Batata Movies 2 (Especial Oscar 2021). Era Uma Vez Um Sonho. Uma Sofrida História Real Que Acontece Em Qualquer Esquina.

Era Uma Vez um Sonho - Filme 2020 - AdoroCinema
Cartaz do Filme…

Dando sequência às nossas análises de filmes que concorrem ao Oscar, vamos falar hoje de “Era Uma Vez Um Sonho” (“Hillbilly Elegy”), mais uma produção da Netflix que concorre a duas estatuetas: Melhor Atriz Coadjuvante para Glenn Close e Melhor Maquiagem e Cabelo. Curiosamente, Ron Howard, o diretor do filme, não recebeu indicação para Melhor Diretor. Para podermos falar desse filme, vamos precisar dos spoilers de sempre.

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O jovem J.D. e sua avó Mamav…

Vemos aqui a história real de J. D. Vance (o livro é baseado em sua autobiografia), um rapazinho do interior que vive em Middletowm, uma cidade decadente de Ohio, considerado um lugar de interior, com gente muito simples, mas que também não progride muito na vida (o jovem J.D. é interpretado por Owen Asztalos e, na fase adulta, por Gabriel Basso). Sua mãe, Bev (interpretada por uma incrível e esculhambada Amy Adams) é uma enfermeira que se viciou em remédios, perdendo seu emprego e se tornando uma mulher muito descontrolada e agressiva, o que gerava muitas brigas internas na família. Quem apagava os incêndios era a mãe de Bev, Mamaw (interpretada também por uma inacreditável Glenn Close), que buscava restabelecer o equilíbrio de sua família caótica, pois como dizia Mamaw, a família era tudo o que eles tinham. A falta de perspectiva do lugar e das pessoas que viviam na cidadezinha só não era maior que esse caos familiar, propiciando um terreno fértil para ninguém ir adiante. O caso de Bev era emblemático, pois ela estudou e se formou como enfermeira, mas o vício destruiu qualquer chance de progresso dela, levando-a ao fundo do poço. Mamav a protegia de seus destemperos, o que levantava a ira de J.D., que reclamava com Mamav sobre isso e queria morar com ela, já que Bev fazia um enorme rodízio de maridos e amantes que somente desestabilizava ainda mais as coisas. Até que, um belo dia, Mamav não aguentou o baque de tudo e baixou no hospital. Foi ali que ela pôde dar um tempo e fazer uma reavaliação das coisas, saindo do hospital pela porta da frente e indo à casa de Bev para pegar J. D. para criar. O menino, que sempre foi um bom garoto, já começava a se perder com as amizades erradas, e Mamav começa a lhe impor limites. Até que ele finalmente cai na real e começa a lutar por algo melhor, trabalhando e estudando, enquanto sua mãe caía ainda mais no buraco.

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Uma Amy Adams desfigurada pelo choque de realidade…

O tempo passou e J.D. foi para Yale estudar advocacia. Ele tem uma semana decisiva de entrevistas para conseguir um bom emprego num escritório. Mas consegue apenas uma entrevista, justamente no momento em que sua irmã liga e diz que sua mãe está no hospital com overdose de heroína. J.D. tem que retornar a Ohio para cuidar disso justamente a poucos dias da entrevista decisiva, ficando por lá o máximo de tempo que podia antes de retornar de carro, dirigindo por toda a noite (parece nome de música isso), para chegar a tempo da única entrevista que tinha conseguido. Mas a mãe teve alta do hospital, não tendo onde ficar, com nosso J.D. ainda andando por aí atrás de um lugar onde ela pudesse ficar provisoriamente, antes dele retornar para a entrevista. Realmente, não é mole não.

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Uma família de interior, que tem somente a si mesma…

É um filme muito envolvente, pois mostra uma família mergulhada na instabilidade emocional, como há muitas por aí em cada esquina. Parecia que todas as dificuldades que J.D. passava com os seus só o deixava mais forte ainda para progredir e sair de toda a estagnação da cidade e de seu círculo familiar. A coisa teve cara de loop, pois era muito fácil culpar Bev por sua irresponsabilidade, mas ela também teve uma infância difícil com sua irmã, onde Mamav apanhava de seu marido bêbado e ela até botou fogo no corpo dele, com as meninas tendo que literalmente apagar o pai. J. D. vai encarar um mundo totalmente novo e cheio de preconceitos contra essa decadência interiorana, com ele sendo ríspido contra isso num meio altamente elitista, não se esquecendo de suas raízes. Entretanto, chega uma hora em que os problemas pregressos de sua família começam a impedi-lo de seguir adiante, e J.D. precisa tomar a dura decisão de não ficar o tempo todo prestando assistência à sua mãe, pois ele deve tocar a vida que está construindo.

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Mamav irá rever seus conceitos para salvar J. D. da mediocridade…

Esse é mais um filme pesado, mas muito cativante, pois a gente se identifica demais com os personagens. Quem nunca teve um arranca-rabo com um parente muito próximo? A gente abraça junto com J.D. todas as suas angústias, revoltas e esperanças. Glenn Close e Amy Adams estavam supremas, onde a maquiagem tirou qualquer glamour hollywoodiano delas e as tornaram pessoas reais, que passam por angústias reais, sendo um o filme um concorrente forte ao Oscar de Melhor Maquiagem e Cabelo. Mas toda a maquiagem não seria suficiente se não fosse amparada pelas atuações das duas atrizes. Amy Adams era o paroxismo em pessoa, indo do extremo agressivo ao sofrimento incontido, passando por raros momentos de carinho, enquanto que Glenn Close era um misto de serenidade e firmeza, sempre nas horas certas. Torço muito para Glenn Close aqui, pois já queria ter visto ela ganhar o Oscar de Melhor Atriz na última vez que concorreu. Que ela consiga a Melhor Atriz Coadjuvante agora.

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A maquiagem e cabelo arrebentaram!!!

Dessa forma, “Era Uma Vez Um Sonho” pode até ser um filme que não tem muitas indicações, mas ainda assim é um filmaço, pois trabalha de forma bem contundente um choque de realidade ao radiografar uma família de interior dos Estados Unidos cheia de problemas e vivendo numa região decadente. Esse é um tema com o qual muitos se identificam, amparado por uma maquiagem e cabelo muito fortes e com atuações divinas de Amy Adams e Glenn Close. Merece, e muito, pelo menos um dos dois Oscars aos quais concorre.

Batata Movies 2 (Especial Oscar 2021). Pieces Of A Woman. Ou Uma Mulher Em Pedaços.

Pieces of a Woman - Filme 2021 - AdoroCinema
Cartaz do Filme…

Dando sequência às nossas análises de filmes que concorrem ao Oscar, vamos falar hoje de “Pieces Of A Woman”, mais uma produção da Netflix que concorre a estatueta de Melhor Atriz para Vanessa Kirby. Para podermos falar desse filme, vamos precisar dos spoilers de sempre.

O Filme “Pieces of a Woman”. O drama americano “Pieces of a Woman”… | by  Marcia | Coadjuvante | Medium
Martha de Sean, um casal que passará por um pesado trauma…

Vemos aqui a história de um casal, Martha (interpretada por Kirby) e Sean (interpretado por Shia LaBeouf). Eles estão prestes a ter uma filha e querem fazer o parto em casa. A parteira que acompanhou toda a gravidez estava ocupada no dia do nascimento da bebê e eles receberam a ajuda de uma parteira “reserva” por assim dizer. O problema é que o nascimento foi todo complicado e a menina acabou morrendo. Isso foi apenas o início de uma via crucis para Martha, que teve que lidar com os procedimentos que iria realizar com o corpo da criança (enterro ou doação do corpo para pesquisas), o processo em cima da parteira e a relação com o marido que ficou em frangalhos. Para piorar toda a situação, a mãe de Martha, Elisabeth (interpretada por Ellen Burstyn) se achava no direito de se intrometer na vida da filha e nas suas decisões, o que gerava ainda mais atritos. E, no meio dessa tempestade toda, as perdas ficam ainda maiores, com somente uma coisa principal a fazer: aguentar a maré brava passar. Mas não sem tomar algumas atitudes que serão decisivas para conseguir a paz de espírito e seguir em frente.

Resenha | Pieces of a Woman (Original Netflix) - Entreter-se
Um parto difícil e fracassado…

O filme tem um ritmo lento e, obviamente, é muito pesado, onde parece haver uma depressão coletiva na maioria dos os personagens, algo bastante comum nesse contexto. O ritmo lento o torna um pouco maçante, mas ele também desperta uma angústia muito forte quando vemos a vida das pessoas desmoronando. Vanessa Kirby, a indicada à Melhor Atriz, passou por várias fases ao longo do filme. A primeira, pouco tempo depois da morte da bebê, mostrava uma Martha tão letárgica que ela parecia indiferente à tudo, até à morte da filha. Nesse ponto, o personagem de LaBeouf foi bem mais enfático e mostrou um sofrimento bem pronunciado, assumindo um comportamento mais frio com o transcorrer do filme, até o afastamento total. Martha, por sua vez, tem uma explosão de paroxismo quando discute com a mãe num encontro familiar, com esta falando também de seus sofrimentos pregressos, quando era perseguida pelos nazistas e foi obrigada a fazer o parto sozinha em que nasceu Martha (foi uma bela atuação de Ellen Burstyn aqui). E sua grande participação no filme foi seu depoimento no julgamento da parteira, que não vou comentar aqui porque já dei spoilers demais.

Netflix conta história real em Pieces of a Woman? Veja a verdade
Uma parteira que será julgada…

O filme tem uma metáfora bem interessante. Martha, depois que perde o filho, come uma maçã no trem, cercada por pais junto de seus filhos. De repente, ela tira da boca uma sementinha de maçã. Ela irá cultivar sementes de maçã, colocando-as no algodão molhado (da mesma forma que fazíamos no ensino primário com os feijões) para que elas germinassem e fossem plantadas. Essa metáfora é responsável pela cena final do filme que, depois de maltratar bastante o espectador com uma história sofrida e pesada, nos fornece um happy end.

Pieces of a Woman - O PipoqueiroO Pipoqueiro
Uma mãe que quer decidir pela vida da filha…

Dessa forma, “Pieces Of A Woman” é mais um candidato ao Oscar que merece a atenção. É um filme sofrido e difícil de assistir, mas tem uma boa atuação de Kirby, que foi em várias camadas. Sem dúvida, uma concorrente de peso ao posto de Melhor Atriz.  

Batata Movies 2 (Especial Oscar 2021). Rosa E Momo. Amparos Humanos.

ROSA E MOMO" - Protagonistas maiores que o filme – Nosso Cinema
Cartaz do Filme

Vamos continuar aqui a falar dos filmes que concorrem ao Oscar esse ano de 2021. “Rosa e Momo” (“La Vita Davanti a Sé”) é uma produção italiana que concorre ao Oscar de Melhor Música e conta com a presença mais do que especial de Sophia Loren. Esse é um drama que trabalha muito as relações humanas. Para podermos falar desse filme, vamos precisar dos spoilers de sempre.

Aos 86 anos, Sophia Loren brilha em 'Rosa e Momo' - Bem Paraná
Uma dupla que tem mais em comum do que se imagina…

O filme fala de Rosa (interpretada por Loren), uma senhora de origem judia que sobreviveu ao holocausto e ao campo de concentração de Auschwitz. Ela cuida de crianças abandonadas pelos pais ou em situação de rua, até que elas consigam um novo lar e uma nova família. Um belo dia, ela anda pela rua e tem dois castiçais roubados por um menino, Momo (interpretado por Ibrahima Gueye). O garoto é criado pelo Dr. Coen (interpretado por Renato Carpentieri), médico de Rosa, que devolve os castiçais a ela, que pretendia vendê-los para pagar o aluguel. Curiosamente, ele pede a Rosa que fique com Momo por dois meses, o que exaspera Rosa, sem falar do fato de que Momo é um menino bem complicado e indisciplinado. Ele vende drogas para um traficante e tem muitas dificuldades de adaptação à nova casa. Mas, aos poucos e com muita paciência, Rosa e Momo se aproximam, com este último também trabalhando para um comerciante muçulmano, Hamil (interpretado por Babak Karimi). Momo tem origem muçulmana senegalesa e consegue se identificar com as tradições ensinadas por Hamil. O grande detalhe que irá aproximar definitivamente Momo e Rosa é a doença da senhora, que começa a ficar esquecida, simplesmente saindo do ar, ou seja, o mal de Alzheimer. Com o tempo, seu estado de saúde piora e ela pede a Momo que não fique no hospital, pois os médicos são ruins e “fazem experiências” com as pessoas, numa clara referência ao que acontecia nos campos de concentração. Quando isso acontece, Momo se desliga do tráfico, se reaproxima de Hamil, com quem havia se desentendido (apesar dessa aproximação progressiva, Momo mostra um comportamento complicado o tempo todo no filme, por ter sido muito barbarizado em vida, como o assassinato da mãe pelo pai, que queria que ela continuasse se prostituindo) e vai ao hospital tirar Rosa de lá, colocando-a num porão que era o refúgio de Rosa, o lugar onde ela realmente se sentia segura do mundo (quando ela estava em Auschwitz, se escondia embaixo dos alojamentos dos prisioneiros, onde estava livre dos olhos dos nazistas). Os dois serão encontrados por Lola (interpretado por Abril Zamora), uma travesti muito amiga de Rosa, com a idosa já morta. O filme termina com Momo indo ao enterro de Rosa, deixando em seu túmulo uma foto de um campo com flores que ela adorava e o menino indo com Lola e Hamil, que passariam a ser sua família.

Em “Rosa e Momo”, da Netflix, Sophia Loren mostra o que é ser estrela |  Isabela Boscov
O relacionamento tinha altos e baixos…

É um filme cujo tema não é uma grande novidade. O detalhe aqui é que Rosa tem origem judia, perseguida pelo nazismo na Segunda Guerra Mundial, enquanto que Momo tem origem muçulmana, igualmente perseguido nos dias de hoje, mas como imigrante. Eles são membros de dois povos que são inimigos em muitas circunstâncias, mas que são também igualmente perseguidos na Europa e assim nossos dois personagens acabam se aproximando. Momo não tinha a menor ideia do que eram os números tatuados no braço de Rosa, e esta achava muito bom que ele não soubesse, sendo ela consciente da perseguição que tanto ela quanto Momo sofriam.

Netflix tira vencedora do Oscar da aposentadoria com Rosa e Momo
Dançando ao som de Elza Soares…

Sophia Loren, apesar da idade avançada, ainda atua com grande vitalidade e dá um carisma todo especial ao filme. Ela fez um bom par com Abril Zamora e sua Lola, com destaque todo especial para a dança que as duas fizeram ao som de uma música na vitrola, no vinilzão mesmo, cantada por ninguém mais, ninguém menos que Elza Soares (!). Mas creio que quem mais chamou a atenção mesmo foi o jovem ator Ibrahima Gueye, O Momo, apelido surgido de seu nome Mohamad. Ele conseguiu aliar a agressividade  e rispidez que o papel exigia com uma visão mais terna e frágil nos momentos com Hamil e, principalmente, Rosa. A metáfora da leoa que cuidava dele como uma mostra da carência afetiva do menino deu um tom lúdico a um filme que é muito duro e sem um happy end.

OQVER Cinema & Streaming | Rosa e Momo
A doença de Rosa unirá os dois…

Dessa forma, “Rosa e Momo” é mais um filme que concorre ao Oscar, que recebeu uma indicação talvez mais pela simpatia em que ele desperta (poderia ter ficado somente no Globo de Ouro mesmo, onde ganhou o prêmio por melhor música). Vamos ver se ele também vai ganhar a estatueta.  

Batata Movies 2 (Especial Oscar 2021). Destacamento Blood. Ressurreição Da Guerra.

Destacamento Blood - Filme 2020 - AdoroCinema
Cartaz do Filme

Mais um filme que concorre ao Oscar 2021. “Destacamento Blood” (“Da 5 Bloods”), de Spike Lee, concorre à estatueta de Melhor Trilha Sonora Original. Esse era um filme em que eram esperadas mais indicações, mas a coisa ficou somente nessa única indicação mesmo. Esse é um outro filme que conta com a presença de Chadwick Boseman, que concorre ao Oscar de Melhor Ator em “A Voz Suprema do Blues”. Para podermos falar desse filme, vamos precisar dos spoilers de sempre.

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Ex-combatentes de volta ao Vietnã, mais o filho de um deles…

O filme fala de quatro ex-combatentes do Vietnã que voltam ao país para procurar os restos mortais de seu superior, Stormin’ Norman (interpretado por Boseman). Mas essa viagem tinha outro motivo implícito, que será explicado num flashback da guerra. Os quatro ex-combatentes faziam parte do chamado “Destacamento Blood” e estavam numa missão num helicóptero que foi derrubado e caiu próximo de um avião americano também derrubado. Eles encontraram no avião uma espécie de baú cheio de barras de ouro, que seria enviado para uma comunidade vietnamita como pagamento para se apoiar os americanos. Os soldados enterraram esse baú e acordaram que um dia iriam juntos pegar esse ouro enterrado. Mas, para tirar o ouro do Vietnã, precisariam da ajuda de um atravessador francês, Desroche (interpretado por Jean Reno). Eles fazem um acordo com ele, mas obviamente serão traídos, o que vai provocar uma reedição da guerra, mas agora na disputa pelo ouro.

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Boseman em mais um filme…

O filme mistura dois gêneros. Por um lado temos uma película de ação e de guerra, com direito a todos os traumas passados, manifestos sobretudo num dos ex-combatentes, Paul (interpretado magistralmente por Delroy Lindo), que pirou na batatinha legal nas condições inóspitas da selva e na presença dos capangas de Desroche. Por outro lado, temos um filme bem Spike Lee mesmo, com muitas informações sobre  situação dos soldados negros durante a guerra do Vietnã, com direito a muitas imagens de arquivo, citações e falas de figuras importantes como Mohammad Ali ou Martin Luther King Jr., tendo uma cara mais documental. Esse aspecto mais militante do filme o torna mais didático e talvez os membros da Academia não tenham se sentido muito à vontade com tal característica dúbia, que provocava algumas descontinuidades no roteiro. Ou seja, temos aqui a mistura de informações bem verídicas com uma ópera do absurdo mais espetaculosa do que qualquer coisa, dando a impressão que a gente via dois filmes ao mesmo tempo, onde sentíamos uma conexão entre eles em alguns momentos, mas uma desconexão total em outros. Ainda assim, a película é cativante, seja pelo seu teor de informações, seja por uma história que é bem contada.

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Exumando um herói…

O grande ícone da história é, sem a menor sombra de dúvida, o personagem interpretado por Boseman, Stormin’ Norman que, além de ser o líder do destacamento, também abriu os olhos de seus comandados para a questão racial nos Estados Unidos e a posição do soldado negro na guerra. Ou seja, Norman era um misto de superior, professor, pai e mentor intelectual dos membros do destacamento. A morte dele foi um trauma para todos, mas especialmente para Paul, que era o amigo mais próximo e tinha pesadelos diariamente com seu amigo morto. Não é à toa que o homem surtou na floresta, mergulhando numa paranóia pura e se tornando uma figura muito perigosa para todos.

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Spike Lee e a galera…

Dessa forma, é até uma pena que “Destacamento Blood” não tenha obtido mais indicações para o Oscar. Apesar de misturar um gênero um pouco mais documental com um filme de ação, a película prende a atenção do espectador do início ao fim, mesmo que o filme não seja tão cativante quanto um “Infiltrado na Klan”. Está lá no Netflix.

Batata Movies (Especial Oscar 2021). A Voz Suprema Do Blues. Fantasmas Do Passado.

A Voz Suprema do Blues - Filme 2020 - AdoroCinema
Cartaz do Filme

Dando sequência às nossas análises de filmes concorrentes ao Oscar 2021, vamos falar hoje de “A Voz Suprema do Blues” (“Ma Rainey’s Black Bottom”), que concorre a cinco estatuetas (Melhor Atriz para Viola Davis, Melhor Ator para Chadwick Boseman, Melhor Figurino, Melhor Design de Produção, Melhor Maquigem e Cabelo), além de ter ganho o Globo de Ouro para Melhor Ator de Drama, para Chadwick Boseman. Para que possamos analisar melhor o filme, vamos lançar mão de spoilers aqui.

A Voz Suprema do Blues' traz Chadwick Boseman em último papel | VEJA
Uma estrela…

Vemos aqui a história de Ma (interpretada por Viola Davis), uma grande cantora de blues e um dia de gravação de um disco seu com sua banda. Ma, por ser uma estrela, sabe muito bem se impor numa sociedade altamente racista e é muito exigente com tudo, para desespero de seu empresário e do dono da gravadora, homens brancos que, segundo a cantora, querem aprisionar a sua música numa caixa para ganhar dinheiro. Ma tem muita consciência de que, se ela não dá mais dinheiro, será tratada com o racismo de sempre, que todos conhecemos. Assim, enquanto está na crista da onda, é ela quem dá as cartas, sendo bem agressiva, pois o fantasma do passado do racismo está bem ali. Esse fantasma também assombra Levee, o jovem trompetista da banda (interpretado magistralmente por Chadwick Boseman), que não aceita os conselhos dos músicos mais antigos da banda, querendo trilhar seu próprio caminho ao jeito que quiser. Seu grande fantasma foi, aos oito anos, ter visto a sua mãe ser estuprada por homens brancos, pois seu pai conseguiu juntar dinheiro e comprar uns terrenos que pertenciam aos brancos. Ele pegou uma faca e conseguiu, mesmo criança, ferir alguns deles antes de ser ferido seriamente, o que levou ao fim do estupro. Seu pai abandonou as terras e levou sua família para outro lugar, sumindo em seguida. Ele voltou e matou alguns brancos antes de ser enforcado. Tal vida pregressa fez com que ele se tornasse muito agressivo em alguns momentos, sendo violento com o membro religioso da banda, numa total descrença em Deus em virtude de sua infância violenta, e inclusive matando o pianista da banda por ter pisado em seu sapato sem querer, depois do empresário branco negar a gravação de suas composições. Ou seja, a agressividade de Levee e de Ma é usada como uma espécie de defesa contra a sociedade racista, com Ma canalizando isso numa direção produtiva e obtendo o que quer dos brancos, mas com Levee, por ser mais jovem, não sabendo fazer essa canalização com eficiência, respondendo à sua volta de uma forma muito desproporcional e agressiva. É claro que uma hora, Ma e Levee entrariam em conflito, o que provocou a demissão sumária deste, caindo em desgraça em seguida com a negação da gravação de suas músicas e com o homicídio.

A voz suprema do Blues, último filme de Chadwick Boseman ganha trailer – Os  Geeks
Um trompetista sem papas na língua…

O filme começa num tom descontraído e divertido, onde a interação entre os membros da banda cria esse clima. Mas, com o tempo, ele se torna tenso, tanto pela agressividade de Ma quanto pelo temperamento descontrolado de Levee, tendo um desfecho trágico e triste, manifesto no choro de Ma, que percebe que sua época e reinado estão acabando.

A Voz Suprema do Blues': Denzel Washington e George C. Wolfe falam sobre a  adaptação em novo vídeo | CinePOP
A banda…

Davis e Boseman merecem demais o prêmio de melhor atriz e ator. Somente 25% dos atores de Hollywood são negros. Assim, quem alcança o estrelato acaba sendo muito competente no que faz como podemos ver aqui. Davis conseguia misturar agressividade com mortificação, esta última ao falar da condição do negro na sociedade americana e como os empresários brancos a viam, ou seja, como uma máquina de fazer dinheiro que poderia ser descartável a qualquer momento. Mortificação também ao perceber que seu sucesso teria um fim um dia. Já Boseman está muito magro e diferente, provavelmente por causa da doença que o vitimou. Ele conseguia fazer uma mistura de irreverência com explosões paroxistas de violência, tanto que o grande momento do filme foi Levee  falando do estupro da mãe e da morte do pai. A dor saltava de seus olhos, juntamente com as lágrimas.

A Voz Suprema do Blues | Diretor de fotografia do filme diz que chorou ao  ver a performance de Chadwick Boseman – PREMIERE LINE
Levee e seu fantasma do passado. O melhor momento do filme…

Dessa forma, “A Voz Suprema do Blues” é mais um filmão que concorre ao Oscar e confesso que vou torcer muito por Davis e Boseman. Seria uma premiação muito merecida.

Batata Movies (Especial Oscar 2021). Os Sete De Chicago. A Arte De Criar Bodes Expiatórios.

Os 7 de Chicago: Netflix divulga trailer do filme de Aaron Sorkin - TecMundo
Cartaz do Filme

Mais um filme que concorre ao Oscar 2021. “Os Sete de Chicago” concorre a seis estatuetas (Melhor Filme, Melhor Ator Coadjuvante para Sacha Baron Cohen, Melhor Roteiro Original para Aaron Sorkin, Melhor Montagem, Melhor Fotografia, Melhor Canção). Para que possamos analisar o filme mais a fundo aqui, vamos precisar de spoilers.

The Trial of the Chicago 7 Netflix Cast and Real People | POPSUGAR  Entertainment
Um julgamento de veredicto já decidido…

Vemos aqui a trajetória de oito (isso mesmo, não sete como está no titulo do filme) ativistas americanos numa época extremamente turbulenta, que foi o momento em que Lyndon Johnson deixa a presidência dos Estados Unidos para dar lugar a Richard Nixon. Uma Convenção do Partido Democrata irá acontecer em Chicago e membros de três grupos planejam ir para essa cidade com o objetivo de se fazer manifestações em frente ao hotel em que acontecerá o Congresso. Mas a turbulência política daqueles dias fez com que muita violência e repressão policial acontecesse e nossos oito protagonistas foram injustamente presos, sendo acusados de incitar as revoltas e levados a julgamento, com o objetivo claro por parte do governo e dos setores mais conservadores de se forjar bodes expiatórios. Um deles, um líder dos Panteras Negras, Bobby Seale (interpretado por  Yahya Adbul Mateen II), não tinha advogado, pois ele se encontrava hospitalizado, mas foi a julgamento assim mesmo e sendo tratado com muita rispidez pelo juiz Hoffman (interpretado por Frank Langella, que fez o ministro Jaro em Jornada nas Estrelas Deep Space Nine). Aliás esse juiz meteu os pés pelas mãos no julgamento, trocando nomes, falas dos advogados e confundindo situações, mostrando-se claramente desqualificado para um julgamento de tamanha magnitude.

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Passeatas com direito a P-2

Desde cedo fica clara a intenção de se condenar os réus, onde o direito de defesa deles é constantemente cerceado. Por mais que o advogado deles, William Kunstler (interpretado por Mark Rylance) busque artifícios e argumentos, Hoffman sempre deixa registrado que o advogado o desacata. Testemunhos importantes como o do ex-procurador-geral (interpretado rapidamente por Michael Keaton), que poderia inocentar a todos, são desconsiderados pelo juiz, com o testemunho sendo dado sem o júri. Ou seja, o juiz atua de uma forma extremamente arbitrária, deixando bem claro o circo armado onde todos já estavam condenados de antemão pelo próprio juiz, que atuou mais como acusador do que qualquer outra coisa. Vale frisar aqui que dois dos acusados foram absolvidos para mostrar uma suposta benevolência do sistema, que seria implacável com os acusados politicamente mais repulsivos pelos conservadores.

Os Sete de Chicago', na Netflix: julgamento do filme foi armado?
Uma mordaça bem conservadora…

O grande momento do filme, e o mais traumático, é quando um amigo de Seale que o orientava no julgamento foi assassinado pela polícia e Seale surta, desacatando continuamente o juiz, que obriga que os seguranças lhe deem uma surra num lugar reservado, além de algemá-lo e amordaçá-lo. Tal atitude foi de um impacto tão grande que até a promotoria pediu para se anular a acusação sobre Seale, que permaneceu preso pelos desacatos ao juiz e por uma outra acusação de homicídio que, a essa altura do campeonato, a gente tem muitas suspeitas de sua veracidade. Ficava bem claro que até os ativistas brancos e “comunistas” eram mais bem tratados que o membro dos Panteras Negras.

Os Sete de Chicago', na Netflix: julgamento do filme foi armado?
Um juiz sob suspeita, na arte e na vida real…

O filme tem um elenco estelar. Além de Keaton, Rylance e Langella, também temos a presença de Sacha Baron Cohen, que faz um dos acusados que tinha a toada mais irreverente de todas, e Eddie Redmayne, que fazia um líder estudantil mais “corretinho” que leria a declaração final antes do veredicto, uma declaração que devia ser despolitizada (já ouvi isso em algum lugar) e breve. O líder estudantil optou, então, por ler os nomes de todos os mais de cinco mil soldados mortos na Guerra do Vietnã, levando o juiz Hoffman à loucura. O veredicto… bom, estamos falando de um roteiro que é inspirado numa história real. Um happy end aqui seria praticamente um corpo estranho. Esse é um daqueles filmes que termina abruptamente e depois se diz o que aconteceu com cada pessoa (nem vou falar personagem aqui, pois se trata de pessoas reais) depois do fim da película, com a ajuda dos letreiros.

A violenta (e verdadeira) história dos Sete de Chicago - NiT
Um filme de personagens reais…

Dessa forma, “Os Sete de Chicago”, disponível no Netflix, é um filme que merece demais a atenção do espectador, pois mostra em cores vivas a clara intenção do movimento conservador americano, amparado pelo aparelho de Estado, de perseguir seus opositores políticos que lutavam pelos direitos civis e contra a Guerra do Vietnã. A arte de produzir bodes expiatórios podia ir até as últimas consequências naqueles dias tão opressores. E vemos isso de forma bem clara nessa película.

Batata Movies (Especial Oscar 2021). Mank. Desafiando Um Sistema.

Crítica | Mank — Vortex Cultural
Cartaz do Filme…

Vamos continuar aqui a falar dos filmes que concorrem ao Oscar. E hoje vamos pegar um peixe bem graúdo, pois “Mank” concorre a dez estatuetas (Melhor Filme, Melhor Ator para Gary Oldman, Melhor Diretor para David Fincher, Melhor Atriz Coadjuvante para Amanda Seyfried, Melhor Som, Melhor Design de Produção, Melhor Fotografia, Melhor Maquiagem e Cabelo, Melhor Figurino, Melhor Trilha Sonora). Para podermos falar desse filme, disponível no Netflix, vamos precisar de spoilers.

Cotado para o Oscar, "Mank" é atração da Netflix - Tribuna de Minas
Um roteirista malucão…

A película fala da vida de Herman Mankiewicz (interpretado por Gary Oldman), o roteirista do clássico “Cidadão Kane”, de Orson Welles. Para quem não conhece “Cidadão Kane”, esse é considerado um dos clássicos do cinema, pois trabalhou de forma magistral a técnica cinematográfica, além de trabalhar um tema muito polêmico na época em que foi produzido (1941), que foi, de uma certa forma, satirizar e criticar a trajetória do magnata da comunicação e entretenimento William Randolph Hearst.  Ou seja, era um projeto que, desde o seu início já estava fadado à perseguição e execração por parte do mainstream. Mank, como era conhecido Mankiewicz, era uma pessoa muito irreverente, possuidor de uma inteligente e fina ironia, além de ser acometido pelo alcoolismo. Roteirista da MGM, ele era contemporâneo de vários nomes conhecidos do cinema, como Louis B. Mayer, Irving Thalberg e Marion Davies, esposa de Hearst. E seu convívio com tais figuras seria a inspiração para escrever o roteiro de “Cidadão Kane”, que ganhou o Oscar de Melhor Roteiro.

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Uma doce Marion Davies…

O filme mostra duas histórias paralelas. A primeira delas mostra o processo turbulento de escrita do roteiro de “Cidadão Kane”, onde Mank padecia de um acidente automobilístico, acamado com uma perna quebrada. Ele teve todo um staff à disposição para escrever sua história, cujo cronograma se atrasava mais por suas bebedeiras, o que rendia pressões de Orson Welles em cima dele. À medida que o roteiro saía e as pessoas mais próximas iam tendo contato com o manuscrito, elas alertavam Mank de que isso acabaria de vez com sua carreira. A resposta era sempre dada com irreverência.

Mank' review: Drunk history and 'Citizen Kane'
A amizade entre Mank e Davies é marcante no filme…

A segunda história é um flashback, passado em 1934, que mostra um Mank mais jovem e já bêbado como roteirista da MGM, convivendo com as pessoas do meio. Podemos ver figurinhas carimbadas do cinema e suas virtudes e defeitos. Um Louis B. Mayer (interpretado por Arliss Howard) muito falso, um Irving Thalberg (interpretado por Ferdinand Kingsley) sem escrúpulos, um William Hearst (interpretado por Charles Dance) aristocrático, uma Marion Davies (interpretada por Amanda Seyfried) muito simpática e doce. O filme mostra muito quem era quem naqueles tempos de crise provocados pela depressão, com toda essa elite cinematográfica apoiando o candidato republicano ao governo e nosso Mank, com sua irreverência e língua ferina remando contra essa maré, o que rendia olhares tortos por parte de uns, mas a simpatia de Hearst, que gostava de ter Mank em seus eventos sociais, muito mais pela sua retórica do que por qualquer outra coisa. Foi também notável o relacionamento de Mank com Davies, vista como uma espécie de bibelô de Hearst por aquela sociedade, mas sendo escutada por Mank em suas ideias e pensamentos. Mal saberia ela que seria retratada em “Cidadão Kane” de uma forma pouco positiva, pois Mank a colocou como uma peça de coleção do sombrio palácio de Hearst, metaforizado em Charles Foster Kane, e condenada a uma vida de ócio onde montava quebra-cabeças diariamente. Entretanto, Davies não ficou revoltada com Mank e isso não abalou a amizade dos dois.

Mank é a dedicação absoluta ao cinema - SetCenas
Excelente caracterização de Orson Welles…

O clímax do filme foi um jantar à fantasia de Hearst, onde Mank, totalmente bêbado, fala aos convidados um roteiro sobre um magnata das comunicações e inspirado em Don Quixote de La Mancha, claramente satirizando Hearst, atirando para todos os lados sem dó nem  piedade, será aí que Mayer deixará a sua falsidade de lado e irá dizer que metade do salário de Mank é pago por Hearst o único que sabe a parábola do macaco do realejo, que Mank perguntava a todos durante o filme: o macaco recebe tudo do dono do realejo, mas é manipulado por ele.

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A caracterização de Hearst também ficou muito boa…

O filme tem atores com boas atuações. Charles Dance fez um ótimo Hearst, inabalável em seu comportamento aristocrático. Seyfried faz jus à indicação para Atriz Coadjuvante, pois as conversas de Davies com Mank foram um momento delicioso do filme, não se deixando abalar ao contracenar com o medalhão Oldman. Tom Burke fez um Orson Welles fantástico (parece que o homem ressuscitou nas telas). Mas o filme realmente é de Gary Oldman, que mais uma vez colocou todo mundo em seu bolso, fazendo um Mank com mais defeitos que virtudes, mas ainda assim despertando demais a simpatia por seu forte carisma. Se ganhar a estatueta de Melhor Ator, será merecido.

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Clímax do filme. Um bêbado no jantar…

Dessa forma, “Mank” é mais um daqueles filmes sobre o cinema e sua história que se torna uma referência obrigatória para os cinéfilos. É uma película que necessita de muita atenção do espectador, por estar muito focada em seus diálogos, mas temos uma boa caracterização de época, figurinos e um delicioso preto e branco que a cor no cinema jamais enterrou de vez. E, melhor de tudo, tem no Netflix.

Batata Movies (Especial Oscar 2021) – Relatos Do Mundo. Fazendo A Sua Própria História.

Relatos do Mundo - Filme 2020 - AdoroCinema
Cartaz do filme…

A seção Batata Movies, depois de um breve hiato, está de volta para falar dos indicados ao Oscar deste ano de 2021. Infelizmente, vivemos em tempos complicados e nem sempre vamos poder ter acesso a todos os filmes. Mas a ideia é poder falar do máximo de filmes possíveis aqui. E vamos começar com uma produção disponível na Netflix. “Relatos do Mundo” (“News Of The World”) traz o astro Tom Hanks e concorre a quatro estatuetas (Melhor Design de Produção, Melhor Som, Melhor Fotografia e Melhor Trilha Sonora Original). Para podermos falar sobre o filme aqui, vamos precisar lançar mão dos spoilers.

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Dill, um contador de histórias…

A história fala do capitão Kidd (interpretado por Hanks), um veterano da Guerra Civil Americana que era um tipógrafo e perdeu tudo com a guerra. Com isso, ele decide ganhar a vida viajando de cidade em cidade para ler as notícias de jornal para as pessoas. Um belo dia, ele encontra um homem negro enforcado e, com ele, uma menina lourinha que falava o idioma indígena Kiowa. Kidd analisa os documentos dela e percebe que a mocinha é de origem alemã, tendo tios a uma grande distância dali. O nome da garotinha é Johanna (interpretada por Helena Zengel) e Kidd decide fazer a longa viagem para levá-la para seus parentes. O grande problema é que ele vai passar por muitos perigos nessa viagem, o que vai fazer que os dois estreitem seus laços, à despeito da barreira linguística.

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Johanna, uma menina de passado traumático…

O filme aborda o estado de penúria dos Estados Unidos logo depois da Guerra Civil, enfocando especialmente o povo texano, que se sentia reprimido pelos yankees (ou azuis, como eram chamados no filme, em virtude do uniforme militar). As marcas da guerra ainda estavam muito recentes, e, se ainda há um ressentimento muito grande com relação a tudo isso hoje em pleno século vinte e um, imagine-se como não seria uns poucos anos depois de findada a guerra. Podemos ver todo esse ressentimento quando Dill lia notícias aos texanos de origem federal, onde a contestação era muito forte, e tudo isso sob os olhos de soldados yankees. Dill precisou ter um grande jogo de cintura, falando ao grande público prestes a explodir que a guerra realmente fez todos sofrerem bastante, sendo a voz que se solidarizava com o sofrimento coletivo.

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Os dois viajarão em direção à casa dos tios da garotinha…

Mas nem tudo é somente a dor do sofrimento. Por outro lado, vemos também todo um ódio contido nos mesmos texanos contra índios e negros e o surgimento de um comportamento muito autoritário, sobretudo num pequeno vilarejo controlado por uma espécie de ditador doméstico, que exigiu que Dill exaltasse seus grandes feitos perante a cidade. Mas nosso protagonista, acometido de um arroubo democrático com pouco espaço fértil para isso, decidiu colocar em votação as notícias que o público queria escutar, quase sendo morto por essa “provocação”. Aliás, esse é um filme que tem lá seus momentos de ação, mas somente como uma moldura para o relacionamento entre Dill e Johanna, a grande atração da película.  

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Eles vão passar por muitos perigos…

Dill, apesar de ser um contador de histórias, fazia questão que a menina esquecesse seu passado traumático (ela teve sua família alemã massacrada pelos índios e depois sua família índia massacrada pelos brancos) e olhasse para a frente, sem olhar para trás. Entretanto, a menina diz que, para seguir adiante, precisa-se primeiro olhar para trás. São realmente duas formas de se lidar com um passado violento, onde talvez a segunda seja a mais coerente, pois é muito difícil a gente encarar a nossa vida sem as experiências pregressas.

Dill era solitário, pois perdeu tudo na guerra, até a esposa, morta pela cólera. Mas ele sente que foi mais a praga da guerra que se abateu sobre ele, ratificando a ideia já citada de como o conflito deixa marcas em todos, inclusive em nosso protagonista. Por fim, ele descobre que pode criar um verdadeiro núcleo familiar com a menina, e que deixá-la com os tios foi um erro. Ele volta a tempo para corrigir isso e garantir o happy end nesse western de fim de século que na verdade se passa no sul dos Estados Unidos.

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Dill percebe quem é sua verdadeira famíla…

Hanks está fenomenal como sempre, mas a surpresa é a menina Helena Zengel, que falava e cantava em idioma indígena. A química entre os dois personagens foi perfeita, pois eles se uniram nas adversidades que a viagem trouxe.

Dessa forma, só lamento que “Relatos do Mundo” não tenha tido mais indicações. Uma indicação de Melhor Ator e Atriz Coadjuvante não seria nenhum exagero. As indicações para os Oscars técnicos correspondem, mas ficou um gostinho de quero mais pela beleza e teor cativante do filme.