Dando sequência às análises de episódios de Jornada nas Estrelas, vamos visitar hoje Voyager e o segundo episódio da primeira temporada intitulado “Paralaxe”.
Qual é o plot desse episódio? Ele começa com uma briga entre Torres e um tenente na engenharia. Torres acaba agredindo o tenente e fica confinada aos aposentos. Tuvok fala a Chakotay da necessidade de puni-la para não se perder a obediência dos subordinados. Por outro lado, os maquis falam a Chakotay que estão prontos para um motim se necessário. Pisando em ovos, Chakotay repreende Torres duramente mas acredita que ela consegue chegar à chefe de engenharia na nave.
Numa reunião na Voyager, algumas coisas são definidas para a realocação de pessoal na nave. Será nessa reunião que Chakotay indicará Torres para o comando da Engenharia, que Paris será uma espécie de paramédico a auxiliar o Doutor, e que Neelix e Kes vão sugerir para montar uma cozinha e uma horta hidropônica na nave, pois os replicadores deram defeito. Entretanto, um forte solavanco interrompe de forma abrupta a reunião, com uma singularidade quântica bem à frente e uma outra nave presa no horizonte de eventos da singularidade. A Voyager tenta contato com a nave em vão e pensa em estratégias para retirar a nave de lá. Chakotay, da ponte, entra em contato com Torres, na engenharia, para ver o que se pode fazer e ela sugere um raio trator subespacial. Mas essa atitude de Chakotay irritou Janeway, que disse que ele está passando por cima da hierarquia. Chakotay rebate dizendo que só poderá ajudar Janeway na nave se ele e os maquis tiverem alguma autonomia e não serem meros fantoches nas mãos dos oficiais da Federação, ficando bem claro o clima tenso entre os dois.
Na enfermaria, Kes pega um pouco de terra com o Doutor para a horta hidropônica e este se sente subaproveitado na nave. Ainda, sua projeção holográfica está com defeito e a imagem do Doutor diminuiu de tamanho.
O raio trator é acionado, mas não funciona e quase que a Voyager é atraída para a singularidade. Janeway decide ir para um sistema próximo pois, segundo Neelix, a civilização de Ilidária poderia ajudar no resgate.
Janeway tenta conversar com Torres para conhecê-la melhor, em virtude da sugestão de Chakotay, mas o encontro revela-se um verdadeiro fiasco pelo temperamento forte de Torres. Já o Doutor tenta se comunicar com Janeway e ela percebe que sua imagem está achatada. O Doutor está encolhendo gradativamente (algum problema no projetor holográfico) e ainda relatou que nove pessoas estão com dor de cabeça e náuseas. Janeway diz que a nave está perto de uma singularidade quântica e a distorção espacial pode estar provocando esses problemas de saúde. O Doutor então diz que precisa ser informado dessas situações pelas quais a nave passa e Janeway concorda. Mas outro sacolejo interrompe a conversa. É novamente uma singularidade quântica que Paris, ao examinar os sensores, conclui que é a mesma singularidade que eles encontraram anteriormente. Janeway ordena que a nave saia dali em dobra máxima, mas novamente a mesma singularidade aparece à frente.
Os casos de náuseas aumentam na nave, sem motivo aparente. O Doutor continua a se achatar. Torres sugere, à contragosto do tenente, que o problema do Doutor pode estar relacionado a um deslocamento de fase provocado pela distorção espacial e que se isso puder ser melhor trabalhado, será possível montar uma espécie de sensor para se comunicar com a nave que está presa na singularidade. Janeway ordena que se faça isso e, quando as pessoas saem da reunião, Janeway e Chakotay se entreolham e Janeway dá um sinal de aprovação com relação à Torres, fazendo Chakotay sair mais aliviado da sala. Quando a ideia de Torres é aplicada, o sinal que recebem de volta da nave é o da própria Voyager e a imagem da nave é também a imagem de Voyager. Ou seja, eles veem um reflexo de si próprios na singularidade, uma imagem de uma saudação da Voyager antes mesmo dela ter sido feita, e a Voyager está presa na singularidade desde o início. O que se vê a seguir é uma sequência de tecnobabbles onde a nave precisa abrir uma fratura no horizonte de eventos com partículas de dobra para poder escapar da singularidade e da distorção espacial que pode destruir a nave em nove horas. Toda essa ideia genial foi forjada num empenho mental conjunto de Janeway e Torres, o que ajudará a aproximar as duas personagens nesse momento. Todo o procedimento é feito mas abriu uma fratura muito pequena. Para poder expandir essa fratura, uma nave auxiliar terá que ir bem perto dela para disparar um raio mais forte com partículas de dobra. Para isso, serão necessárias duas pessoas que tenham conhecimento de mecânica temporal, leia-se Janeway e Torres, que vão juntas na nave auxiliar para a fratura. Na nave auxiliar, Torres se desculpa com Janeway por ter sido rude e diz que não acredita ter potencial para ocupar a chefia da engenharia. Janeway retruca dizendo que leu os registros de Torres na Academia da Frota e viu que vários professores aprovavam a postura firme e desafiadora de Torres.
As duas conseguiram aumentar a fratura, mas, ao retornarem, se deparam com duas imagens da Voyager. Janeway decide por uma delas, de acordo com o seu posicionamento perante à fratura e ao reflexo retardado das distorções. Mostrando sua especialidade em ciência, Janeway faz a escolha acertada. De volta à ponte, Janeway recebe a notícia de que a fratura encolheu um pouco e a Voyager passará muito rente aos seus limites. No melhor estilo cowboy, Janeway diz que aprendeu na Academia que pilotar uma nave estelar pode ser um processo muito delicado, mas que em certas situações, tem mais é que forçar o caminho mesmo e dá a ordem de full impulse power, fazendo a nave passar por muitos sacolejos de novo, mas vencendo o horizonte de eventos.
Chakotay conduz Torres à engenharia. Ela é a nova chefe do setor. E a moça consegue tratar seus subordinados com a educação necessária para essas situações, além de se entender com o tenente que a agrediu. Janeway e Chakotay veem Torres à distância, contentes com a decisão tomada, embora Torres tenha muito a aprender e a se adaptar à nova função. O episódio termina com um Doutor totalmente achatado ainda à espera de um reparo nos projetores holográficos, ficando sacramentada a sua posição de alívio cômico nesse início de série. Fim do episódio.
O que podemos dizer do episódio Paralaxe? Em primeiro lugar, vemos a nova tripulação ainda se assentando, com uma tensão entre maquis e os membros da Federação. A irritação de Torres é a senha para que as coisas não sejam muito pacíficas na nave, mas Chakotay aposta suas fichas nela para que assuma a Engenharia. Para isso, ele vai ter que convencer Janeway a aceitar melhor os maquis na tripulação e a própria Torres. E o episódio mostra esse desenrolar de Janeway se aproximando de Torres. O que contribuiu muito nesse estreitamento de relações foi o fato de que tanto Janeway quanto Torres são excelentes cientistas e elas conjuntamente conseguem imaginar a tecnobabble do dia para livrar a Voyager da singularidade e romper o horizonte de eventos. Sabemos que as tecnobabbles surgiram com muito peso em TNG e agora visitam bastante Voyager também, algumas vezes forçando um pouco a barra mas ainda dentro de alguma coerência mínima (partículas de dobra para romper um horizonte de eventos, por exemplo), não sendo uma espécie de varinha mágica que resolve tudo a hora que for necessário. A parte científica do episódio apostou as suas fichas em paradoxos espaço-temporais sobre singularidades, o que é uma receita muito atraente para a ficção científica mais espacial.
Se houve um entendimento entre Janeway e Torres, já vemos uma fonte de conflitos futuros, passando quase despercebida. E essa fonte se chama Seska, que ainda não tem seu nome citado, mas ela aparece incitando Chakotay e Torres contra os membros da Federação já no segundo episódio da primeira temporada. Vale a pena ficar de olho nessa personagem para os próximos episódios.
Ainda, a construção do personagem do Doutor deu mais alguns passos, tanto na questão dele ser um alívio cômico quanto pelo fato dele ser um tanto pretensioso e arrogante.
No mais, vemos algumas outras ideias que seriam desenvolvidas no futuro, como o fato de Tom Paris ser o auxiliar do Doutor na Enfermaria e Neelix se tornar o cozinheiro da nave, com sua culinária, digamos, exótica.
Dessa forma, “Paralaxe” pode ser considerado um bom episódio de Voyager, já que aborda a tensão entre maquis e membros da Federação, nos mostra uma ficção científica atraente, com tecnobabbles satisfatoriamente domadas e uma construção de personagens que ajuda a expandir o Universo da série.