dos maquis, colonos da Federação, que estão situados próximos à fronteira cardassiana e foram obrigados a se retirar depois de um tratado. Mas eles se negaram a isso e são combatidos tanto pela Federação quanto pelos cardassianos, que os consideram foras da lei. Vemos uma nave maqui liderada por Chakotay, que ainda conta com a presença de Tuvok e B’Elanna Torres sendo atacada por uma nave cardassiana. Os maquis conseguem entrar numa região de tempestades e se livram dos cardassianos, que são atingidos pelas intempéries. Mas uma onda de energia desconhecida os atinge e a nave desaparece.
Após a abertura do episódio, estamos numa colônia penal da Federação na Nova Zelândia. Janeway procura Tom Paris, que está na ilha como detento, para conversar. Ela chegou a servir com o pai de Paris, um almirante como oficial de ciências. Janeway irá procurar a nave maqui desaparecida, pois Tuvok é um agente infiltrado para investigar os maquis e Janeway quer a experiência de Paris coma região onde a nave desapareceu (ele pertenceu aos maquis). Sabemos, na conversa entre Janeway e Paris, que Chakotay também foi oficial da Frota Estelar antes de se juntar aos maquis. Sabemos, também, das desavenças entre Chakotay e Paris (o primeiro, mais idealista, achava que o segundo era mercenário). Paris aceita, mas irá apenas como observador, a seu desgosto, pois se considera um grande piloto.
Na Estação Espacial de DS9, Paris chega numa nave auxiliar e a Voyager, uma nave classe intrepid com dobra 9,975 está ancorada. A nave tem quinze decks e tripulação de 141 pessoas. Ela também tem circuitos bioneurais. (pacotes de gel com celular bioneurais que organizam as informações mais eficientemente, acelerando a resposta dos circuitos). Seu número de série é NCC-74656. No bar do Quark, o ferengi tenta enrolar o alferes Harry Kim numa transação, mas um atento Paris consegue salvar o colega de Frota. E assim, os dois se conhecem, sendo amigos próximos pela série inteira. Na Voyager, Kim e Paris se apresentam à enfermaria e fica claro que Paris tem uma antiga querela com o médico, que não foi contada no momento. Depois, os dois se apresentam à Janeway, que os leva para a ponte. A Voyager deixa a estação.
Ficamos sabendo que Paris cometeu um erro que provocou a morte de três pessoas e a expulsão dele da Frota, para depois ele se aliar aos maquis, sendo preso na primeira operação. Por isso, ele é malvisto pelo médico e por alguns tripulantes. Ele confessa tudo a Kim, que fica sabendo do passado de Paris por terceiros. Há um leve arremedo de desentendimento entre Paris e Kim, mas este último dá a entender que não irá descartar a amizade por causa disso. Os dois são chamados à ponte por Janeway, pois a nave está próxima às badlands, a região de tempestades onde a nave maqui desapareceu. A Voyager acabou sendo atingida pelo mesmo raio de tétrions que atingiu a nave maqui. Alguns tripulantes da Voyager morrem e eles estão em frente a uma espécie de estação que emite um pulso de energia. Kim lê os sensores e diz que eles estão a setenta mil anos-luz de onde estavam, situando-se agora do outro lado da galáxia. Mas a Voyager está cheia de problemas. O reator de dobra está em risco de ruptura. Na enfermaria, o médico morreu e a unidade médica de emergência foi acionada. A estranha estação sonda a nave e os tripulantes vão desaparecendo, um a um, ficando apenas o doutor holográfico. Os tripulantes aparecem no quintal de uma fazenda, onde uma doce velhinha serve guloseimas para eles, mas Janeway, com seu tricorder, constata que eles estão dentro da estação e tudo aquilo parece ser uma projeção holográfica. Outras pessoas chegam à fazenda e uma festa começa, para a perplexidade dos tripulantes da Voyager. Janeway manda Paris e Kim sondarem a região com os tricorders e eles encontram formas de vida humanóides dentro de um celeiro (um vulcano e alguns humanos). Uma moça que estava com eles obstrui o caminho e diz que não está pronta para eles. Um cachorro faz menção de atacá-los. Paris chama Janeway pelo comunicador e é agredido pela moça. Vários habitantes da fazenda se materializam no celeiro quando Janeway chega com outros membros da tripulação. A parede do celeiro se materializa num corredor da estação e lá estão Torres, Chakotay e Tuvok inconscientes. Logo, todos os tripulantes estão presos e recebendo uma agulhada no peito. Mas eles aparecem em seguida na Voyager recobrando a consciência e descobrem que ficaram três dias na estação. Kim está desaparecido. Janeway sonda a nave maqui, que estava ao lado da estação e com sua tripulação. Janeway fala a Chakotay do desaparecimento de Kim e Chakotay diz que Torres também está desaparecida. Janeway propõe uma aliança para encontrar os tripulantes desaparecidos. Chakotay e Tuvok se transportam para a ponte da Voyager e Tuvok confessa que era um agente infiltrado para Chakotay, que também se reencontra com Paris de forma áspera. Janeway dá uma trava no show de testosterona explícita e se lembra do trabalho em equipe para recuperar Kim e Torres. Eles retornam à estação, com Tuvok tendo a missão de extrair o máximo de informações da mesma para ver se eles conseguem retornar os setenta mil anos-luz tão rapidamente quanto vieram., enquanto que Janeway, Chakotay e Paris procuram por Kim e Torres. De volta à fazenda, eles conversam com um velhinho que diz que eles não importam mais (exceto Kim e Torres) e que está sem tempo para pagar uma dívida, mandando todos de volta à Voyager. Kim e Torres acordam numa enfermaria cheios de feridas e Torres reage de forma mais agressiva, sendo dominada. Os pulsos de energia vão para um planeta e Janeway acredita que Kim e Torres estejam lá. Tuvok percebe que a freqüência dos pulsos aumenta e Janeway percebe que o planeta é de classe M mas é um deserto sem qualquer chuva. Janeway fala a Tuvok (seu chefe de segurança) que a mãe de Kim diz que ele esqueceu sua clarineta (isso já é dito no episódio piloto da série; veremos Kim tocando clarineta ao longo da série), mas Janeway disse que não dava mais tempo do alferes pegar seu instrumento musical. Janeway se arrepende de não conhecer melhor a sua tripulação. Aqui deve ser feito um parênteses. Janeway é primeira capitã que vemos em Jornada nas Estrelas, e até então ela tinha uma postura extremamente dura, como o cargo lhe exige. O problema é que a coisa ia de um jeito que a capitã parecia até um pouco masculinizada. Esse momento em que ela se arrepende de não conhecer melhor sua tripulação serve para colocar um pouco mais de ternura na personagem e tirar esse estigma masculinizado dela. Essa sequência também mostra a proximidade de Janeway com Tuvok, o que seria um ponto muito interessante da série. Janeway deixa explícita a sua preocupação de levar toda a sua tripulação de volta para casa.
A Voyager e a nave maqui encontram uma pequena nave tripulada num campo de destroços de naves. Nesta nave está Neelix, que se diz um bom conhecedor da região onde estão. Janeway pergunta sobre a estação e Neelix pergunta se eles foram trazidos de outro lugar da galáxia e tiveram seus tripulantes raptados, pelo guardião, que vive no quinto planeta. Janeway diz que sim e Neelix diz que o guardião vive fazendo isso e que leva os prisioneiros para os ocampas. Janeway pede ajuda a Neelix para localizar os ocampas e ele aceita. Neelix chega à Voyager e já mostra que será o alívio cômico da série justamente com Tuvok.
Na enfermaria onde estão aprisionados, Kim e Torres começam a conversar. Esta última é muito agressiva por sua descendência klingon. Entra um homem que diz que eles são convidados de honra enviados pelo guardião. O homem leva Torres e Kim para conhecer a cidade deles, que é subterrânea há quinhentas gerações, desde que o planeta se desertificou. Então, o guardião os colocou para viver sob a terra e provê tudo o que eles precisam para viver. Por terem sido enviados pelo guardião, Kim e Torres despertam a curiosidade dos moradores locais. Já as feridas pelo corpo dos dois ainda não têm explicação. O homem diz que o Guardião separa esses doentes e os leva para o planeta para que sejam tratados (cabe ressaltar aqui que o guardião nunca se comunicou com os habitantes do planeta e estes especulam o que o Guardião quer dizer para eles). Mas a doença é grave, eles não sabem como tratá-la e as outras pessoas doentes morreram.
A Voyager chega ao planeta e Neelix indica uma vila para eles entrarem em contato com a população local. Mas aqueles não eram ocampas, e sim agressivos kazons. Neelix oferece água em troca da localização dos ocampas. O chefe kazon mostra uma ocampa que eles mantêm como prisioneira, justamente a Kes. O kazon disse que os ocampas vivem nos subterrâneos, mas não há como chegar até eles em virtude de uma barreira intransponível, que os separa da superfície e mantém a única água do planeta com eles, deixando os kazons à míngua. Entretanto, Kes conseguiu chegar à superfície. Neelix propõe trocar a água por Kes, mas o chefe kazon quer a tecnologia para obter água do nada. Janeway diz que será difícil, pois a tecnologia está integrada à nave. Neelix faz então o chefe ocampa de refém e eles pegam Kes, se transportando para a Voyager. Na nave, eles descobrem que Kes é a esposa de Neelix.
Na cidade dos ocampas, Kim e Torres conhecem uma mulher que diz que alguns ocampas conseguem fugir para a superfície em falhas na barreira, pois eles não aceitam as ordens do Guardião. Este estaria estranho por fornecer mais energia à cidade que o esperado. Kim e Torres pedem a ajuda da mulher para poder ir à superfície. Na Voyager, Kes se compromete a ajudar a tripulação a encontrar falhas na barreira para ser possível o resgate de Kim e Torres. Eles descem à cidade subterrânea e Kes entra em choque com os líderes locais dizendo que eles sempre dependeram demais do Guardião e que é hora de acabar com isso. Ainda, ela fará de tudo para Janeway reaver Kim e Torres. Estes, por sua vez, estão tentando fugir para a superfície. Os pulsos ficam cada vez mais rápidos e, de repente, eles param, com a estação se realinhando para outra posição. A estação começa então a atirar no planeta, para selar os ocampas definitivamente de seus inimigos. Tuvok supõe que o Guardião esteja morrendo, pois proveu energia suficiente por cinco anos para os ocampas e agora os sela do exterior. Paris, Kes e Neelix vão atrás de Kim e Torres sob a orientação de Kes. Janeway tenta subir à Voyager, mas a radiação dos bombardeios do Guardião impede o transporte de achar falhas na barreira e funcionar. Janeway vai atrás de Paris, Kes e Neelix. Kes encontra uma brecha na barreira e eles atravessam. Paris e Neelix abrem um buraco na rocha com os seus phasers e todos chegam à superfície, exceto Janeway, Chakotay e Tuvok, que ficam presos no túnel, depois de uma explosão de um dos raios enviados pelo Guardião. Paris e Neelix retornam para ajudá-los. Paris acaba salvando Chakotay da morte, o que vai ajudar nas pazes dos dois.
Na Voyager, os kazons atacam a estação e são agressivos com a Voyager (Janeway quer voltar à estação para descobrir uma forma rápida de retornar para o quadrante alfa, mas os kazons querem impedir, pois não querem pessoas com a tecnologia da Voyager interagindo com a estação). Começa uma batalha e Janeway se transporta para a estação com Tuvok enquanto isso. Janeway encontra o velhinho (o Guardião), que diz que é um explorador de outra galáxia que, por acidente, provocou sérios danos à atmosfera do planeta e, por isso, cuidava dos ocampas, mas que agora ele está morrendo. Quanto a trazer outras espécies que adoeciam, foi pelo fato do guardião tentar se reproduzir para continuar a proteger os ocampas mas as espécies que traziam eram incompatíveis na reprodução, adoecendo. Janeway diz ao Guardião que é melhor que os ocampas aprendam a viver por si mesmos, sem qualquer forma de proteção, para se desenvolverem como espécie. Uma gigantesca nave kazon aparece e Chakotay coloca sua nave maqui em rota de colisão, preparando sua tripulação para se transportar para a Voyager. A nave kazon é atingida, enquanto que o Guardião inicia a sequência de autodestruição da estação para impedir dos kazons terem acesso a aquela tecnologia. A nave kazon atinge uma parte da estação e a ilusão da fazenda começa a desaparecer. A sequência de autodestruição é interrompida e o Guardião (agora uma massa disforme) pede a Janeway para destruir a estação para os kazons não descobrirem sua tecnologia e destruírem os ocampas. O Guardião morre. Tuvok se lembra da Primeira Diretriz e Janeway diz que, mesmo que a tripulação da Voyager não tenha pedido para se envolver em toda aquela querela entre kazons e ocampas eles estavam envolvidos. Janeway retorna à Voyager e ordena a destruição da estação, protegendo os ocampas dos kazons, mas também acabando com a única chance deles retornarem rapidamente ao quadrante alfa. Os kazons entram em contato e dizem que a Voyager fez um inimigo.
Janeway chama Paris para conversar e diz que os maquis serão integrados à tripulação, com Paris como tenente e Chakotay como Primeiro Oficial, com este dizendo que seria responsável por proteger Paris, já que teve a sua vida salva por ele. Já Neelix e Kes pedem para ir com a Voyager, pois têm conhecimento do quadrante delta, podendo prover informações valiosas, no que Janeway aceita. O episódio termina com Janeway falando à tripulação que, em dobra máxima, a Voyager demoraria setenta e cinco anos para retornar para o quadrante alfa, mas que ela quer encontrar meios de retornar mais rápido, seja por buracos de minhoca ou por tecnologias como a do Guardião e manda Paris traçar um curso para casa. Fim do episódio.
O que podemos falar desse episódio piloto “O Guardião”? Em primeiro lugar, essa é uma série que vai também seguir uma linha razoavelmente distópica, assim como havia ocorrido em Deep Space Nine. Senão vejamos: o episódio já começa com a querela dos maquis, que é um grupo de colonos que não teve seus interesses levados em conta pela Federação no tratado com os cardassianos e resolveram se rebelar. Será o sumiço de uma nave maqui que vai levar a Voyager a fazer a sua missão de localização. Para isso, um dos tripulantes será justamente um prisioneiro, que podemos colocar em discussão até onde ele seria um preso político ou não, que é Tom Paris. É curioso notar a posição de Tuvok no contexto, pois ele é um agente da Federação infiltrado no grupo maqui de Chakotay, assim como a rixa desse com Paris, pois Chakotay vê Paris mais como um mau caráter mercenário. Ao final do episódio, a tripulação da Voyager contará com membros da Federação e maquis sendo obrigado a trabalharem juntos. Essa rivalidade poderia ser mais bem trabalhada ao longo das temporadas, é verdade, mas sentimos um clima pesado entre os personagens nesse episódio piloto. A distopia, contudo, encontraria mais espaço ao longo da série, pelo fato da Voyager ter que atravessar o desconhecido quadrante delta, um espaço com várias regiões sob domínio borg, e a capitã teria que lançar mão de expedientes pouco virtuosos em várias situações.
Com relação ao roteiro, creio que, se o compararmos com os roteiros dos demais episódios pilotos, ele foi muito bem. Se em TNG e DS9 anotamos algumas descontinuidades, aqui a história fluiu muito bem, inserindo bem a apresentação dos personagens na trama, sem direito a barrigas. A ideia de uma civilização avançada que se sente responsável por tutelar outra, pois seu planeta sofreu um sério acidente ecológico por culpa da primeira civilização trouxe elementos a se questionar. Ocampas que eram tratados com todos os recursos, enquanto que os kazons ficavam à míngua. A gente se pergunta até que ponto isto é justo ou não. E também a gente se pergunta até onde os kazons ficaram mais agressivos por viverem em tais condições inóspitas. No fim das contas, Janeway opta por novamente tutelar os ocampas, destruindo a estação do guardião, impedindo que os kazons tivessem acesso à tecnologia, o que poderia destruir os ocampas. Toda essa interferência de Janeway ia radicalmente contra a Primeira Diretriz, mas a capitã justifica sua atitude dizendo a Tuvok que eles já estavam envolvidos demais naquela questão entre essas duas espécies e não havia como ficar neutra. Nada como estar a setenta mil anos-luz da Federação para, mais uma vez, atropelar a Primeira Diretriz. Pelo menos, a capitã buscou retomar o tom solene e utópico da Federação ao fim do episódio, dizendo à sua tripulação que, na viagem de volta, o espírito de exploração continuaria, embora agora haja uma causa maior, que é a de se buscar meios para voltar para casa. Pelo menos, na violação da Primeira Diretriz, houve uma causa nobre, que foi se sacrificar a volta mais rápida para casa para salvar os ocampas. Mas sempre fica aqui a pergunta: os kazons também não têm direito a uma qualidade de vida melhor? O roteiro diz que não, usando o fácil expediente de demonizar toda essa espécie. Fica uma certa sensação de frustração, pois essa questão poderia ter sido mais bem relativizada. Entretanto, optou-se por se criar um inimigo para a tripulação da Voyager, que seria seu antagonista por vários episódios vindouros das primeiras temporadas.
Dessa forma, “O Guardião”, a uma primeira vista, parece ser um bom episódio piloto para Voyager. Uma história que flui bem, apresenta seus personagens sem criar barrigas no episódio, e coloca de cara uma questão acerca da Primeira Diretriz. Tudo isso num ambiente em que a distopia novamente poderá destilar suas cores. Resta a gente analisar, nos próximos episódios da série, até onde a utopia aparece também.