E finalmente chegamos ao último episódio da terceira temporada de Jornada nas Estrelas Discovery, com o título “Minha Esperança É Você, Parte 2”, que confirmou algo que sempre ficou perambulando ali pelo ar, mas que alguns queriam que não acontecesse até pelo bem da série: Michael Burnham se torna a capitã da Discovery. Por que isso não foi bom para a série, a meu ver? Porque confirmou a sacralização da personagem, e a certeza absoluta de tudo o que ela faz é certo, dando-lhe uma aura de onipotência e infalibilidade, estando muito acima dos demais personagens. Seria mais crível e interessante que seus defeitos (que existem) fossem mais explorados, como o foram ao longo dessa terceira temporada, em comparação com as demais temporadas de Discovery. Mas vamos analisar o plot do episódio, com os spoilers de sempre, episódio esse escrito por Michelle Paradise.
O plot começa na História B, onde Saru ainda tenta convencer Su’Kal de que ele deve sair de seu mundo imaginário do holodeck e encarar o mundo lá fora. Culber diz que a radiação deve ter aumentado, pois o casco da nave deve ter sido rompido depois de um ataque de medo de Su’Kal. Saru não sabe mais o que dizer sem amedrontar Su’Kal e provocar uma nova Combustão. Culber, sempre mandando os outros dizerem o que deve ser dito (e ele nunca faz isso, justamente o cara que tem mais jeito ali), fala que Saru deve dizer que é kelpiano para buscar uma identificação com Su’Kal e aí falar que existem outras perspectivas. De repente, surge Adira, com seu rosto todo modificado pelo holodeck, parecendo um destaque de escola de samba. Ela dá os remédios aos dois,o que vai dar mais algumas horas para eles. O namoradinho do cabelo azul aparece também nesse mundo de holodeck, com cara de vulcano. Saru e Culber podem ver o menino, por causa do holodeck e Culber dá um abraço fraterno nele, no momento fofo do episódio final (a aparição do menino foi para que esse abraço acontecesse, num momento de melodrama).
Já na História A, a Viridian ataca a sede da Federação. Vence organiza um contraataque, inclusive contra a Discovery. A Federação estará acabada se Osyraa conseguir o motor de esporos. Osyraa ordena que Aurelio use o soro da verdade em Book. Enquanto isso, a tripulação da Discovery avança contra a ponte sob tiroteio cerrado. O problema é que Osyraa ordena o desligamento do suporte de vida onde a tripulação da Discovery está. Na sede da Federação, Stamets pede a Vence que a Discovery não seja destruída e ele quer ir com a nave para a nebulosa salvar Culber, Adira e Saru. Mas Vence diz que Michael fez a coisa certa afastando Stamets da Discovery e ordena que o Chefe de Engenharia fique bem longe dali para o motor de esporos não ser acionado, para o desespero de Stamets. A Discovery consegue abrir uma brecha nos escudos da sede da Federação, mas os vulcanos mandam naves para ajudar a Federação contra a Corrente Esmeralda. Osyraa ordena que se use pesticidas nas naves vulcanas. Mas Michael convence Osyraa a entrar em contato com a Federação e deixar a Discovery e Viridian irem embora, com o objetivo de evitar a matança dos vulcanos. Vence aceita, meio contrariado. A Discovery, Viridian e as naves vulcanas entram em dobra. Na Enfermaria, o efeito do soro da verdade demora para acontecer em Book, mas Osyraa não quer esperar e pretende torturá-lo, a menos que Michael o faça falar a verdade. Aurelio não quer que se use de violência, mas Osyraa finalmente mostra seu lado perverso a ele, estrangulando-o até fazê-lo dormir e começa a torturar Book. Depois de ver Book sendo muito torturado, Michael finalmente cede e vai pedir a Book para entregar o caminho para o dilítio da nebulosa. Mas num movimento mirabolante, Michael liga um conveniente campo de força de quarentena dentro da Enfermaria que a isola de Osyraa e Zareh e a moça foge com Book por uma porta lateral. Michael passa uma mensagem em código para Tilly (ela também teve tempo de roubar um comunicador), que diz que a tripulação deve tentar danificar uma nacele para tirar a Discovery da dobra. Mas a tripulação já não consegue respirar com a exceção de Owo, que consegue manter a respiração presa por mais tempo que os demais. Já Michael e Book se trancam num turbo elevador sob fogo cruzado. Zareh e seus capangas abrem a porta do elevador, mas Book e Michael estão do lado de fora do elevador com aquela visão ridícula do interior da Discovery, que parece fazer a nave ter três vezes o seu tamanho. O tiroteio recomeça. Michael se joga em outro elevador e vai até o núcleo de dados da nave, onde está Osyraa. As duas trocam tiros e porradas ao mesmo tempo. Já Book sai no braço com Zareh no elevador. Owo consegue danificar a nacele e a Discovery sai de dobra. Um robozinho vai salvá-la, pois ela já está quase que totalmente sufocada. Osyraa ordena que a Viridian puxe a Discovery para dentro de si. No elevador, Zareh sacaneia a gata de Book e ele fica puto da vida, jogando Zareh lá embaixo (inacreditável). Osyraa enfia Michael numa parece cheia de cubinhos, mas a heroína sai e, com dois tiros bestas, mata a vilã (eu esperava algo mais apoteótico aqui). Burnham dá um boot na Discovery e recupera os sistemas de suporte de vida, além de, literalmente, mandar os capangas de Osyraa para o espaço. E pede que, quem estiver ouvindo, se apresente a ponte (já age como capitã). Owo acorda e percebe que foi salva pelo robozinho, que pifa. Os demais tripulantes estão vivos e vão para a ponte se encontrar com Michael, onde Tilly praticamente entrega o posto de capitão de mãos beijadas para a protagonista. Burnham pretende ejetar o núcleo de dobra para explodir a Viridian e libertar a Discovery. Mas, como fazer com que a Discovery não exploda junto? Seria acionando o motor de esporos. E aí, num passe de mágica para a conveniência do roteiro, Aurelio diz que Book é de uma espécie empática e que ele poderia acionar o motor de esporos como Stamets. O núcleo de dobra é ejetado, mas a Discovery não salta com o motor de esporos. O reator de dobra, sobrecarregado, na iminência de explodir, e a Discovery não salta. De repente, vemos a Viridian explodir.
Na História B, Saru começa a conversar de seu passado em Kaminar com Su’Kal. E abre o jogo, dizendo que é kelpiano como Su’Kal. Saru volta a mencionar o mundo exterior, mas Su’Kal não gosta disso porque ele menciona que os hologramas falaram a ele que a Federação o iria buscar, mas isso nunca aconteceu. Saru então fala que isso não aconteceu por causa da Combustão, que incapacitou as naves. Mas o importante é que a Federação está lá agora, graças à mãe de Su’Kal que fez contato e que criou esse mundo para proteger o filho. Su’Kal pede para Saru esperar e atravessa uma porta onde estaria o mundo dos kelpianos na simulação. Depois de algum tempo, Su’Kal retorna e diz que Kaminar não mais está lá. Saru, com muito jeito, continua a explicar que Su’Kal deve sair daquele mundo holográfico e encarar o mundo exterior, mas a criatura holográfica que o persegue aparece e ele fica cheio de medo. Saru diz que essa criatura o está ajudando a encarar seus medos. Já Culber, Adira e seu namoradinho estão procurando uma forma de contato e chegaram a um ponto onde a radiação é crítica. Como o namoradinho não é corpóreo ele vai até esse ponto e atravessa os limites do holograma, vendo que há mesmo um rombo no casco por onde entra a radiação, com a nave se desfazendo perigosamente. Aí, fica a pergunta: com esse rombo, a radiação não invadiria todo o holodeck e o tornaria crítico em todo o seu interior? Por que a radiação fica mais concentrada perto do rombo? Bom, como a série parece não ter consultor científico e seus roteiristas parecem estar mais preocupados com a fantasia ao invés da ficção científica… Falando nisso, Culber explica para Adira como Su’Kal foi responsável pela Combustão, confirmando o que vimos há dois episódios, só que desta vez a tecnobabble ficou ainda mais viajante. Ou seja, para dar algum arremedo de ficção científica a essa situação fantasiosa, a explicação ficou tão esdrúxula que é melhor a série se assumir como de fantasia de uma vez. Voltando a Saru e Su’Kal, o primeiro, finalmente com a ajuda de Culber, convence o kelpiano medroso a atravessar a porta que sempre foi vista como algo perigoso para Su’Kal. Essa porta dá para a nave. Su’Kal diz que não vai nesse lugar desde criança. O namoradinho fica chateado porque quando o holograma desligar, ele vai ficar somente visível para Adira novamente. Mas Culber diz que eles vão procurar um jeito de tornar o menino visível para todos novamente. Su’Kal desliga a holografia e agora a nave se mostra toda, com corpos cobertos por plásticos e um corpo decomposto descoberto. É sua mãe. Su’Kal pede ao computador para mostrar o que ele viu ali quando criança, para que ele possa se libertar de seu trauma. Vemos um Su’Kal ainda criança conversando com sua mãe agonizante. Ela cai morta na frente do filho, que grita e provoca a Combustão. O Su’Kal adulto olha para o corpo decomposto da mãe. Saru, já como kelpiano, fala que a mãe de Su’Kal não gostaria de vê-la morta. Su’Kal diz que estava sozinho. Saru responde dizendo que ele não mais está sozinho. Su’Kal se vira e vê Saru como kelpiano. Eles tentam se comunicar com a Discovery, sem sucesso. A mãe de Su’Kal ainda deixa uma mensagem de agradecimento para os que resgataram seu filho e pede que ele seja levado para sua família em Kaminar. Su’Kal percebe que foi ele que causou a Combustão e quer reparar o erro. Saru diz que não foi culpa dele, que Su’Kal não tinha como saber que foi ele. Saru ainda diz que vai ajudar Su’Kal, ou seja, são os roteiristas encontrando uma saída muito conveniente para tirar Saru do caminho de Michael para essa assumir a Discovery como capitã. E isso, pois lembramos o quanto Saru era comprometido com a tripulação, a nave e os ideais da Federação. Mas bastou um kelpiano assustado para ele jogar tudo isso no lixo. Uma conveniência de roteiro forçadíssima para favorecer a Michael.
A nave em que estão tem falha estrutural iminente. Culber ainda tenta, sem sucesso, contactar a Discovery. Mas eis que Michael surge com a cavalaria e salva todo mundo.
Michael faz um discurso exaltando a conexão entre as pessoas, num século 32 onde todos não estavam muito conectados. No meio do discurso, fica clara a frieza de Stamets para com Michael, algo que pode dar um bom gancho para uma quarta temporada, embora já possamos até especular o que vai acontecer, dado o grau de previsibilidade da série. A Corrente Esmeralda, que tinha um parlamento, institutos de pesquisa e toda uma estrutura como vimos no episódio anterior, num passe de mágica acabou sem Osyraa e a Federação está se reconstruindo. Os trills voltaram e os vulcanos cogitam voltar. Vence pede para conversar com Burnham e começa uma conversa mole de como a filha dele não queria obedecê-lo, sendo que depois ele concluiu que ela estava certa. É a deixa para ele dizer o mesmo de Burnham e querer que ela seja a capitã da Discovery. O episódio termina com uma Michael apoteótica comandando a Enterprise, uma citação de Gene Roddenberry (que foi sacaneado na temporada) sobre comunicação e a música original de Jornada nas Estrelas, depois da temporada apagar vários elementos de Jornada nas Estrelas, e, volta e meia, lançar uns easter eggs para manter a atenção dos fãs mais antigos.
O que podemos dizer do episódio final “Minha Esperança É Você, Parte 2”? Em primeiro lugar, Discovery se mostrou cada vez mais Discovery, sendo uma série já com três temporadas e formando todo um Universo próprio, se desligando cada vez mais da ficção científica e de Jornada nas Estrelas. Tudo bem, é um direito que os produtores têm. Só me soa um pouco desonesto eles lançarem mão da marca de Jornada nas Estrelas para buscarem audiência dos fãs. Tivemos uma História A que foi regada a muitas cenas de ação, onde Burnham tomou mais as rédeas da coisa, se compararmos com o episódio anterior, enquanto a participação da tripulação na resolução da crise ficou um pouco mais ofuscada, ou seja, eles somente agiram por uma sugestão de Burnham e somente Owo chegou à nacele para danificá-la. Eu ainda acho que gostaria de ver uma participação maior da tripulação (por exemplo, ao invés de Zareh ser morto por um Book que ficou revoltado porque o vilão falou mal da gata dele – isso foi ridículo, caramba, que infantilidade da Paradise!!! – eu preferia que Zareh fosse morto por Tilly com um diálogo bem escrito). O uso dos elevadores da Discovery deslizando numa nave que internamente parece ter o tamanho da Estrela da Morte também foi algo complicado, que já havia sido criticado em temporadas anteriores. A luta entre Osyraa e Michael, onde elas não sabiam se davam tiro uma na outra ou porrada mesmo, foi também uma forçada de barra, não menor que a morte de Osyraa, uma vilã que até teve uma boa atuação ao longo da temporada, que morreu com dois tirinhos muito bestas. Até a morte de Zareh foi melhor. Por fim, o desfecho óbvio de Michael como capitã, já mencionado aqui. Foi uma pena esse desfecho, pois finalmente tivemos uma temporada em que as atitudes de Michael foram questionadas, o que soava como algo bom para o desenvolvimento da personagem. Só que, ao fim, todo mundo disse que ela estava certa de novo e ainda foi agraciada com o posto de capitã. Uma pena. Eu achava que a série teria a ganhar mais com esse conflito interno de Burnham. Quando isso foi trabalhado nessa temporada, tivemos bons momentos, e com a Michael. Já a História B me parece até mais interessante que a História A, pois teve duas coisas que Discovery gosta de trabalhar bem, embora isso a afaste muito da ficção científica e de Jornada nas Estrelas: o melodrama e a fantasia. Se os roteiristas querem associar a Combustão a um desespero de ordem familiar de Su’Kal, tudo bem, se considerarmos isso fantasia. O que não dá é passar um verniz de ficção científica nisso, criando uma tecnobabble mirabolante demais. Que se desse uma explicação científica bem rasa (os cromossomos prejudicados na gestação de Su’Kal em favor de uma ligação com o dilítio) e se parasse por aí, abraçando de vez a fantasia, que é o que os roteiristas de Discovery querem fazer. Que assumam o que eles estão fazendo e não encontrem desculpas para enjambrar isso em Jornada nas Estrelas. A parte do melodrama, quando não exagerada, é outra coisa que cai bem em Discovery, embora também a afaste de Jornada nas Estrelas, sobretudo no núcleo Stamets-Culber-Adira-Menininho do Cabelo Azul. Repito: a fantasia e o melodrama são os rumos que os roteiristas querem tomar e até o fazem bem. Só não me associe isso a Jornada nas Estrelas, por favor, que é algo muito diferente. É melhor assumir o que fazem. A questão do envolvimento entre Saru e Su’Kal foi até interessante, mas infelizmente foi usada como uma faca de dois gumes, pois tirou de forma muito conveniente o kelpiano do caminho para colocar Michael como capitã da Discovery.
E um balanço da terceira temporada? A série ainda tem problemas como a continuação do protagonismo excessivo de Michael, emburrecendo os demais personagens. Tivemos diálogos sofríveis em todos os episódios, escritos por diferentes roteiristas, numa prova de que isso é mais uma coisa dos showrunners. Jornada nas Estrelas foi sendo sistematicamente apagada da série (até agora não engulo essa coisa de Ni’Var, o delta no peito se transformar numa elipse com um delta quase apagado desenhado nela). A zoação com Gene, o processo de tornar o Saru menos importante e muito relutante. As agressividades de Philippa Georgiou. O chorômetro de Michael. Histórias excessivamente mirabolantes que podiam ser contadas de forma um pouco mais simples. Um século 32 excessivamente com cara de século 21, mesmo que a ficção científica seja um reflexo de nosso tempo. Uns quatro episódios onde a Discovery tinha que provar a um grupo ou civilização que era confiável (a Terra, os Trills, A Federação, os Vulcanos). Ou seja, Discovery ainda tem muito a melhorar. Mas eu também vi algumas melhoras. O questionamento da onipotência de Michael até por ela mesma. O ato de Michael perceber que ela não pode fazer tudo o que quer o tempo todo, principalmente na querela entre vulcanos e romulanos, onde ela desistiu de seus objetivos ao perceber que se poderia levar a um novo desentendimento no seu planeta natal (só foi sofrível os vulcanos terem cedido a Michael através de um argumento emocional). A zoação com Michael no primeiro episódio, onde a gente ri do personagem, que o deixa mais simpático para nós. Os episódios onde a tripulação era mais focada que a Michael, dando espaço para o desenvolvimento de mais personagens. As mensagens de cunho ecológico ou críticas ao sistema capitalista, algo que Jornada nas Estrelas sempre fez e nunca foi considerado lacração, o sendo considerado por alguns somente em Discovery. O surgimento do núcleo fofinho Stamets-Culber-Adira-Menino do Cabelo Zaul, dentro do que Discovery se propõe a fazer. A carregação nas tintas do Universo Espelho, que eu realmente vi mais como um alívio cômico, com uma surpreendente Michael tresloucada e uma Tilly contida. Os episódios em arcos fechados, com a questão da Combustão correndo em paralelo (embora às vezes a história da Combustão parecesse se desenvolver muito lentamente), com um arco final de três episódios elucidando o problema da Combustão. E, principalmente, o Guardião da Eternidade, materializado num velhinho sacana que falava por metáforas, irritando as “milleniuns” Michael e Phillipa, que queriam respostas claras e rápidas para tudo, com o velhinho falando a Michael que ela estava nervosa. Confesso que vi ali um embate entre os fãs mais antigos e os mais novos na série. Carl me representa (até porque eu também me chamo Carlos)!!!
Encerrada a terceira temporada, vamos ver o que rola na quarta, onde as filmagens já foram iniciadas. Concordo com os que falam que a série poderia muito bem encerrar aqui. Mas já que a quarta temporada está sendo filmada e a série ainda tem muito o que melhorar, fica a expectativa se os showrunners vão escutar um pouco mais os fãs ou se vão bater o pé feito crianças mimizentas e vão repetir os mesmos erros. Escutem um pouquinho mais os fãs como vocês ate fizeram um pouco na terceira temporada! É o que pedimos. Isso sempre deu certo em Jornada nas Estrelas.