Mais um filme da fase americana de Fritz Lang. “O Tesouro do Barba Rubra” (“Moonfleet”, 1955) é um filme de época, o que garante algumas cenas de ação, mas que tem como escopo principal um drama de tons psicológicos. Para podermos falar desse filme, vamos liberar os spoilers de sessenta e cinco anos.
O plot fala de Jeremy Fox (interpretado por Stewart Granger), um cavalheiro que vive na Inglaterra do século XVIII numa cidadezinha chamada Moonfleet. Ele teve um caso com uma moça e esta teve um filho (não fica claro se de Fox ou não). O detalhe é que essa moça morre e, antes disso, ela envia seu filho para que Fox possa criar. O grande detalhe aqui é que Fox lidera um grupo de contrabandistas por trás de sua fachada de gentleman e viver com esse menininho não vai ser uma tarefa fácil. O garoto se chama John Mohune (interpretado por Jon Whiteley) e ele desenvolve uma afeição imediata por Fox. Irresistível, eu diria, o que vai deixar nosso rígido Fox bem melindrado. Há, ainda, uma lenda de que existe um fantasma de um pirata chamado Barba Rubra que anda pelo cemitério da cidade, assustando a todos e um diamante perdido. Enquanto o disfarce de Fox é preservado, ele até consegue manter a sua vida de gentleman e contrabandista cuidando de Mohune. Mas, quando é descoberto, ele vai precisar bolar uma estratégia para fugir e o menino passa a ser um problema para ele, ainda mais porque Mohune descobre a atividade ilícita de Fox e passa a ser perseguido pelo próprio bando do gentleman. Mas, por mais que Mohune seja um problema para Fox e ele queira se livrar do garoto, mais a consciência pesa para nosso protagonista quando ele tenta fazê-lo, sempre voltando para Mohune. Vai chegar uma hora em que a despedida será inevitável, mas ela soará como um “até breve”, onde Mohune tem a convicção de que Fox voltará para buscá-lo. Ficou para o espectador imaginar uma continuação para esse filme. Hoje em dia, talvez tivéssemos um “Tesouro do Barba Rubra II, a Volta de Jeremy Fox”, mas não foi o que aconteceu na época.
Esse é um filme que não estamos acostumados a ver Fritz Lang realizar. Um filme de época, o que exige uma preocupação com figurinos e cenários, bem cuidados, diga-se de passagem. Há um momento em que o Lang raiz retorna, exatamente nas cenas noturnas do cemitério, onde uma estátua sinistra e negra de um anjo aparece ameaçadora. Aliás, essa estátua aterroriza o nosso John Mohune bem ao início do filme, um menininho muito esperto e fofinho, com muita personalidade. Ou seja, muito carismático. Podemos dizer que ele tem as suas ambigüidades, em sua fofura e sua personalidade. Mas se há um personagem ambíguo nesse filme, ele é Jeremy Fo. Mulherengo, cavalheiro e um contrabandista que precisa controlar violentamente seus capangas que frequentemente querem se rebelar. Como se não bastasse, ele ainda precisou fazer o papel de pai postiço de Mohune. E, cá para nós, não fica muito claro se ele era apenas um pai postiço ou pai mesmo do menino. Outra coisa que fica para a imaginação do espectador. Logo, a personalidade de Fox nem pode ser considerada ambígua ao final das contas, mas sim multifacetada. O que mais chama a atenção é que ele vai ser uma boa pessoa com Mohune, o que vai um pouco na contramão da visão negativa do humano que vemos nos filmes de Lang. E a coisa se torna até comovente, quando vemos um Fox ferido ainda se preocupando com o menino para depois partir para uma fuga bem mais arriscada do que a solução que ele havia conseguido e que descartava Mohune de vez.
Dessa forma, “O Tesouro do Barba Rubra” é um filme de Lang que chama a atenção por ser um pouco diferente dos demais. Uma criança fofa, mas com personalidade, um pai postiço multifacetado, tudo isso tendo a Inglaterra do século XVIII como pano de fundo. O filme não chega a um primor das películas “Noir” do diretor, mas é digno de atenção. Infelizmente, não foi achada uma versão completa no Youtube. Fica aqui um trecho da introdução do filme.