O segundo episódio de Jornada nas Estrelas Discovery trouxe mais uma boa surpresa, já que tivemos a oportunidade de, sem a Michael Burnham, ver a tripulação da nave tendo o seu espaço na série, talvez de uma forma que a gente nunca tenha visto. Vale mencionar aqui que esse episódio, assim como o primeiro, também foi escrito pela trinca Paradise – Lumet – Kurtzman. Para podermos analisar esse episódio, os spoilers, como sempre, estarão liberados.
Mas, vamos primeiro falar do plot. O episódio começa com a tripulação da Discovery chegando ao futuro. A nave, descontrolada, cai num planeta gélido. Na queda, Detmer fica com um problema na audição. Como ela está com um ferimento na cabeça, Saru a manda para a Enfermaria. A nave precisa de muitos reparos, para torná-la navegável, assim como as comunicações, pois eles precisam desesperadamente contactar a Michael. É nesse momento que Saru começa a tomar destaque no episódio, dizendo que todos estão juntos e vivos, tendo que trabalhar em pares. Ou seja, o capitão, num tom um tanto solene, mas muito necessário, estimula a sua tripulação a trabalhar em equipe. E será isso que veremos ao longo do episódio: pequenas equipes trabalhando no objetivo comum de recuperar a nave.
Tilly descobre pelas suas análises que o planeta é habitado. Georgiou aparece e quer por que quer que as comunicações sejam prioridade. Mas Saru acredita que a prioridade é tornar a nave navegável, até por que eles estão num local desconhecido e não sabe se são bem vindos.
Stamets é tirado do coma induzido por Culber, mas ainda não pode trabalhar na nave, precisando passar por ciclos de regeneração celular. Detmer, por sua vez, é examinada e liberada, mas ainda se sente muito estranha. Ela passa por Culber, que estranha seu comportamento.
Georgiou continua a bater na tecla do reparo das comunicações, mas Tilly fala que é necessário rubídio para isso. Há rubídio no planeta e outros minerais. Tilly percebe que os habitantes do planeta têm tecnologia de dobra mas não têm dilítio. Saru diz que um grupo avançado vai entrar em contato com os habitantes do planeta, mas pouco se revelando para essa cultura do futuro e com uma negociação pacífica. Georgiou, ao bom estilo do Universo Espelho, quer agir com agressividade. Mas Saru é bem firme com Georgiou e insiste nos ideais da Federação. Isso foi outro ponto positivo para Saru, que mostra sua liderança enquanto kelpiano mais agressivo, sem perder seu tom solene. Saru escolhe Tilly para o grupo avançado e Nhan e Georgiou não acreditam. Georgiou, inclusive, faz pouco da inteligência de Tilly, o que a deixa ofendida. Mas Saru insiste em Tilly e ainda manda Georgiou auxiliar nos reparos da nave para ela levantar voo ( se as comunicações forem restauradas, a nave também precisará levantar voo). Georgiou sai da sala contrariada, antes de Saru dispensá-la.
Stamets, indo contra as orientações médicas, vai para a engenharia consertar alguns equipamentos, mas fica com Reno em seu pé. Os dois estão claramente em más condições de saúde. Stamets precisa entrar num tudo jefferies para fazer um conserto, mas não têm condições. Reno pede para que ele aceite que não está bem para fazer o trabalho, mas Stamets insiste e se enfia no tubo. Ele se fere e Reno pede a uma tripulante que Culber seja chamado para ir lá.
Saru e Tilly vão para a superfície do planeta. A alferes, que até agora tinha tido boas falas, dispara algumas falas desnecessárias, mas alega fazer isso porque está com medo. Saru, calmamente, diz que ela pode continuar a falar. Tilly então agradece a Saru por pedir para acompanhá-lo e pergunta por que ele a escolheu. Saru diz que precisava de uma engenheira de sua confiança. Tilly diz que Georgiou a acha inútil, mas Saru rebate dizendo que eles estão se apresentando para o futuro e que Tilly é uma maravilhosa primeira impressão, fazendo algumas lágrimas brotarem nos olhos de Tilly (que fofo, desse choro eu gostei!!!). Eles avistam uma pessoa que os vê e vai embora. É o primeiro contato. Saru e Tilly chegam a uma espécie de construção com alguns alienígenas que lhes apontam as armas. Saru calmamente diz que não quer fazer mal a eles. Os alienígenas suspeitam que eles são da Frota Estelar, mas querem provas. Tilly cita um parágrafo do regulamento que fala da importância de oficiais demonstrarem comportamento condizente a um oficial, e é por isso que Saru e Tilly mantêm uma postura calma sob a mira das armas dos alienígenas. Isso convence um deles que abaixa a arma e diz que é Kal, além de dizer que Saru e Tilly irão ajudar, pois isso faz parte deles. Tilly diz que a Discovery tem dilítio, o que desperta a atenção dos alienígenas e eles fazem um acordo de ajuda mútua. Mas há um problema: é Zareh, um transportador que traz mercadorias para aquela comunidade, explorando-a e lançando mão de muita violência. Ele chega já sabendo da Discovery. E quer ir a ela para pilhá-la. Ainda, Zareh percebeu que Saru e Tilly eram viajantes do tempo pelo rastro de raios gama de alta energia e as ondas gravitacionais. Em suma, Zareh era um observador muito arguto par juntar as peças e saber tudo sobre a Discovery. Zareh mata Kal, pois ele ajudou Tilly a consertar uma peça da Discovery. Zareh quer o dilítio da Discovery e diz que, ao anoitecer, o gelo sobre a nave aumentará e a esmagará com os tripulantes dentro. Saru e Zareh negociam o dilítio e o vilão encarrega Tilly de ir buscá-lo, tomando cuidado com o gelo ao anoitecer.
Georgiou sai da Discovery e é achada pelos capangas de Zareh, sendo levada a ele. Georgiou, atrevida como ela só, diz que há outras quadrilhas de transportadores (como ela soube disso?) chegando e que são mais poderosas que as de Zareh. Ele se irrita e atira em Georgiou com a arma numa intensidade mais baixa, a fim de torturá-la. Saru pede para Tilly ir para trás do balcão. Georgiou reage e começa a cena de ação do episódio, com direito a muita porrada e tiro, além de Saru matar alguns com seus espinhos voadores (uau!!!). Só sobra Zareh sob a mira da arma de Georgiou, mas Saru impede que ela o mate, lembrando dos ideais da Federação. Mas o sol se pôs e a Discovery começa a ser mais severamente esmagada. Com as instruções de Reno, Stamets faz os reparos necessários e liga a nave.
Saru insiste que Georgiou entregue a arma. Zareh exige que os alienígenas matem os tripulantes da Discovery, lançando mão de ameaças. Tilly dá uma garrafada na cabeça de Zareh e ele desmaia. Saru exige que a arma seja entregue e alega que ele é o capitão interino. Georgiou aponta a arma para a cabeça de Saru e a desativa, entregando-a ao kelpiano cheia de deboche. Saru diz aos alienígenas que dará dilítio para eles e que deixará a nave de Zareh com eles, assim como serão eles que decidirão o destino de Zareh, que é expulso para fora e para a noite com o gelo ameaçador. O alienígena dá para eles um transporte pessoal para irem diretamente à Discovery.
A nave está pronta para partir e com comunicações, mas ainda sem tático. O problema será sair do gelo. Uma nave desconhecida chega e fica acima da Discovery. Tudo leva a crer que são transportadores ainda mais poderosos e violentos que Zareh. Essa nave aciona um raio trator para cima da Discovery, que a arranca da camada de gelo. A comunicação, escudos e armas ficam operantes. Mas Saru diz para abrir um canal de comunicações, para desespero de Georgiou. Ao abrir o canal, eis que aparece… Michael!!! Choradeira geral. E a prova de que, se não há dilítio no século 32, pelo menos há muitos dreads na cabeça da protagonista. Será que ela conseguiu no mercantil? De qualquer forma, Michael diz que chegou um ano antes e que estava procurando a Discovery desde então. Fim do episódio.
O que podemos dizer do episódio “Longe de Casa”? Em primeiro lugar, como já dito acima, a ausência de Michael no episódio deu a oportunidade para a tripulação da Discovery aparecer bem mais, trabalhando em pequenas equipes, como Saru bem assinalou no início do episódio. O papel que o kelpiano desempenhou no episódio foi o melhor de todos, pois ele exaltou o trabalho em grupo e foi o maior porta-voz dos ideais da Federação, aliando-se solenemente ao fandom mais antigo. Foi delicioso também ver Saru bater de frente com Georgiou, mostrando que ele é o capitão e, apesar de ser altamente solene e respeitoso, sua espécie também já não é mais medrosa e pode, inclusive, ser bem agressiva, como vimos na cena de ação, onde Saru saiu tacando espinhos venenosos geral na galera. Ou seja, Georgiou sabe bem disso e tem consciência de que não pode ultrapassar certos limites. Ainda assim, ela agiu de forma bem debochada no episódio e o kelpiano bem poderia tê-la confinado em seus aposentos num momento do episódio que não evitasse que ela fosse enfrentar Zareh. Ou seja, a violação à hierarquia militar ainda é algo presente em Discovery, o que incomoda.
Confesso que gostei muito de Tilly nesse episódio. Ela falou bem menos besteiras, não indo na direção do non sense e até do ridículo, que era o que matava a personagem. Sua relação com Saru teve uma química e tanto, com o capitão interino apoiando-a incondicionalmente e a valorizando, justamente depois de Georgiou ter sido bem agressiva com a alferes. As lágrimas dela foram o momento fofinho do episódio, e que encaixaram muito bem, aumentando a simpatia pela personagem. É claro que a garrafada que ela deu na cabeça de Zareh também foi show.
O episódio teve uma história A, onde Saru e Tilly fazem primeiro contato com o povo do planeta e onde a diplomacia do kelpiano pôde aparecer em toda a sua plenitude, além de ser história em que houve a cena de ação, por ordem e graça de Georgiou. Por outro lado, a história B foi também muito interessante, pois tivemos alguns sub-núcleos (o problema auditivo de Detmer, que espero que continue sendo mencionado no próximo episódio; o relacionamento entre Stamets e Culber e entre Stamets e Reno). Essa diversidade de personagens e suas pequenas histórias é que deixaram o episódio interessante e, ainda mais, tornaram esse episódio melhor que o anterior.
Só foi chato ver aqueles diálogos desnecessários novamente, flertando com o non sense. Refiro-me a algumas passagens de Reno com Stamets ou de Georgiou com Nhan. É uma coisa chata e sem-graça, podendo ser totalmente cortada do episódio. Mas parece que Paradise e Kurtzman fazem muita questão desses diálogos completamente mancos.
Por fim, a aparição da Michael. Uma emoção contida da protagonista é mais uma prova de que os roteiristas parecem querer tirar o estigma de chorona da protagonista. Mas o que chamou a atenção mesmo foram os dreads. Por que eu acho importante falar disso? Bom, a Michael é a protagonista da série e ela foi originalmente concebida para ser o símbolo do empoderamento feminino. Um dos grandes símbolos do empoderamento feminino é a Mulher Maravilha, interpretada por Gal Gadot. Algumas fãs têm uma postura crítica sobre a personagem, pois ela ainda cairia nos estereótipos de objeto sexual, além do fato de que um cabelo vistoso e solto não é algo adequado em canas de ação e luta, pois simplesmente o cabelo gruda na cara. A impressão que vimos na construção da personagem de Michael nas duas primeiras temporadas é a de que tivemos o extremo oposto a isso: cabelos curtos e uma ocultação total à beleza feminina. Bom, minha opinião masculina e heterossexual a respeito disso é aquela antiga e ancestral frase: “Nem tanto ao céu, nem tanto ao inferno”, ou seja, a mulher empoderada não precisa abdicar totalmente de sua beleza e essa beleza pode ser bem funcional. Não sei até que ponto os dreads são funcionais ou não para cenas de ação, mas foi bom ver uma mudança de visual na Michael. Está parecendo que os roteiristas tomam atitudes para que a protagonista da série fique mais simpática aos olhos do público. Ou seja, apesar de Discovery não ser uma unanimidade (e dizem que toda unanimidade é burra), não podemos negar, depois desses dois episódios, que quem produz a série tenta fazer algumas mudanças. Que eles tenham êxito em melhorar as coisas.
Dessa forma, “Longe de Casa” é um bom episódio de Jornada nas Estrelas Discovery, pois tivemos mais personagens sendo trabalhados, com destaques especiais para Saru e Tilly. Mas os sub-núcleos de histórias dentro da Discovery em si foram bem interessantes. Esperemos que as virtudes dos dois primeiros episódios sejam preservados nos próximos e os defeitos sejam descartados, principalmente aqueles diálogos desnecessários e constrangedores.