Mais um filme da fase americana e “Noir” de Fritz Lang. “Os Corruptos” (“The Big Heat”, 1953), é um filme bem violento para os padrões da época, de um realismo agressivo e intenso, ao bom estilo de medidas extremas para situações extremas. Para podermos analisar essa película, vamos precisar liberar spoilers de sessenta e sete anos.
Qual é o plot? A película começa com um policial se suicidando. O sargento da polícia Dave Bannion (interpretado por Glenn Ford) investiga a situação e tudo leva a crer que o policial realmente se suicidou, sobretudo depois que ele conversa com a viúva do morto. Mas uma amante do policial levanta dúvidas sobre as reais causas do suicídio. Depois disso, a amante aparece morta. Bannion começa toda uma investigação que é seguidamente obstruída por seus colegas policiais e superiores, assim como ele não consegue ir para a frente quando interroga as pessoas. Logo, Bannion percebe que há um esquema de corrupção que envolve não somente a polícia como a máfia local, liderada por Mike Lagana (interpretado por Alexander Scourby). Bannion irá ameaçar Lagana dentro de sua própria casa, o que faz os capangas do mafioso instalarem uma bomba no carro do sargento. Sua esposa irá usar o carro, o que vai detonar a bomba e provocar a sua morte. Bannion, revoltado, acusa todos os seus colegas e se desliga da polícia, iniciando uma investigação por conta própria, onde vai lançar mão de muita violência para desbaratar todo o esquema de corrupção.
O leitor pode até lembrar que tal enredo é muito visto em filmes de cultura de violência, ao melhor estilo de porrada, bomba e tiro que vemos hoje. Mas na época, isso era uma novidade, pois o cinema não mostrava tais questões de violência cotidiana de uma forma tão crua, como, por exemplo, explodir a esposa do homem que luta por justiça, o que o torna extremamente violento contra os algozes. E aí, a gente tem que tirar o chapéu para Glenn Ford, que foi mau que nem um pica-pau nesse filme, a ponto dele tentar estrangular a viúva do policial que se suicidou, já que ela estava envolvida no esquema. Não podemos nos esquecer que estamos falando do “mocinho” do filme. Ele agiu como um rolo compressor que não parava, impondo um baita de um respeito contra seus inimigos. Entretanto, devemos mencionar outra personagem aqui. Trata-se de Debby (interpretada por Gloria Grahame), namorada de Vince Stone (interpretado por um jovial Lee Marvin, de cabelos pretos e tudo), um dos capangas de Lagana. Ela procura Bannion depois deste dar uma dura em Stone em um bar. Mas Bannion, duro como uma pedra, nada quis com a moça.
Entretanto, Stone colocou um de seus capangas para vigiar a moça e, quando ela retorna à casa do bandido, este age de forma extremamente agressiva com ela, jogando café fervendo em seu rosto e deformando-a. Posteriormente, será a vez de Debby fazer o mesmo, conseguindo sua vingança. Ou seja, uma violência explícita e crua que deve ter chocado bastante na época. Parecia que Lang tinha elencado Gloria Grahame para papel de Cristo em seus filmes, já que ela também interpretou a esposa espancada e morta pelo marido em “Desejo Humano”, que também era estrelado por Glenn Ford (e já analisado aqui na Batata Espacial). Grahame também será “sacrificada” aqui, morrendo ao final do filme. Mas ela vai ter uma importância sobre o protagonista, devolvendo um pouco da humanidade a ele, a ponto de Bannion não matar Stone quando tinha a faca e o queijo na mão para isso. Talvez o maior castigo para Stone fosse passar o resto de seus dias com o rosto deformado pelo café fervendo e preso na cadeia. No fim, optou-se pelo “happy end”, com Bannion (com a ajuda de alguns amigos, diga-se de passagem) conseguindo desbaratar todo o esquema de corrupção, prendendo os envolvidos e voltando ao seu emprego. Até defendo um “happy end” aqui, dada a crueza e violência explicita que vimos nesse filme.
Dessa forma, “Os Corruptos” é um grande filme “Noir” de Fritz Lang, talvez um dos mais viscerais e agressivos ao público. Ele antecede os filmes de cultura de violência surgidos ali na década de 80, onde um herói sedento por vingança e muito violento detona todos os seus inimigos depois de ter sua família destruída por eles. Mas ainda ficou um traço de humanidade no protagonista graças à figura de Debby. Infelizmente, não temos o filme na íntegra. Fica aqui a cena em que Debby tem sua face desfigurada pelo café fervendo. Imaginem o impacto disso há sessenta e sete anos.