Vamos continuar aqui a falar dos filmes que concorrem ao Oscar esse ano de 2021. “Rosa e Momo” (“La Vita Davanti a Sé”) é uma produção italiana que concorre ao Oscar de Melhor Música e conta com a presença mais do que especial de Sophia Loren. Esse é um drama que trabalha muito as relações humanas. Para podermos falar desse filme, vamos precisar dos spoilers de sempre.
O filme fala de Rosa (interpretada por Loren), uma senhora de origem judia que sobreviveu ao holocausto e ao campo de concentração de Auschwitz. Ela cuida de crianças abandonadas pelos pais ou em situação de rua, até que elas consigam um novo lar e uma nova família. Um belo dia, ela anda pela rua e tem dois castiçais roubados por um menino, Momo (interpretado por Ibrahima Gueye). O garoto é criado pelo Dr. Coen (interpretado por Renato Carpentieri), médico de Rosa, que devolve os castiçais a ela, que pretendia vendê-los para pagar o aluguel. Curiosamente, ele pede a Rosa que fique com Momo por dois meses, o que exaspera Rosa, sem falar do fato de que Momo é um menino bem complicado e indisciplinado. Ele vende drogas para um traficante e tem muitas dificuldades de adaptação à nova casa. Mas, aos poucos e com muita paciência, Rosa e Momo se aproximam, com este último também trabalhando para um comerciante muçulmano, Hamil (interpretado por Babak Karimi). Momo tem origem muçulmana senegalesa e consegue se identificar com as tradições ensinadas por Hamil. O grande detalhe que irá aproximar definitivamente Momo e Rosa é a doença da senhora, que começa a ficar esquecida, simplesmente saindo do ar, ou seja, o mal de Alzheimer. Com o tempo, seu estado de saúde piora e ela pede a Momo que não fique no hospital, pois os médicos são ruins e “fazem experiências” com as pessoas, numa clara referência ao que acontecia nos campos de concentração. Quando isso acontece, Momo se desliga do tráfico, se reaproxima de Hamil, com quem havia se desentendido (apesar dessa aproximação progressiva, Momo mostra um comportamento complicado o tempo todo no filme, por ter sido muito barbarizado em vida, como o assassinato da mãe pelo pai, que queria que ela continuasse se prostituindo) e vai ao hospital tirar Rosa de lá, colocando-a num porão que era o refúgio de Rosa, o lugar onde ela realmente se sentia segura do mundo (quando ela estava em Auschwitz, se escondia embaixo dos alojamentos dos prisioneiros, onde estava livre dos olhos dos nazistas). Os dois serão encontrados por Lola (interpretado por Abril Zamora), uma travesti muito amiga de Rosa, com a idosa já morta. O filme termina com Momo indo ao enterro de Rosa, deixando em seu túmulo uma foto de um campo com flores que ela adorava e o menino indo com Lola e Hamil, que passariam a ser sua família.
É um filme cujo tema não é uma grande novidade. O detalhe aqui é que Rosa tem origem judia, perseguida pelo nazismo na Segunda Guerra Mundial, enquanto que Momo tem origem muçulmana, igualmente perseguido nos dias de hoje, mas como imigrante. Eles são membros de dois povos que são inimigos em muitas circunstâncias, mas que são também igualmente perseguidos na Europa e assim nossos dois personagens acabam se aproximando. Momo não tinha a menor ideia do que eram os números tatuados no braço de Rosa, e esta achava muito bom que ele não soubesse, sendo ela consciente da perseguição que tanto ela quanto Momo sofriam.
Sophia Loren, apesar da idade avançada, ainda atua com grande vitalidade e dá um carisma todo especial ao filme. Ela fez um bom par com Abril Zamora e sua Lola, com destaque todo especial para a dança que as duas fizeram ao som de uma música na vitrola, no vinilzão mesmo, cantada por ninguém mais, ninguém menos que Elza Soares (!). Mas creio que quem mais chamou a atenção mesmo foi o jovem ator Ibrahima Gueye, O Momo, apelido surgido de seu nome Mohamad. Ele conseguiu aliar a agressividade e rispidez que o papel exigia com uma visão mais terna e frágil nos momentos com Hamil e, principalmente, Rosa. A metáfora da leoa que cuidava dele como uma mostra da carência afetiva do menino deu um tom lúdico a um filme que é muito duro e sem um happy end.
Dessa forma, “Rosa e Momo” é mais um filme que concorre ao Oscar, que recebeu uma indicação talvez mais pela simpatia em que ele desperta (poderia ter ficado somente no Globo de Ouro mesmo, onde ganhou o prêmio por melhor música). Vamos ver se ele também vai ganhar a estatueta.