Dando sequência às nossas análises de episódios de Jornada nas Estrelas, retornemos à TNG e o episódio três da primeira temporada, intitulado “Código de Honra”.
A Enterprise chega ao planeta Ligon II para adquirir uma vacina importante para a população de outro planeta, o que vai exigir habilidades diplomáticas para tal. É uma sociedade que tem uma história muito parecida com a humana e muito orgulhosa de si. O líder do planeta, Lutan, é recebido dentro de todo o seu cerimonial, e fica impressionado pelo fato de a chefe de segurança, Tasha, ser uma mulher. Um de seus subordinados entrega a vacina a Picard, mas Tasha se antecipa e diz que precisa verificá-la antes. O subordinado manda a “Mulher” se afastar e Tasha lhe dá um golpe para jogá-lo no chão. Após o incidente, Picard convida Lutan para fazer um social e encobrir o mal entendido. Lutan aceita e a tripulação da Enterprise se afasta. O subordinado de Lutan pede desculpas a ele, mas Lutan diz que os humanos são povos com costumes estranhos e diz também que Tasha é o que ele precisa.
O encontro na nave vai muito bem e Picard oferece um presente da Terra. Picard pergunta se não pode oferecer mais uma cortesia e Lutan sugere fazer um treinamento de segurança com Tasha no holodeck. Tasha concorda. Riker, entretanto, fica ressabiado com isso, pois ele percebeu como os ligonianos ficaram surpresos em ver uma mulher no comando, pois são de uma sociedade patriarcal, como era várias sociedades humanas no passado. Tasha mostra um treinamento de aikidô e Lutan fica impressionado, enchendo Tasha de elogios. Mas na hora da despedida, Lutan leva Tasha à força da nave.
Picard tenta estabelecer contato com Lutan mas não recebe resposta. Como este é um povo que prima muito pela paciência, Picard decide, mesmo muito preocupado com Tasha, esperar. Crusher informa a Picard que não consegue replicar a vacina e que vai ter que obtê-la com os ligonianos, pois a doença que ela trata provoca uma morte terrível. E pede que Picard deixe Wesley entrar na ponte, o que ele faz. Data analisou mais a cultura ligoniana e viu que ela obedece um código de honra que muito valoriza atos heróicos. Lutan, ao seqüestrar Tasha, lançou mão dessa tradição para melhorar sua imagem. Lutan entra em contato e Data e Riker sugerem, que pela cultura ligoniana, Picard peça com educação que se devolva Tasha. Picard, que inicialmente foi ríspido com Lutan, faz o pedido de forma educada e Lutan os convida para descer. Riker não quer que Picard vá (o primeiro oficial que protege seu capitão) mas a tradição ligoniana exige a presença do capitão (uma justificativa para o capitão da nave descer numa missão arriscada com o grupo avançado, algo que era muito criticado em TOS).
Picard desce com Troi para se encontrar com Lutan, que apresenta a eles a sua esposa. Há toda uma formalidade e estranhamento cultural nesse encontro, pois Picard precisa seguir todo o cerimonial ligoniano e pedir perante o público num jantar a devolução de Tasha, que foi seqüestrada. Mas Picard não perdeu a oportunidade de ser um pouco sarcástico quanto à todo aquele cerimonial. Pisando em ovos, essas duas culturas combinam em se encontrar para o jantar (um detalhe aqui: os ligonianos são todos negros e se vestem com motivos um tanto orientais, se aproximando do árabe).
No jantar, Picard faz todo o cerimonial para pedir Tasha de volta, bem diplomático como ele o é. Lutan diz que ele foi muito correto em seu pedido, que vai dar a vacina, mas que quer Tasha como sua “primeira”. A então “primeira” de Lutan evoca a tradição e propõe um duelo até a morte com Tasha. Picard se nega e Lutan diz que se ele se negar, não dará mais a vacina. Numa conversa entre Tasha, Picard e Troi, esta última, que percebe como Lutan é um macho alfa bem primário, diz que tudo isso seria bem mais simples sem a Primeira Diretriz. E Picard diz que pensou o mesmo.
A doença avança no planeta que precisa da vacina e, tanto Troi quanto Tasha dizem que é melhor a útima aceitar o duelo, pois Tasha acredita que terá poder para vencer e dar a Picard a capacidade de barganha com Lutan. Picard vai falar com Lutan e diz que vai ordenar que Tasha lute. Fica claro na conversa que a estrutura patriarcal do planeta dá ao homem as terras que as mulheres possuem e que Lutan não tem tantas terras assim. Lutan não tem nada a perder nesse desafio então.
Picard pede que Data e La Forge desçam e analisem as armas ligonianas para Tasha saber o que espera. Riker fica de sobreaviso de transportar Tasha caso a vida dela corra risco. Tasha pede para conversar com a primeira e diz a ela que não luta por Lutan, somente pela vacina e tenta evitar o combate. A primeira diz que pode matar Tasha e que o combate deve ocorrer. La Forge e Data examinam as armas e verificam que elas são muito mortais e adequadas para uma mulher manusear. Um pouco antes da luta, Picard pergunta a Tasha se ela quer lutar e se está preparada. A chefe de segurança diz que está bem preparada para lutar. Mas, ao ver as armas e a primeira treinando, deu aquele medinho em todos da tripulação. Data sobe à Enterprise para passar instruções de Picard a Riker, que não sabemos de antemão.
A luta começa, muito equilibrada. Quando a primeira quase é golpeada por Tasha, o subordinado de Lutan pede que ela tenha cuidado e Lutan lança um olhar sobre ele. Tasha atinge a primeira com uma luva cheia de espinhos com veneno e se joga sobre ela, que está deitada. As duas são teletransportadas para a Enterprise. Crusher atende a primeira para neutralizar o veneno. Na superfície do planeta, Picard acerta tudo com Lutan, já que a sua primeira foi derrotada, e as vacinas serão entregues. Tasha irá com Lutan se quiser. Mas Picard acaba transportando todo o grupo avançado, Lutan e seu subordinado de surpresa para a Enterprise. Lá, a primeira está viva e Lutan quis desfazer o acordo da vacina. Crusher diz que a primeira ficou morta por alguns instantes e foi trazida à vida, está tudo nos registros médicos. A primeira diz que, com sua morte, o acordo matrimonial está desfeito e Lutan perde todas as suas posses. A primeira diz que ouviu o subordinado chamando por ela na luta e decide se casar com ele, passando todas as suas posses para o novo marido e deixando Lutan como seu número dois. Tasha, que tinha alguma atração por Lutan, diz que ele perdeu tudo. A primeira pergunta se Tasha quer Lutan, mas ela diz que não, que haveria complicações. O antigo subordinado, agora líder, diz a Picard que sua sociedade pode não ser desenvolvida tecnologicamente, mas que é muito civilizada. Picard assente respeitosamente com a cabeça mas com uma expressão cheia de ironia.
O episódio termina com Wesley deixando a ponte depois de ajudar a Riker, e a nave se dirigindo ao planeta que precisa a vacina.
O que podemos dizer do episódio “Código de Honra”? Em primeiro lugar, é mais um clássico episódio de choque cultural e da não violação da Primeira Diretriz. Para isso, deve-se colocar a cuca para funcionar na hora de atuar. E aí é que está a graça do episódio. Nada de cenas de ação que atropelam tudo, onde o uso da força é a atração. Mas sim é tudo uma questão de jeito, onde a inteligência é que dá as cartas. A cultura ligoniana não era de todo estranha, pois lembrava muito algumas das culturas antigas da Terra, excessivamente patriarcais e machistas. Um código de honra cheio de regras obrigava os tripulantes da Enterprise a pisarem em ovos, ainda mais quando houve o seqüestro de Tasha, considerado um ato de guerra nas regras da Federação, mas uma formalidade para elevar a imagem do líder local. Apesar da situação complicada, foi um deleite ver o Picard das antigas lançando mão de toda a sua diplomacia, não sem uma ironia fina que era uma atração à parte. Uma certa má vontade contra a Primeira Diretriz é notada, principalmente na boca de Troi que, também pudera, estava revoltada contra a posição submissa da mulher na cultura ligoniana. Agora, o que foi muito curioso ver a atração física de Tasha para com Lutan, mesmo que ele tenha a seqüestrado. Mesmo sabendo que um relacionamento a dois não daria certo (seria “complicado”) Tasha chegou a se preocupar com Lutan quando ele perdeu todo seu poder e posses. Uma coisa que incomodou um pouco foi a cara dada aos ligonianos, todos negros e com motivos orientais que se aproximavam um pouco da cultura árabe, representando uma cultura ancestral, machista e patriarcal, em oposição aos brancos desenvolvidos, tecnológicos e tolerantes da Federação, onde La Forge é a exceção que confirma a regra (e num episódio onde não tivemos a presença de Worf). Confesso que isso me incomodou um pouco, pois se aproximou bastante do discurso civilização X barbárie que víamos no processo imperialista do século XIX e início do século XX, cuja expressão mais aguda seriam os regimes fascista e nazista.
O desfecho do conflito foi usado com muita inteligência. Ao teletransportar a primeira e Tasha para a Enterprise e salvar a primeira, que esteve morta por instantes, a cultura local não foi violada e o problema foi solucionado, pois Lutan perdeu sua autoridade e Tasha ficou livre. Tal desfecho resgata o que temos de melhor em Jornada nas Estrelas, pois resolve-se os conflitos não com a força, mas sim com a cuca.
No mais, tivemos alguns momentos cômicos e interessantes com Data que, na sua aproximação aos seres humanos, ele tenta contar piadas a La Forge e não consegue tirar graça quando tem essa intenção, mas consegue ser bem engraçado quando não o quer, e aí essas experiências somente deixam o andróide ainda mais intrigado com os humanos.
Dessa forma, “Código de Honra” é um bom episódio de TNG, pois lida com a questão do estranhamento cultural, do respeito à Primeira Diretriz e com a resolução do conflito pela inteligência e não pela força. É tudo uma questão de jeito.