Mais um filme da fase americana de Fritz Lang. “Suplício de uma Alma” (“Beyond a Reasonable Doubt”, 1956) é um filme que aborda a questão da pena de morte, um assunto para lá de batido. Mas, dessa vez, a questão dá um grande nó na cabeça do espectador, pois o roteiro de Douglas Morrow foi bem capicioso. Para podermos falar do filme, vamos liberar os spoilers de sessenta e quatro anos.
O plot é o seguinte. Um renomado jornalista, Austin Spencer (interpretado por Sidney Blackmer) tem total aversão à pena de morte. Seu futuro genro, Tom Garrett (interpretado por Dana Andrews) largou o ofício de jornalista para se tornar um importante escritor e ficou bem interessado na questão de Spencer. Os dois discutem a seguinte situação: geralmente as condenações à pena capital possuem a característica de se basear apenas em provas circunstanciais. Spencer e Garrett acreditam que podem muito bem, num eventual homicídio, plantar provas falsas para incriminar uma pessoa e provocar uma condenação injusta. Assim, quando há o homicídio de uma dançarina, eles decidem plantar tais provas de forma que isso incrimine Garrett para, depois, tendo essa estratégia toda documentada, inocentar o acusado e das um duro golpe nas condenações à morte. Assim, Spencer e Garrett colocam seu plano em prática e Garrett é incriminado. O julgamento vai a um rumo em que há toda uma situação em que Garrett vai ser condenado. O grande problema é que Spencer morre num acidente de carro onde todas as fotografias que revelavam a farsa vão ser destruídas junto com ele, pois o carro pegou fogo. E, como ele usou uma câmara tipo polaróide (pois é, ela já existia nos Estados Unidos em 1956!!!), não há negativos. Caberá a futura esposa de Garrett, Susan (interpretada por Joan Fontaine) encontrar alguma prova que inocente Garrett. Será encontrada uma carta nos documentos de Spencer, inocentando Garrett e o governador irá lhe conceder o perdão. Entretanto, numa conversa entre Garrett e Susan, a moça descobre que Garrett conhecia o real nome da morta (ela era conhecida pelo nome artístico) e Garrett jurava de pés juntos que não a conhecia (Susan vai conhecer o nome real dela, pois foi feita toda uma investigação sobre a vida pregressa da morta, à qual Susan teve acesso). Garrett vai então confessar à Susan que ele conhecia a moça morta, que ela era um antigo caso dele e que ela começou a lhe pedir dinheiro quando Garrett se tornou um conhecido escritor. A ideia de Spencer de desqualificar a pena de morte pareceu a Garrett a oportunidade ideal de se livrar da moça. Susan ficou muito abalada com a situação e, criando muita coragem, comunicou a culpa de Garrett ao governador, que lhe negou o perdão, com a pena de morte triunfante ao final do filme.
O filme começa com uma boa ideia: a condenação da pena de morte. E aí, é colocada toda uma situação, muito arriscada, diga-se de passagem, para se desmoralizar a pena de morte. É claro que alguma coisa teria que dar errado e Garrett ficaria numa situação muito complicada, tendo que provar sua inocência. Isso era mais do que óbvio quando vemos o plano sendo posto em ação. A gente só esperava quando a coisa fosse degringolar. Mas também ficava uma pulga atrás da orelha de até onde Garrett seria realmente culpado ou não, ou seja, um plot twist ao final. Esses eram os dois desfechos possíveis para o filme. Ou se usava um, ou se usava outro. Mas foram usados os dois, ao fim das contas. Fritz Lang sempre se disse realista e vemos um certo pessimismo em seus flmes quando ele aborda a questão humana. Esse pessimismo cai como uma luva quando vemos como a pena de morte é tratada. Se condenada ao início da película, ao final o espectador já não tem tanta razão dessa condenação devido à natureza sórdida de Garrett que é revelada nos momentos finais. Isso faz com que todo o esforço de Spencer caia por terra, e o mais cruel ainda, depois de morto o jornalista. Como se o acidente que provoca a sua morte funcionasse como uma espécie de punição pela tentativa de se questionar e atacar a pena de morte, que sai do filme totalmente soberana. Tirar a pena de morte da lei significa deixar um assassino impune. Ou seja, ela precisa existir, já que o ser humano é capaz das atitudes mais violentas. Essa acaba sendo a mensagem final do filme. A pena de morte é um mal necessário pela vilania humana e quem tentar mexer com ela acaba severamente punido. Nada mais agônico.
Assim, “Suplício de uma Alma” é mais um intrigante e inquietante filme de Fritz Lang. Se a película começa com uma tentativa louvável de se acabar com uma medida tão extrema, seu final pessimista mostra que tal medida é necessária, pois a humanidade nada tem de virtuosa. Infelizmente, não temos o filme na íntegra. Veja o trailer abaixo.