Batata Movies – Quem Você Pensa Que Sou? Amores Virtuais E Mentiras.

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Cartaz do Filme

Uma co-produção França/Bélgica. “Quem Você Pensa Que Sou” aborda o universo das redes sociais e suas mentiras, aliada a questões mais ancestrais como o adultério e a forte dependência emocional. Um filme para se assistir no divã. Vamos lançar mão dos spoilers aqui.

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Claire, uma mulher de meia idade que se envolverá numa nova experiência

O plot é o seguinte. Claire (interpretada por Juliette Binoche) é uma mulher de meia idade que tem um relacionamento com um homem mais novo. Numa certa altura da relação, ela desconfia que o companheiro a trai. Claire, então, vai criar um perfil falso nas redes sociais e começa uma amizade com um amigo de seu companheiro, Alex (interpretado por François Civil), com a intenção de espionar o que seu companheiro faz. Mas o detalhe é que Claire começa a se envolver com Alex, que está, na verdade, apaixonado pelo perfil falso que Claire construiu, que é uma moça muito mais nova do que ela. Logo, logo, a relação se aprofunda de uma forma que eles se encontrarão pessoalmente e o segredo terá que ser revelado. O detalhe é que, ao encobrir a sua idade, Claire mergulhará em outros problemas bem mais sérios.

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Criando um perfil fake…

Por que esse filme chama tanto a atenção? Porque ele se passa meio que no divã, onde sua terapeuta, a Dra. Catherine (interpretada soberbamente por Nicole Garcia) escuta a história de Claire, mantendo o distanciamento necessário para ajudar a sua paciente, que esconde alguns detalhes de sua vida para a terapeuta, revelando somente pouco a pouco. E aqui percebemos como a mentira e a omissão são subterfúgios ancestrais, embora geralmente atribuídos a internet, reificada como o espaço das mentiras. Mas a internet é, nada mais, nada menos do que uma ferramenta, e temos bons ou maus frutos de acordo com o uso que fazemos dela. Aqui, Claire acaba caindo na própria armadilha que construiu, ficando dependente da figura de Alex, com o mesmo acontecendo com ele. A dor da separação dos dois será inevitável, com a impressão de que ela é maior ainda, pois não houve nem a chance dos dois se conhecerem pessoalmente e a relação não sofreu nenhuma espécie de desgaste, acabando abruptamente, sendo mais traumática essa situação.

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Sem coragem de se apresentar pessoalmente para Alex

Não fossem todos esses problemas, o companheiro de Claire ainda descobriu as artimanhas dela e inventou uma história de que Alex havia se suicidado. Isso mergulhou Claire num desespero ainda maior e ela somente pôde sanar isso criando uma história entre ela e Alex onde ela morre atropelada no final. Ainda, Claire revela a Dra. Catherine que a moça que ela criou para seu perfil falso na verdade era uma moça que ela conhecia e que havia fugido com um antigo marido dela. Assim, ela usa a imagem da moça como uma espécie de vingança, uma espécie de rejuvenescimento, nem que seja no meio virtual. Mais divã impossível.

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Uma vida feliz, pelo menos na imaginação, mas até certo ponto…

Mesmo que Claire se considere “velha” e tenha criado o perfil falso para se aparentar mais jovem, a coisa soou um tanto falsa, já que a mocinha usada no filme como o perfil falso acabou totalmente ofuscada por Binoche, que esteve muito deslumbrante nesse filme, algo realmente acima da média que estamos acostumados a ver. A dobradinha que ela faz com Nicole Garcia na relação paciente/terapeuta foi um deleite para os olhos e valeu o ingresso. As duas estavam muito belas e elegantes, além do show de interpretação.

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Uma terapeuta…

Dessa forma, “Quem Você Pensa Que Sou” é um grande filme com uma história cativante e grandes atrizes fazendo um ótimo trabalho. Um filme que aborda uma temática muito atual como a internet, mas que, ao mesmo tempo, desmitifica a rede mundial de computadores como inventora de fakes, mostrando que a criação de mentiras e dissimulações é mais antiga do que a gente imagina. Vale a pena dar uma conferida.

Batata Movies – Legalidade. Bela Reconstituição Histórica.

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Cartaz do Filme

Um bom filme histórico brasileiro. “Legalidade”, de Zeca Brito, evoca os tempos de turbulência da renúncia de Jânio Quadros e a resistência dos militares contra a posse do vice-presidente João Goulart, conhecido como Jango. Seu cunhado, Leonel Brizola, à época governador do Rio Grande do Sul, defende o cumprimento da constituição e encabeça a chamada Campanha da Legalidade, onde busca garantir a posse de Jango. Houve forte resistência por parte dos militares e até ameaças de bombardeio do Palácio Piratini, do Governo do Rio Grande do Sul. Mas Brizola (interpretado soberbamente pelo falecido ator Leonardo Machado) não perdeu a coragem e manteve a campanha de pé, assegurando a posse de Jango. O teor histórico do filme é ratificado por imagens de arquivo estrategicamente ordenadas pela montagem. Mas o filme também nos fala de outros lances interessantes como o encontro de Brizola com Che Guevara no Uruguai, algo cujo registro, se existe, é mais raro de se encontrar por aí.

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Brizola. Luta pelo cumprimento da Constituição…

O filme também tem um relacionamento amoroso, eivado de romantismo revolucionário, entre o antropólogo Luís Carlos (interpretado por Fernando Alves Pinto) e Cecília (interpretada por Cleo Pires, que agora só aparece nos créditos como Cleo), uma jornalista do The Washington Post. Há, ainda, um arremedo de triângulo amoroso onde entra o irmão de Luís, o repórter Tonho (interpretado por José Henrique Ligabue), mas o conflito é pouquíssimo trabalhado. O que é mais visto nesse filme é mesmo a relação entre Luís e Cecília, onde o antropólogo esquerdista que trabalha com índios se envolve com a correspondente que trabalha a serviço dos americanos. Cecília acaba mudando de lado e vai heroicamente com Luís para a guerrilha, desaparecendo da História junto com ele. Quem segue os passos de Cecília é, no ano de 2004, sua filha, Blanca (interpretada por Letícia Sabatella) que, ao final do filme (alerta de spoiler) se encontra com Brizola em sua fazenda no Uruguai para conversar sobre a mãe. Confesso que achei essa parte do filme um pouco entediante, sendo ficcional.

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Encontro entre Brizola e Che Guevara

O que realmente é hipnotizante é toda a história em torno de Brizola e da resistência montada por este, a ponto de montar uma pequena estação de rádio nos porões do Palácio para transmitir a campanha e armar quem trabalhava na sede do governo. Nisso, o filme vale o ingresso, e muito. Me lembrei dos tempos em que o caudilho era governador do Rio de Janeiro e da forma corajosa (e, principalmente, muito engraçada) com a qual ele era implacável com seus adversários políticos. É uma figura que faz muita falta hoje, nesses tempos tão sombrios. Pelo menos esse filme, pouquíssimo divulgado por sinal, traz de volta a memória e a combatividade dessa figura pública que, se tinha seus defeitos (gostava de concentrar muito poder em torno de si), era também eivado de muitas virtudes (pensava com sinceridade nos menos favorecidos, até por sua origem humilde, e foi uma das pessoas mais corajosas que vi), combatividade essa extremamente necessária nos dias de hoje e que, com o exemplo de Brizola, mostra ser perfeitamente possível.

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Uma jornalista a serviço dos americanos que muda de lado…

Dessa forma, “Legalidade” é um programa imperdível e obrigatório, não somente por sua importância como documento histórico inspirador, mas também por sua cinematografia muito bem cuidada, com bons atores (como eu lamentei saber do falecimento de Leonardo Machado!) e suas imagens de arquivo, muito bem montadas na narrativa. Assistir a esse filme chega a ser uma missão cívica.

Batata Movies – Tsé. Uma Difícil Luta Pela Sobrevivência.

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Cartaz do Filme

Um impressionante documentário brasileiro. “Tsé”, dirigido por Fábio Kow, narra a trajetória da sua avó, a judia polonesa Tsecha Szpigel, que teve a sua família assassinada por nazistas em campos de concentração, e só não morreu, pois sua mãe a atirou do vagão do trem justamente quando as duas iam para um campo. Ainda bem pequena, a menina teve que vagar por uma Europa em guerra e escondida dos nazistas. Com a guerra terminada, ela não quer mais saber da Europa e migra para o Brasil em 1949 com o seu namorado, estabelecendo raízes e toda uma família por aqui. Vamos lançar mão de alguns spoilers para compreender melhor o documentário.

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Tsé, uma matriarca sobrevivente…

E é justamente essa família, juntamente com Tsé (o carinhoso apelido de Tsecha) a grande protagonista do filme. Vemos aqui toda uma série de depoimentos de muitos e muitos parentes, indo dos filhos, passando pelos netos e chegando até os bisnetos, tudo muito bem amarrado por Fábio Kow, que tem uma extensa memória visual de câmara VHS que ele começou a coletar quando ainda era criança, trazendo à vida muitos parentes e personagens (por que não históricos?) para os olhos do espectador em sala, num ritual que mais pareceu uma espécie de materialização de pessoas já falecidas e outras não.

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Uma família que desapareceu, com uma única sobrevivente…

O filme acaba sendo um curioso documento, não somente da história de Tsé, que é muito sofrida, mas também muito rica, assim como um documento da própria família e de como os seus entes se relacionam. Um exemplo disso é que, pouco antes de falecer, alguns parentes estavam em litígio e isso parece ter afetado muito a Tsé, que morreria logo em seguida, o que levou a uma reconciliação. A anciã e matriarca da família teria dito antes de morrer algo do tipo: “todos brigam, todos são idiotas”, numa alusão a sua própria família, mas talvez também a toda a humanidade, já que ela havia sofrido demais desolada e sozinha durante a guerra, em plena infância. Assim, apesar dos depoimentos dos familiares passarem a impressão de que tudo ia bem naquela família, as entrelinhas espelhavam conflitos, que são normais em toda e qualquer família, mas que, obviamente, não foram destrinchados, já que o documentário tinha o objetivo de traçar a trajetória de Tsé e homenageá-la.

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Uma jovem que migra para o Brasil…

Dessa forma, “Tsé” vale a pena ser visto, pois podemos testemunhar a trajetória de uma sobrevivente do holocausto ainda viva, uma história contada pela própria, e, ainda por cima, podemos ver também um documentário sobre a família que essa sobrevivente construiu por aqui. Vale pela curiosidade e pelo testemunho extremamente rico de Tsé.

Batata Movies – Branca Como A Neve. Uma Branca De Neve Moderna.

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Um cartaz lindo e sedutor…

Uma co-produção França/Bélgica um tanto engraçada, um tanto lúdica. “Branca Como Neve” brinca com o conto de fadas tradicional, dando-lhe uma roupagem moderna e substituindo os sete anões por sete “príncipes”. Além disso, conta com a presença da diva Isabelle Huppert, no papel de madrasta. Para podermos falar do filme, vamos lançar mão de spoilers aqui.

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Claire, uma Branca de Neve irresistível…

Nesse conto de fadas moderno, Claire (interpretada pela belíssima Lou de Laâge) faz as vezes de Branca de Neve. Ela trabalha no hotel do falecido pai sob os cuidados da madrasta Maud (interpretada por Huppert). Tudo vai bem com as duas até o momento em que Maud descobre que seu namorado está perdidamente apaixonado por Claire. Assim, Maud ordena o sequestro e assassinato de Claire. A moça é enfiada no porta malas de um carro e enviada a um local muito ermo, mas a sequestradora bate com o carro e Claire foge, sendo rendida pela sequestradora novamente. Quando Claire vai ser assassinada, ela é salva por um homem, que mata a algoz, e Claire é levada para a casa dele. Esse será o primeiro dos sete “príncipes” que irão entrar na vida de Claire, que vai manter relações com todos eles, algumas sexuais, outras não, mas todas muito intensas. Ou seja, a moça, que somente sonhava e não vivia, vai passar por uma espécie de liberação e começará a viver, em suas próprias palavras, não sendo de ninguém. O detalhe é que esses sete príncipes têm personalidades e características muito diferentes, e Claire vai ter muito jogo de cintura para interagir com tamanha diversidade masculina. Entretanto, Maud descobre que a enteada está ainda viva, morando no interior, e vai até lá para acabar com a moça, com direito até a maçã envenenada.

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Sete anões, quer dizer, príncipes…

O filme desperta sentimentos variados. A ampla fauna masculina que vemos na película tem uma variedade psicológica intrigante e, até certo ponto, muito perturbadora. Temos um gago, um hipocondríaco, um masoquista, um psicopata leve, um padre, um angustiado e um garotão. Dá para perceber como Claire teve uma ampla gama de experiências na sua iniciação a vida. O filme também tem uma forte dose de humor, podendo ser negro ou não, seja nos esquilos que observam as aventuras sexuais de Claire dentro de um carro, seja no esquilo que morre envenenado ao comer a famigerada maçã.

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Isabelle Huppert como a madrasta. Sensacional como sempre…

As atrizes foram muito bem. Lou de Laâge conseguiu tocar muito bem a sua personagem não só lançando mão de sua beleza angelical, mas também com muito talento, dando um teor de sedução enorme e irresistível à sua personagem, fazendo os homens de gato e sapato a seu belprazer. Já Isabelle Huppert mais uma vez destilou toda a sua elegância e talento, fazendo uma madrasta tomada por ciúmes da enteada,já que seu namorado se apaixona por ela. Ela consegue ser uma grande vilã, mas a sequência em que ela entorpece Claire é altamente sedutora, pois as duas dançam juntas numa espécie de transe eivado de toda uma enorme sensualidade entre dois corpos femininos que se relacionam ao som de uma tórrida música. Foi esteticamente muito bonito.

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Uma apaixonante e sedutora dança entre Branca de Neve e a madrasta

Assim, “Branca Como Neve” foi uma releitura ousada do conto de fadas com direito a muita sensualidade e humor, tudo isso amparado pela interpretação magistral de duas atrizes e uma fauna de personagens masculinos variados, usados como uma espécie de joguete por uma protagonista que se abre para a curtição da vida. Vale pela experiência.

Batata Movies – 12 Macacos. Futuro do Pretérito

O Conselho Jedi do Rio de Janeiro organizou, há alguns anos, o Cineclube Sci Fi, no Planetário da Gávea, onde era exibido um filme de ficção científica seguido de palestra com convidados e debate com o público. Vamos lembrar aqui algumas dessas sessões. Uma delas exibiu o filme “12 Macacos” (“12 Monkeys”), produzido já no longínquo ano de 1995, dirigido por Terry Gillian e inspirado no curta francês “La Jetée”, escrito por Chris Marker. O elenco conta com figuras de peso como Bruce Willis, Brad Pitt, Madeleine Stowe, Christopher Plummer e até, acreditem, Frank Gorshin. Não identificou esse último nome? Ele fazia o Charada da série do Batman estrelada pelo Adam West!

Cole e Goines. Doidinhos!!!

Como podemos definir “12 Macacos” em uma só frase? É um surreal futuro do pretérito! A história do filme, altamente distópica por sinal, fala de uma espécie de agente temporal, James Cole (interpretado por Willis), que vive num mundo do futuro cuja humanidade foi praticamente dizimada por um vírus propositalmente criado pelo homem no passado, mais precisamente o ano de 1996. Os poucos humanos que restaram vivem nos subterrâneos e estudam as espécies animais na superfície que sobreviveram ao vírus, que já sofreu muitas mutações e para o qual a cura é praticamente impossível. Assim, faz-se necessário voltar ao passado para poder isolar o vírus antes que ele sofra as mutações. Só que as viagens ao tempo empreendidas por essa geração futura estão, digamos, meio que “descalibradas” e nosso agente temporal cai no ano de 1990, sendo dado como uma pessoa louca e perigosa, e internado num hospício. Lá, Cole conhece a psiquiatra Kathryn Railly (interpretada por Stowe) e o paciente Jeffrey Goines (interpretado por um tresloucado Brad Pitt). Esses personagens serão de suma importância para ajudar nosso protagonista a encontrar a organização secreta “12 Macacos”, que supostamente produziu o tal vírus que destruirá a humanidade.

Cartaz de La Jetée.

Roteiro interessante, não? O filme oferece várias possibilidades além da ficção científica. Num momento da película, a coisa parece mais um estudo da loucura e da psique humana. Sem perder uma forte dose de humor, o filme também consegue inquietar bastante, pois joga a insanidade humana de uma forma um tanto sufocante para cima do espectador. Brad Pitt, por exemplo, conseguia ser simultaneamente engraçado e angustiante, talvez um dos melhores papéis de sua carreira, embora não deva ser tão difícil fazer o excessivamente caricato ao invés de um papel dramático mais contido. Se o personagem de Pitt ainda podia ser classificado como engraçado, Cole, por sua vez, era o agônico por excelência. O homem sofreu demais na película, seja em seu tratamento na cadeia e no hospício, seja nas suas viagens temporais e nas prestações de contas que ele dava às elites do futuro que o enviaram para o passado, como parte do indulto que ele recebia (o personagem cometeu algum crime no futuro que não foi citado explicitamente), seja dentro de sua própria mente perturbada, que a uma certa altura, já não sabia mais o que era realidade ou invenção de sua cabeça. Esse ambiente altamente opressor e angustiante, aliado a um pesado humor negro, acabam tornando o filme altamente surreal, fugindo muito do estilo da ficção científica.

Mas o filme não é só esse embate surreal. Ele também aborda questões muito relevantes ligadas à ciência. Creio que nesse momento, deve-se falar um pouco das palestras dos convidados desta edição. Eles foram: Rafael Studart e Ulisses Matos, ambos roteiristas e fãs de histórias de viagens no tempo, e o químico Gastão Souza. Studart e Matos enfocaram suas falas na questão do paradoxo do tempo das viagens temporais, lembrando que o filme opta por uma lógica circular que torna a situação inevitável e irremediável, o que só faz amplificar a ideia de angústia já mencionada acima. O mais interessante, segundo eles, é que essa não é a única visão de viagem no tempo que existe. Algumas histórias simplesmente chutam para escanteio essa noção de lógica circular e aí surgem paradoxos mais latentes. Claro que isso deve ser feito com alguma responsabilidade ou a história ficará com muitos furos e perderá a qualidade. Ainda, os palestrantes lembraram que, quanto mais se volta ao passado, maior é a instabilidade da lógica circular. Uma alteração no passado que você faz no dia de ontem, pode ter consequências bem menores que uma alteração no passado que você faz há seis milhões de anos. Devemos nos lembrar, no entanto, que isso não é uma regra e depende muito do tipo de alteração que é feita no passado. Eles também falaram um pouco do curta francês “La Jetée”, de 1962, que inspirou “12 Macacos”. Foi mencionado que essa história de vinte e sete minutos era uma espécie de sucessão de fotos estruturadas sob uma narração e que não se furtava de ir somente ao passado, mas ao futuro também, algo que não foi mostrado em “12 Macacos”. Ainda sobre a questão dos paradoxos temporais, a tal história da organização secreta “12 Macacos” que foi o motivo de Cole voltar ao passado teria sido implantada pelo próprio Cole quando ele estava em 1996. Studart e Matos ainda projetaram slides referentes à série de tv produzida mais recentemente e inspirada em “12 Macacos”.

Henrique Granado e Brian Moura (nas extremidades) com os palestrantes: Gastão Souza (de barba), Rafael Studart (centro) e Ulisses Matos.

Já Gastão Souza estruturou sua apresentação em questões mais filosóficas e científicas. O primeiro ponto que ele menciona é a questão da profecia. Joe Cole é aquele que vem do futuro trazendo as “más novas”. Note que as iniciais de Joe Cole são as mesmas de Jesus Cristo (J. C.), considerado outro profeta bíblico. O mito de Cassandra, que sabia prever o futuro, mas totalmente impotente para evitar que algo ruim acontecesse, é também mencionado pelo palestrante, assim como na película. Foucault foi citado pelo palestrante por defender a ideia de que chamar alguém de louco é muito mais o reflexo de uma vontade de dominação política do que um diagnóstico médico. Sentimos isso no filme o tempo todo. Ainda, o personagem de Brad Pitt, Goines, apesar de taxado de louco, fala coisas altamente pertinentes como a crítica à sociedade de consumo, que leva a uma devastação ambiental e ao apocalipse, ou seja, nosso planeta não consegue aguentar todos os excessos praticados pela raça humana e vemos uma destruição paulatina do meio ambiente. Ainda, Goines defende a liberdade para os animais e coloca o seu próprio pai, um grande cientista, na jaula, numa metáfora de volta ao primitivismo, onde os animais livres num mundo sem jaulas remetem a um tempo em que o ser humano não fazia qualquer mal à natureza. Souza ainda menciona o mito da solução científica, onde a ciência busca soluções para os próprios problemas que ela cria, algo também muito presente em “12 Macacos”.

Uma discussão muito interessante que alinhou as falas dos três palestrantes foi a questão de se dar direitos a robôs se eles se tornarem seres com consciência. Tal assunto suscitou muita discussão, com alguns membros do público concordando e discordando dessa posição. Ainda, Souza levantou a questão de que é muito difícil se definir o que é consciência se nem sabemos ainda como nosso cérebro funciona integralmente.

Essas foram as impressões do filme “12 Macacos” na sessão do Cineclube Sci Fi do Conselho Jedi do Rio de Janeiro. Futuramente, vamos lembrar de outras sessões.

Batata Movies (Especial Cinema Centro América) – Histórias Do Canal. O Imperialismo Que Não Nos Contam.

Cartaz do Filme

Ainda dentro da Mostra “Cinema Centro América”, ocorrida na Caixa Cultural Rio de Janeiro no ano passado, sobre a produção cinematográfica recente da América Central, temos o excelente “Histórias do Canal”, produzido no Panamá em 2014, com duração de 106 minutos. Esse filme é contado em cinco histórias, dirigidas por Carolina Borrero, Pinky Mon, Luis Franco Brantley, Abner Benaim e Pituka Ortega-Heilbron. Todas essas histórias orbitam em torno do Canal do Panamá e das relações entre a população local e o processo imperialista dos Estados Unidos na região. Essas histórias se passam em cinco momentos diferentes: 1913, 1950, 1964, 1977 e 2013.

A criança americana que se identifica com a terra dominada…

Em 1913, o canal ainda está em construção e vemos aqui um jovem casal negro que participa das obras. O problema é que um novo capataz americano extremamente racista chega à região e implica com o casal, sendo que, numa briga com o rapaz, acaba morto quando cai ao chão e bate numa pedra com a cabeça. O namorado precisa fugir e a moça, de uma família extremamente religiosa, é obrigada pelo pai (que é o pastor da comunidade) a se casar com o irmão do namorado.

Luta por autonomia dentro do próprio país…

Na segunda história, que se passa em 1950, vemos um garotinho americano, filho do engenheiro que cuidava do canal e recentemente falecido, interagindo com os panamenhos, inicialmente no seu mundinho burguês da zona restrita somente aos americanos, e depois andando pelas ruas de uma cidade dos panamenhos, entrando em contato com toda uma outra realidade com a qual ele se identifica, pois quando ele vai embora de volta para os Estados Unidos com sua mãe, fica com a impressão de que está deixando sua casa.

Casamentos arranjados…

A terceira história, de 1964, fala de um jovem fotógrafo que frequenta a Universidade e se apaixona por uma americana, arrogante toda a vida, que cede aos encantos do moço, mas que logo vão se separar por questões ideológicas. Nesse momento, o Panamá exige o direito de hastear sua bandeira na zona destinada aos americanos, o que é prontamente rechaçado por eles. É uma época de muitos protestos e conflitos, com o Panamá querendo se afirmar diante de seu poderosíssimo “parceiro”.

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Um James Bond hilário…

Já a quarta história, de 1977, mostra um Jimmy Carter começando a dar autonomia para o país centro-americano. Mas um taxista fará um trabalho de espionagem para um grupo nacionalista, gravando conversas de americanos graúdos que discutem se a administração do Canal será passada aos panamenhos ou não. Essa história tem um divertido tom de comédia e temos aqui uma espécie de James Bond cômico.

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Um jovem fotógrafo, dividido entre o amor de uma americana e o amor de seu país…

A quinta história, de 2013, se passa cem anos depois da história de 1913 (com o Canal já sob a administração do Panamá) e se remete a ela. Uma ossada é encontrada num sítio arqueológico, onde está uma pedra que pertencia a moça da primeira história. Como o nome de seu namorado está nela, os cientistas conseguem chegar à sua descendente, que vive em Nova York e é cantora. Sua antepassada se desvencilhou do casamento arranjado e fugiu para os Estados Unidos, deixando seus parentes panamenhos magoados. Agora, muitos anos depois, a descendente volta para a reconciliação e para homenagear os mortos na construção do canal, dentre os quais constam seus familiares. Tal ato foi libertador para ela, pois a moça não consegue mais cantar, e depois da viagem, recupera seu dom.

Uma cantora conhecendo o passado de sua família…

Cinco histórias, cinco momentos em que vemos um povo de um país inteiro sendo tratado de capacho pelos Estados Unidos, da mesma forma como os americanos retratam seus inimigos no cinema. Ou seja, é um filme que nos faz pensar, e muito, sendo uma importante atração da Mostra Cinema Centro América, que foi realizada na Caixa Cultural do Rio de Janeiro.

Batata Books – Minha Lua De Mel Polonesa. Humor E Esquecimento.

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Idílico Cartaz do Filme

Um filme francês provocador. “Minha Lua de Mel Polonesa”, de Elise Otzenberger, se apresenta como uma comédia mas, no fim das contas, aborda uma temática para lá de séria: a questão do esquecimento e do apagamento da memória, feito de forma muito proposital. Um filme que acaba tendo como objetivo nos colocar em estado de alerta quanto a algumas injustiças que pensamos estar enterradas há muito, mas que ainda pululam alegremente por aí. Para podermos entender melhor o filme, vamos lançar mão de spoilers.

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Um casal buscando as origens…

Vamos ao plot. Anna (interpretada por Judith Chemla) e Adam (interpretado por Arthur Igual) são um casal parisiense de origem polonesa que organiza uma viagem a terra natal de seus antepassados para participar de uma celebração em nome das vítimas do holocausto. Anna tem grandes expectativas de encontrar suas raízes por lá, já que sua mãe nunca quis muito revolver o passado e isso é motivo de fortes discórdias entre as duas, com Anna tomando atitudes que beiram a histeria. Já Arthur também não dá muita ideia para o passado (o evento em que vão até tem mais ligação com sua família), mas acompanha a esposa.

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Anna, uma mocinha bem estressada…

Ao chegarem por lá, a decepção vai tomando conta de Anna, pois ela não consegue se satisfazer com as poucas pistas que vai encontrando sobre o passado dos judeus, além de não ter nenhuma referência sobre o próprio passado, o que entristece demais a moça. Para piorar a situação, o apelo turístico local é todo em torno da cultura judaica fazendo dobradinha com o holocausto, onde temos a inusitada situação de camelôs que vendem, ao mesmo tempo, elementos da cultura judaica juntamente com souvenirs de suásticas, algo que beira o bizarro. A situação vai ter um ponto de virada com a chegada repentina da mãe de Anna, que ajuda a filha a se encontrar com o passado da família. Entretanto, infelizmente a surpresa não será das melhores.

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Um espacinho para romance a la Gene Kelly…

O filme tem violentos plot twists. No início, vemos um casal numa espécie de segunda lua de mel, onde a esposa é muito metódica e agitada, sendo engraçada e chata ao mesmo tempo. Ou seja, a personagem de Anna flerta perigosamente com a caricatura. Mas, com a chegada à Polônia e as consequentes decepções de Anna, a coisa vai mudando de figura. Para ela, não conseguir ter contato com o passado da família vai assumindo um peso doloroso e aprofunda o abismo entre ela e a mãe, que não quer desenterrar o passado. A Anna chata e caricata do início do filme dá lugar a uma Anna com a qual nos solidarizamos e compadecemos. Começamos a nos mortificar com sua tristeza que beira o paroxismo.

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Reconciliação com a mãe…

A chegada da mãe e a reconciliação das duas é uma grata surpresa, mas o filme nos dá outra rasteira quando as duas procuram a casa da avó de Anna e somente se deparam com um terreno baldio cheio de mato, onde será a vez da mãe de Anna se debulhar em lágrimas e ser confortada pela filha. Foi de doer testemunhar a tristeza das duas abraçadas. Agora, esses pontos de virada no filme são fundamentais para cimentar a mensagem principal: por mais que a Polônia viva do turismo do holocausto, ainda assim há um apagamento da memória da cultura judaica e de toda a tragédia ocorrida, relegando-as a um mero souvenir. Os últimos sobreviventes do holocausto estão morrendo, o cemitério judeu tem as lápides saqueadas, a Estrela de David é usada como pichação em tom ofensivo em brigas de torcida de futebol. Ou seja, não se mudou muita coisa no tratamento dos judeus do holocausto da Segunda Guerra Mundial para cá.

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Descobrindo aos poucos uma dura realidade…

E Anna e sua mãe recebem a polarização de toda essa violência que a cultura judaica ainda sofre. Ao usar o recurso dos plot twists para mostrar de forma veemente esse preconceito ainda reinante, a diretora Elise Otzenberger marcou um pontaço, dando ao filme o valor do ingresso e até muito mais. Para a coisa não terminar extremamente melancólica, optou-se por um último plot twist em forma de happy end, com o casal chegando a sua casa em Paris e praticando uma tradição judaica, que foi enterrar o prepúcio do filho pequeno num vaso de flores. Se Anna queria fazer isso na Polônia, as decepções da viagem acabaram levando-a a realizar isso em Paris, cidade que a mãe e a avó escolheram para se esquecer do duro passado na terra natal.

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A competente (e deslumbrante) diretora Elise Otzenberger…

Dessa forma, se “Minha Lua de Mel Polonesa”, num primeiro momento ao assistir o trailer, parecia uma comédia bobinha, acabou posteriormente se revelando um grande filme pelo fato dos plot twists mostrarem a questão do apagamento compulsório da memória de uma cultura que ainda sofre perseguições hoje em dia. E o mais interessante é que a dor desse apagamento se personifica nas personagens de Anna e sua mãe onde a filha, incialmente afastada da mãe por não aceitar que ela quer deixar o passado para trás, depois a entende justamente pelos males que esse passado (e o apagamento do mesmo) provocam. Programa imperdível.

Batata Movies – O Tradutor. O Melhor de Santoro.

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Cartaz do Filme

Todos nós sabemos que Rodrigo Santoro se aventurou a fazer uma carreira internacional no cinema. Muitos méritos para ele, pois isso não é para qualquer um, já que é difícil levar a cabo tal tarefa sem cair na armadilha dos estereótipos. E podemos dizer que Santoro conseguiu se sair relativamente bem nesse quesito. Talvez o papel mais lembrado de sua carreira internacional tenha sido o Xerxes de “300”. Pelo menos, até o momento em que Santoro emplacou “O Tradutor”, um verdadeiro filmaço, escolhido para ser o representante de Cuba na luta pelos finalistas ao Oscar de Melhor Filme Estrangeiro.

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Um professor de literatura russa numa nova missão…

O plot é o seguinte. Malin (interpretado por Santoro) é um professor cubano de literatura russa na época da visita de Gorbachov à ilha. Um belo dia, seu curso é suspenso na faculdade em que trabalha e Malin é direcionado para um hospital repleto de crianças russas, vítimas da radiação da usina nuclear de Chernobyl. Ele terá a missão de ser intérprete entre os pacientes e seus pais e os médicos cubanos. A princípio, Malin repudia com veemência tal tarefa, já que tem aversão a hospitais, doenças e sofrimento, mas é repreendido pela enfermeira argentina Gladys (interpretada pela versátil atriz Maricel Álvarez). Malin trabalha durante a noite e só vai para casa pela manhã, para desespero de sua esposa Isona (interpretada por Yoandra Suárez), que está grávida e já tem um filho pequeno para cuidar. A ausência de Malin na família implode a relação, mas o professor mergulha de cabeça em seu trabalho, contando histórias infantis para as crianças e estimulando-as a desenhar e falar de si próprias em textos. O grande problema é que o fim da União Soviética mergulha Cuba numa crise e as coisas ficam ainda mais difíceis para Malin e todos.

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Uma enfermeira argentina que lhe dá um puxão de orelha…

Podemos dizer que esse é um filme que foi um verdadeiro presente para Rodrigo Santoro, pois ele foi, disparado, o melhor filme de sua carreira internacional. Essa é uma história real dirigida pelos filhos do próprio professor (Rodrigo e Sebastián Barriuso) e Santoro teve a oportunidade de fazer um personagem relativamente complexo, pois tinha uma vida confortável, com sucesso pessoal e profissional e, de uma hora para outra, sua vida vira de cabeça para baixo, com nosso protagonista tendo que lidar com emoções altamente conflituosas, odiando inicialmente seu trabalho mas depois caindo de cabeça nele, a ponto de perder sua família. Ou seja, é uma película onde podemos ver muito sofrimento, seja na óbvia situação das crianças russas, seja na família de Malin. Mas o filme teve também um quê muito lúdico nas atividades que Malin fazia com as crianças, conquistando-as. Foi muito cativante essa parte e conquistou definitivamente o espectador.

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Testemunhando muito sofrimento…

Santoro convenceu bem, com uma interpretação contida, para momentos tão extremos e chamou a atenção do público para toda uma elite intelectual cubana, algo que não estamos muito acostumados a ver nas produções cubanas (temos aqui uma co-produção Cuba-Canadá). No contexto político, houve uma crítica leve ao regime mas a culpa pela crise ficou mais atrelada a uma derrocada do socialismo. Ou seja, fica bem claro na película que, enquanto a União Soviética mantinha relações com Cuba, trocando petróleo por açúcar, os dias de socialismo na ilha eram bem prósperos. E a crise do socialismo e da União Soviética mostrou a dura realidade do embargo econômico da lei Helms-Burton. Ou seja, uma forma ligeiramente diferente de se ver a crise econômica em Cuba tal como a mídia capitalista ocidental veicula.

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Virando um contador de histórias…

Dessa forma, “O Tradutor” é um filme obrigatório, pois aborda uma linda história real e consagra a carreira de nosso Rodrigo Santoro no exterior. Um verdadeiro presente para o ator e para nós, espectadores. Vale muito a pena dar uma conferida.