Dia desses, fuçando no Youtube, encontrei essa pequena pérola. “O Segredo da Porta Fechada”, de 1947, é um daqueles filmes “noir” que nos impressiona, principalmente por suas ligações íntimas (eu diria até carnais) com o expressionismo alemão. E ninguém mais, ninguém menos do que o próprio Fritz Lang, que produziu e dirigiu o filme, para fazer essa ligação. Este é um filme onde vemos como toda a bagagem cultural do cinema alemão da década de 20 e 30 ajudou a enriquecer o cinema hollywoodiano do imediato pós-guerra. Para podermos falar da película aqui, vamos ter que lançar mão de spoilers, ainda que eles já tenham mais de setenta anos.
O plot é o seguinte. Vemos aqui Celia (interpretada por uma deslumbrante Joan Bennett), uma mulher que narra a película em primeira pessoa. Ela fala de suas visões e sentimentos mais íntimos numa conversa aberta com o espectador. Fala da perda do irmão, da proposta que recebeu de um homem e de como havia encaminhado um enlace matrimonial. Mas uma viagem ao Mèxico transformaria sua vida, quando ela conhece Mark Lamphere (interpretado por Michael Redgrave, pai de Vanessa Redgrave), o editor de uma revista falida, pela qual se apaixona instantaneamente, mergulhando de cabeça nessa relação e se casando ainda no México, dispensando o encaminhamento de casamento que havia feito antes de sua viagem. De volta aos Estados Unidos, Celia vai viver na casa da família de Mark, um lugar estranho e assustador. Mark tem um filho e uma irmã e ele não se dá bem com os dois. Sua antiga esposa morreu na casa. Celia fica um tanto desconfortável com aquele ambiente, mas por amor a Mark, ela encara todas as dificuldades. Entretanto, numa festa, ela descobre um macabro hobbie de Mark: reproduzir fielmente ambientes onde ocorreram assassinatos, lançando mão até de peças originais. Ele criou sete ambientes, sendo que o último deles é completamente vedado a qualquer pessoa, o que desperta a curiosidade de Celia. Esta vai arrumar uma artimanha para abrir a porta do sétimo ambiente e descobrir o seu segredo. O que ela veria a deixaria surpresa.
Lang consegue articular com maestria dois pólos no filme, interagindo-os de forma muito competente. O primeiro deles é o sombrio claro-escuro que permeia toda a película. A escuridão nesse filme é tão pronunciada que qualquer vestígio de claridade se sobressai como um personagem. Esse detalhe estético realça demais o clima tenso que é descrito na narrativa do filme. O segundo pólo é a forte componente psicológica, ou seja, um subjetivismo que é visto de forma pronunciada nos dois personagens protagonistas. Inicialmente, Celia se abre de uma forma tão gratuita para o espectador, que mesmo o seu jeito tão formal e aristocrático de se portar não tira de nós o grau de intimismo para com ela. Já Mark, inicialmente uma presença arrebatadora, mas também estranha na vida de Celia, com o tempo vai se abrindo em todos os seus traumas passados, cuja superação é de fundamental importância até para a elucidação da trama. Essa tarefa caberá a Celia que, mesmo com a sua vida sob risco, não abandona Mark por seu amor infinito por ele. Ou seja, apesar do clima sombrio e tenso do filme, há uma força amorosa aqui que consegue superar essas barreiras e garantir um happy end para a película. Confesso que, nesse quesito, eu preferia um desfecho mais trágico. Enfim…
De qualquer forma, essa interação criativa entre o soturmo e o psicológico foi feita de um jeito poderoso por Lang. Sua preocupação com o psicológico é tão forte que, no momento em que Mark exibe seus ambientes para os convidados da festa, uma das convidadas especula o que aconteceria se os personagens envolvidos nos ambientes fizessem terapia. Devemos nos lembrar que claros, escuros e visões subjetivas eram temas caros também ao cinema expressionista alemão, contemporâneos de Lang quando este ainda vivia na Europa. Outro traço mais particular de Lang que aparece no filme a gente vê quando Celia chega à mansão da família de Mark e esta presencia máscaras de culturas “primitivas”. Não podemos nos esquecer que Lang fez viagens à África e Ásia que marcaram sua produção artística (é só nos lembrarmos das prostitutas de Yoshiwara em “Metrópolis”).
Assim, “O Segredo da Porta Fechada” é um filme altamente recomendável de Lang, pois ele enriquece o cinema “Noir” produzido nos Estados Unidos com seus claros/escuros e elementos psicológicos e subjetivistas, tão caros ao cinema alemão da década de 20. Vale a pena dar uma conferida abaixo na película completa.