Dando sequência às nossas análises de episódios de Jornada nas Estrelas, retornemos à Enterprise e falemos do terceiro episódio da primeira temporada, intitulado Explorar Novos Mundos.
No que consiste o plot? A Enterprise encontra um planeta muito parecido com a Terra, o que deixa a tripulação animadíssima e pronta para descer à superfície. Os scans não mostram a presença de vida humanóide. T’Pol, entretanto, fala em escanear o planeta com sondas primeiro para verificar se ele é da classe Minshara (apto à vida humanóide). Esse scan duraria uma semana. Archer pede que se forme uma equipe de pesquisa que vá descer ao planeta, mais uma vez não escutando as recomendações de T’Pol.
A tripulação desce ao planeta e os humanos parecem numa colônia de férias: tiram fotos, Archer leva o Porthos, etc., enquanto que T’Pol só pensa na missão. A equipe pesquisa o planeta e um grupo com dois tripulantes, Travis, Trip e T’Pol ficam no planeta. Durante a noite, sob muitos vaga-lumes, um dos tripulantes fica com dor de cabeça e pede para descansar. Os vaga-lumes somem e logo aparece uma violenta rajada de vento. Um bicho aparece no saco de dormir de Trip e a ventania continua intensa. Trip sugere a T’Pol que eles procurem uma caverna.
Na Enterprise, Reed sugere a Archer que se busque a equipe avançada em virtude do vento, mas T’Pol, interpelada por Archer pelo rádio, diz que as condições de pouso para uma nave auxiliar são muito difíceis com o vendaval. A equipe já está numa caverna, mas esqueceu a comida no acampamento. Travis vai buscá-la e vê vultos de pessoas. Ele diz isso para a equipe e T’Pol diz que, pelo scaner, não há mais nenhuma forma de vida humanóide no planeta além deles. O tripulante que estava com dor de cabeça, ouviu sons no acampamento e agora está descontrolado na caverna, dizendo que há alguém lá e que todos precisam sair dali. O tripulante (Ethan) sai correndo para fora da caverna e Trip vai, juntamente com Travis, atrás dele. Já T’Pol penetra mais fundo na caverna para ver se há alguém lá dentro mesmo. Trip vê uma figura humana “saindo” de uma pedra como se estivesse camuflada nela. Travis quase cai num precipício e Trip fala para eles voltarem. A outra tripulante, que ficou sozinha na caverna, a explora e encontra T’Pol falando com dois homens. Ao perguntar à vulcana quem eram, T’Pol disse que não havia ninguém lá. Trip e Travis comunicam a situação a Archer, que desce com Reed na nave auxiliar. Eles conseguem contato com Ethan, que responde agressivamente pelo rádio. Já Trip e Travis pressionam T’Pol, depois que a outra tripulante disse que a vulcana falava com duas pessoas. Archer tenta pousar, mas não consegue e pede para Trip gerenciar a situação, tentando estabelecer contato com os alienígenas se achá-los. Trip continua a pressionar T’Pol, que se mantém impassível. Travis fala da falta de água da equipe e T’Pol fala que há uma reserva de água no interior da caverna Trip, desconfiado, rende T’Pol e tira sua arma, não indo buscar água junto com ela, como sugerido pela vulcana. Archer tenta se comunicar com Ethan, mas ele grita de dor. Não há outra alternativa a não ser teletransportar Ethan para a nave, mas seu sinal está contaminado e ele chega à Enterprise com um monte de folhinhas agarradas a seu corpo. A equipe da caverna está perdendo totalmente o controle emocional e se tornando agressiva, inclusive T’Pol, vendo ainda coisas se movimentando nas pedras.
Na Enfermaria, Phlox tirou as plantinhas de Ethan, mas detectou um psicotrópico no seu sangue, encontrado em plantinhas aparentemente inofensivas. Eles acreditam que o vendaval contaminou a todos e, ao entrar em contato com T’Pol, a vulcana estava com uma arma apontada para a sua cabeça por um Trip descontrolado. Archer falou do psicotrópico para a equipe e recomendou que eles se isolassem no fundo da caverna até o vendaval passar, quando seriam resgatados. Mas Trip está muito loucão e ameaça T’Pol, que também aponta uma arma para ele falando palavras em vulcano, provavelmente ofensivas.
Na Enterprise, Ethan está à beira da morte, pegando Phlox de surpresa, que estudou o caso e fabrica um antídoto. O médico acredita que os outros tripulantes na superfície foram menos expostos. O problema é que o vendaval não passa e as vidas da equipe estão ameaçadas. Archer então diz que vai enviar a medicação para a equipe que precisa ministrá-la. Mas Trip está muito descontrolado para isso. T’Pol fala em vulcano para Hoshi que Trip irá matá-la e Hoshi fala isso para Archer. O capitão inventa uma história baseada nas alucinações de Trip para ele poder ser convencido a deixar T’Pol pegar o remédio, que foi teletransportado para a boca da caverna. T’Pol toma o controle da situação e tonteia Trip. Pega o remédio e inocula em todos.
Quando todos estão normais, Trip se arrepende das palavras preconceituosas que falou a T’Pol e diz que um professor vulcano que ele teve disse a seguinte frase: “Desafie seus preconceitos e eles te desafiarão”. T’Pol disse que talvez fosse a hora dele colocar esse ensinamento em prática. Fora da caverna, está um dia lindo e a nave auxiliar vem buscar a equipe. Fim do episódio.
O que podemos falar de “Explorar Novos Mundos”? A querela entre os humanos e a vulcana T’Pol continua, com a imaturidade humana ainda premente, o que sempre dá uma razão a T’Pol. A sede por exploração faz Archer ignorar totalmente os protocolos impostos pelos vulcanos que, obviamente, surgiram com experiências anteriores. E aí, o planeta altamente idílico revela-se extremamente perigoso com o psicotrópico que acaba enlouquecendo a todos. O fato do psicotrópico ter tirado o autocontrole dos tripulantes na superfície do planeta foi um dado interessante a ser adicionado para trabalhar a questão do preconceito. Se a civilização humana do século 22 diz que aboliu seus preconceitos, o descontrole do psicotrópico aflora esses preconceitos em toda a sua plenitude, afetando até a asséptica T’Pol, que respondia na língua vulcana de forma agressiva todos os rompantes de preconceito e violência de Trip. Pelo menos, a gente tem que bater palmas para Archer na resolução da crise (para compensar, pelo menos, a sua irresponsabilidade em mandar um grupo avançado para a superfície de um planeta que sequer foi escaneado detalhadamente, como T’Pol recomendara). O capitão foi na vibe das alucinações de Trip e conseguiu bolar uma estratégia para T’Pol (menos afetada pelo psicotrópico) render Trip e pegar a medicação enviada por Phlox para eles se curarem. Ao final, quando todos já não estão mais afetados, Trip manifesta seu arrependimento em tudo o que disse à T’Pol e citou a frase de um professor vulcano que teve: “Desafie seus preconceitos e eles te desafiarão”. T’Pol responde que deve estar na hora de Trip colocar esse ensinamento em prática. Ou seja, vemos Trip se arrependendo do que diz a T’Pol e indiretamente se desculpando com isso, e vemos a vulcana aceitando as desculpas, mas com aquela pontinha de mágoa que a lógica vulcana a obriga a esconder, lembrando sempre que os vulcanos têm sim emoções, mas que eles usam a lógica para reprimi-las, evitando, assim, seus dias de barbárie.
Ainda com relação à querela entre vulcanos e humanos no século 22. Essa imaturidade humana parece muito sinalizar uma cultura ocidental mais estadunidense, impetuosa, ávida por levar o melhor do ser humano a outras culturas, e intransigente com a postura mais conservadora dos vulcanos em práticas de primeiro contato, até em virtude da experiência acumulada com a exploração espacial e práticas de primeiro contato. Mas, façamos uma reflexão aqui. Essa característica ocidental e estadunidense tem legitimidade para ser porta-voz da cultura de toda a humanidade? Eu me pergunto se haveria as mesmas querelas entre vulcanos e humanos se a tripulação da Enterprise contasse com orientais, por exemplo, mais afeitos à questão da disciplina. Sabemos que falamos de uma série produzida nos Estados Unidos, com seus valores e identidades específicas. O problema é que eles travestem esses valores como universais por estarem representando a humanidade como um todo. Talvez isso seja um problema nessa série. Aliás, em sua própria abertura, a ausência de Santos Dumont (para nós, brasileiros) e, mais gravemente, do Sputnik e Yuri Gagarin, incomodam, e muito, reforçando essa posição estadunidense como de uma centralidade questionável.
Para encerrar, temos aqui uma curiosidade: vemos, pela primeira vez a citação de planeta classe M, e esse M vem de Minshara.
Dessa forma, “Explorar Novos Mundos” é um episódio de Enterprise que segue a proposta inicial da série de marcar o conflito entre humanos e vulcanos, com o ingrediente de colocar os tripulantes numa situação de afloramento dos preconceitos sem limites e de como eles teriam que conviver com isso posteriormente. Mais um passo na educação desses humanos em direção a uma maior maturidade na exploração espacial.