Mais um filme da fase americana de Fritz Lang. “No Silêncio de uma Cidade” (“While the City Sleeps”, 1956) nos mostra uma verdadeira guerra pelos louros da liderança no quarto poder, ou seja, a imprensa. Um ambiente que mostra até onde a ética pode ser jogada para escanteio em nome da competição. Para podermos falar desse filme, vamos precisar liberar os spoilers de sessenta e quatro anos.
O plot é o seguinte. Há um serial killer pela cidade de Nova York matando moças jovens e bonitas. Isso será noticiado na grande mídia, sobretudo no conglomerado de comunicações de Amos Kyne, que reúne jornais, canais de TV e outras mídias. Mas Amos está radicalmente doente e acaba morrendo, mesmo sob os cuidados de sua enfermeira Miss Dodd (interpretada por Celia Lovsky), a T’Pau de Jornada nas Estrelas, no episódio “Amok Time”). O filho de Amos, Walter Kyne (interpretado por um jovial Vincent Price sem bigode), assume o conglomerado. Walter não tem muita experiência no ramo mas decide criar um cargo de megadiretor executivo de todo o conglomerado e três funcionários em posições estratégicas do conglomerado, e que eram vistos com muito zelo por Amos terão que mostrar ao novo patrão todas as suas competências para serem escolhidos por Walter para o tal megacargo. Eles são: Mark Loving (interpretado por George Sanders), John Day Griffith (interpretado por Thomas Mitchell) e “Honest” Harry Kritzer (interpretado por James Craig). Essa será uma competição selvagem por esse alto posto, para o deleite de Walter e para a indignação de nosso protagonista, o âncora de telejornal Edward Mobley (interpretado por Dana Andrews). Nessa disputa, Mobley ficará mais ao lado de Griffith, embora, inicialmente, ele não escolhesse alguém especificamente. O mote da disputa entre os funcionários era solucionar o caso do serial killer. E quem tinha mais recursos para isso era justamente Mobley, pois ele tinha contatos bem sólidos na polícia. Para isso, nosso protagonista bonachão vai usar como isca a sua namorada, Nancy Liggett (interpretada por Sally Forrest), que é a secretária de Loving. Existem outros elementos que vão apimentar ainda mais essa história, como o caso entre Kritzer e Dorothy (interpretada pór Rhonda Fleming), que é a esposa de Walter Kyne, e a presença da sensual e voluptuosa Mildred Donner (interpretada pela irresistível Ida Lupino), que funciona como uma espécie de espiã para os funcionários que disputam o megacargo, lançando mão até de sedução e favores sexuais.
Esse é um filme que tem uma série de atores que despertam nossa atenção. Além dos nomes principais e de Celia Lovsky, o serial killer é interpretado pór ninguém mais, ninguém menos que John Barrymore Jr., filho de um ator da fase muda que dispensa apresentações e pai de Drew Barrymore. A mãe do serial killer é interpretada simplesmente por Mae Marsh, que trabalhou nos primórdios do cinema com o famoso diretor David Wark Griffith em filmes como “Intolerância”. Mas podemos dizer aqui que a grande vedete da película é realmente a história, baseada em mais um roteiro adaptado que, assim como o imortal “Cidadão Kane”, fala de um magnata das comunicações e seu conglomerado. Mas aqui o grande chefe brinca em sua jovialidade arrogante com funcionários que seu finado pai tinha em grande estima. E os meandros dessa disputa exibem as entranhas do conglomerado onde funcionários assustados com a perda de seus empregos competem de uma forma feroz pelo novo cargo, ao bom estilo da sociedade capitalista americana, com exceção de Kritzer, que já tinha preocupações suficientes em acobertar o caso com a esposa do chefão.
O personagem de Mobley aqui é um caso curioso, pois ele repudia a falta de ética de Walter ao criar essa disputa mas, ao mesmo tempo, lança mão de elementos pouco virtuosos como colocar sua namorada Nancy (a única personagem totalmente virtuosa da película) como uma isca para atrair o serial killer e, como se não bastasse, flertasse com Mildred, mesmo sabendo que ela era o fazia para lhe arrancar informações em benefício de Loving, chegando bem perto de ir para a cama com ela. Na verdade, só não o foi, pois bebeu que nem um condenado, ainda achando que não tinha feito nada demais quando Nancy ficou revoltada da vida com ele (ecos da sociedade ultramachista da década de 50). Ou seja, Mobley é o personagem ambíguo que já vimos em vários filmes “Noir” de Lang por aqui. Mildred, por sua vez, é a fêmea fatal também reaparecendo. O leitor sentiu falta das “culturas primitivas”? Dê então uma olhadinha na decoração da sala da casa de Walter, com motivos orientais. Adicione a trama policial pelos assassinatos e podemos dizer que esse filme realmente se aproxima do “Noir”, embora haja pouco claro/escuro por aqui.
Dessa forma, “No Silêncio de uma Cidade” é mais um filmaço de Lang, onde disputa capitalista é a personagem principal, que conta com um baita de um elenco, seja ele nos atores principais, seja ele nos atores coadjuvantes, e ainda temos novamente elementos do cinema “Noir”. Vale a pena procurar em DVD (infelizmente, não o achei completo no Youtube dessa vez, fique com o trailer abaixo).