E chegamos ao terceiro episódio de Jornada nas Estrelas Lower Decks, intitulado “Temporal Edict”. Esse foi um episódio mais fraco que o terceiro, mas ele trouxe alguns elementos dignos de discussão. Para podermos analisar esse episódio, vamos liberar os spoilers.
O episódio começa com Boimler tocando violino para uma plateia entediada. Mas, de repente, Mariner e Tendi entram com um amplificador, guitarra e bateria eletrônica, fazendo bastante barulho, o que atrapalhou a comunicação da nave com uma ave de rapina Klingon. O oficial sênior de segurança vai aos decks inferiores para parar com o barulho. Nesse momento, Mariner e Tendi terminam sua apresentação para uma plateia estarrecida. Boimler recomeça sua apresentação de violino e o chefe de segurança quebra o instrumento, pensando que é Boimler quem estava fazendo aquele barulho todo.
Após esse incidente inicial que, parece, não terá nada a ver com a história, assim como ocorreu na semana passada (é somente uma espécie de piada inicial), a Cerritos se encaminhava para uma missão diplomática com os cardassianos, só que ela foi remanejada para os vulcanos, para o desespero da capitâ Freeman, que muito havia se preparado, falando de forma muito desrespeitosa com sua superior. Em vez disso, a Cerritos foi designada para ir ao planeta Gelrak 5 para missão diplomática de segundo contato. A capitã acha que a Cerritos é desrespeitada, pois sua tripulação é muito preguiçosa.
Nos decks inferiores, os protagonistas tomam uma bebida depois de calibrarem o campo de força da prisão. Tendi pergunta se não seria adequado eles dizerem que já terminaram aquela tarefa e é dito que eles fazem algo muito semelhante ao que Scotty fazia: aumentar o tempo de resolução da tarefa para ficarem com fama de fazedores de milagre. Assim, violando o protocolo (algo que tem sido muito discutido entre os fãs quando veem a série), eles ganham um pouco de tempo livre durante o trabalho. Boimler, é claro, não gosta disso, mas é a cultura dos decks inferiores. Mas a capitã está de olho nesse “tempo de enrolação” e, sem querer, Boimler dá com a língua nos dentes quando a encontra no turboelevador. A capitã. Então, impõe uma rígida disciplina de trabalho, baseada em cumprimento de metas no menor tempo possível, o que estressa toda a nave, menos Boimler, cujo trabalho é dar ordens em seus subalternos.
Uma nave auxiliar desce a Gelrak 5 para estabelecer o segundo contato com os habitantes. Eles devem receber de presente um pedaço de cristal que a nave auxiliar levaria numa caixa. Mas as atividades cronometradas pela ponte de comando fizeram com que o cristal fosse substituído por um pedaço de madeira, o que despertou uma verdadeira guerra na superfície, com a tripulação do grupo avançado sendo severamente atacado. Mariner, que está no grupo avançado, reage com violência ao ataque, mas o primeiro oficial Ransom decide ser diplomático e se dá mal.
Os galrakianos invadem a Cerritos e a capitã, que precisa fazer tudo na ponte, pois seus oficiais estão extenuados, ordena que a tripulação não deixe de fazer as suas atividades e, ao mesmo tempo, defenda a nave do ataque, ao bom estilo multitarefa do capitalismo.
Na prisão na superfície do planeta, vemos um claro embate entre Mariner e Ransom, a primeira defendendo a quebra de protocolo para fazer “o que deve ser feito” e o segundo defendendo o protocolo para a não violação de regras, insistindo na diplomacia. Mas, quando ele vai começar a fazer o seu discurso, o líder do planeta chega e diz que um do grupo avançado terá que fazer uma luta de vida ou morte com o campeão local, e o grupo avançado somente será libertado se o campeão local for derrotado. Mariner e Ransom começam uma luta selvagem para decidir quem vai lutar.
Na nave, Boimler alveja alguns gelrakianos e não entende por que o alerta vermelho está ativado por causa deles. Ao chegar à ponte, ele vê a capitã mexendo ao mesmo tempo em vários controles, pois a tripulação está extenuada. Boimler percebe que a escala de serviço cronometrada é a responsável por todo o caos. Os gelrakianos começam a invadir a ponte.
Na prisão, Mariner faz todo um discurso por que gosta de quebrar o protocolo e mostra as várias cicatrizes das brigas em que se meteu. Ransom, parecendo concordar com ela, mete um cristal no pé da moça, inutilizando-a para a batalha, e diz que não vai deixar que um tripulante seu corra risco, pois pensa na equipe e vai heroicamente para a batalha com o lutador local, que é severamente derrotado. Na verdade, o lutador local é um cara que não gosta de violência e “lê livros”. Mariner, ao ver Ransom lutando, sente um certo tesão por ele. O grupo avançado está livre.
Na ponte, Boimler consegue convencer que a capitã precisa dar de volta à tripulação o “tempo de enrolação” e a quebra de protocolo. A capitã dá essa ordem e fala para todos largarem o que estão fazendo para defender a nave dos invasores, que agora são facilmente controlados na base da agressão e da violência da tripulação. Os gelrakianos são expulsos da Cerritos.
Um novo grupo avançado desce à superfície do planeta, dando agora o cristal, restabelecendo as relações diplomáticas. Ransom vai à enfermaria pedir para ela esperar um pouco para escrever o relatório onde é dito que ele quebrou o protocolo e furou o pé dela com um cristal, pois isso é corte marcial certa e ele precisa empacotar suas coisas para sair da nave. Mariner diz que não vai escrever nenhum relatório, pois gostou de ver ele quebrar o protocolo. Quando parece que vão dar um beijo, Ransom chama a segurança e a manda para a prisão, pois ela não obedeceu a ordem de desarregaçar a manga do uniforme. Mariner, revoltada, vai com os guardas. Já a capitã diz a Boimler, que criou o chamado “Efeito Boimler”, onde os tripulantes têm o direito a não seguir os protocolos quando acharem conveniente, para desespero do alferes, que sempre segue as regras. Ele conta isso para os amigos que dizem que esse será só mais um efeito que será esquecido no futuro. Mas numa aula num futuro distante, o efeito Boimler é visto como um grande feito do alferes para a Federação, só perdendo para os feitos do maior nome de todos os tempos: o Chefe Miles O’Brien. Fim do episódio.
O que podemos dizer do episódio “Temporal Edict”? Em primeiro lugar, esse é um episódio sobre quebra de protocolo, algo muito discutível. O protocolo foi colocado dentro da lógica de produtividade do sistema capitalista do século 21, dentro da visão multitarefa (ou de mais valia). Ou seja, foi encontrada uma justificativa no século 21 parra se quebrar as regras no século 24, algo um pouco desonesto. A “operação tartaruga” dos tripulantes dos decks inferiores também lembra muito a “fama de fazedor de milagres” de Scotty, que multiplicava por quatro as suas estimativas de tempo de consertos. A nave, ao entrar no modo multitarefa, entra em colapso e a saída é quebrar o protocolo, sugestão dada ironicamente por Boimler, o cara todo certinho que cumpre todos os protocolos.
Nesse episódio, porém, o relacionamento entre os personagens protagonistas não foi trabalhado. Foi dito no episódio anterior por alguns fãs que Mariner está se aproximando perigosamente de uma Michael Burnham em termos dela ser uma personagem ao estilo sabe-tudo. Mas eu confesso que vejo algumas diferenças aqui, ainda mais depois desse episodio. Se a protagonista de Discovery é vista como a que sempre tem razão e todos a bajulam, Mariner não tem a mesma sorte na Cerritos, sendo vista como uma irresponsável que quebra as regras pelos seus oficiais sêniors superiores. O relacionamento altamente tenso entre Mariner e Ransom nesse episódio não me deixa mentir. E os atos heróicos de Mariner foram barrados pelo primeiro oficial, que, apesar de ter quebrado uma regra, enfiando o cristal no pé de Mariner, ainda assim zelou pelas regras e protocolos na situação de crise do planeta. Para piorar a situação, Mariner ainda foi presa por violar os protocolos, depois de admirar a quebra de protocolo de Ransom justamente com seu pé. A paixonite da moça pelo primeiro oficial morreu ali mesmo, despertando uma relação de revolta e ódio entre os dois, num climão bem pesado. Assim, se Mariner quer ser uma espécie de Burnham, isso não significa que ela tenha a aprovação da tripulação da nave para isso.
Dessa forma, “Temporal Edict” é um episódio menos simpático que o da semana anterior, pois coloca a questão da quebra de protocolo dentro de uma visão maniqueísta e injusta, pois associa às regras do século 24 a um regime exploratório típico do capitalismo do século 21. Pelo menos, no que se refere à Mariner, o episódio mostrou que a personagem não teve uma vida fácil nesse episódio, mostrando que um endeusamento que foi dado a Burnham em Discovery teve obstáculos nesse episódio ao menos.