Batata Movies – O Contador. Um Ben Affleck Esquisitão.

Cartaz do Filme
Cartaz do Filme

Por Carlos Lohse

Um filme americano meio demodê em nossas telonas. “O Contador” lembra muito aquelas películas americanas de superviolência da década de 80, quando tiros de metralhadora em profusão retalhavam exércitos inteiros vivos. Convenhamos, mesmo os filmes de ação mais violentos de hoje em dia não têm mais esse perfil. Tudo bem que o “tiro, porrada e bomba” ainda está por aí, mas talvez num tom um pouco mais caricato ou seja, como coadjuvante da ação. Já em “O Contador” temos mais a ação como coadjuvante da violência.

Wolff, um sujeito soturno
Wolff, um sujeito soturno

O filme fala de um certo contador, Christian Wolff (interpretado por Affleck), um sujeito muito esquisitão, que teve uma infância regada a muitos traumas psicológicos, tanto por parte de mãe quanto por parte de pai. Mas esse lado psicológico totalmente descalibrado esconde um talento monstruoso para números e memorização. Isso faz com que Wolff se torne um grande contador na idade adulta, mas com um jeitão extremamente soturno e antissocial. Devido ao seu ótimo talento com números, Wolff torna-se o contador de pessoas muito perigosas. E aí, a sua vida passa a ficar ameaçada o tempo todo. Simultaneamente, ele é investigado por órgãos do governo americano, em virtude de suas ligações muito perigosas. Está armado o terreno para um filme com altas doses de violência explícita. Em tempo: o nosso protagonista não é um mocinho indefeso nas mãos de perigosos e violentos bandidos, já que ele tem um quê psicótico terrível.

Dana, uma "outsider"
Dana, uma “outsider”

O que dizer mais de um filme como esse? Apesar de altamente manjado em sua violência de anos 80, a película conta com um bom elenco. Além de Affleck, que está muito bem como o antissocial e psicótico contador, temos a ótima presença de J. K. Simmons (esse cara é realmente um excelente ator!) como Ray King, o agente do governo que está no encalço de Wolff e que tem uma ligação com o contador (chega de “spoilers”), uma grata presença de John Lithgow (só par reforçar o climão anos 80 do filme) e Anna Kendrick (a Cinderela de “Caminhos da Floresta”), que interpreta Dana Cummings, uma contadora também de passado introspectivo que serviu como um arremedo de par romântico com Wolff. A moça foi muito bem no seu papel de “outsider”. O filme ainda contou com a presença menos conhecida de Cynthia Addai-Robinson, como a agente Medina, de passado delinquente e que fica nas mãos de King, sendo obrigada a investigar a vida de Wolff. Assim, podemos dizer que o elenco vale a pena.

Medina e King. No encalço de Wolff
Medina e King. No encalço de Wolff

Uma coisa que ficou legal foi a alta dose de humor negro em alguns momentos do filme, principalmente depois que Wolff despejava seu pacote de maldades em cima de seus inimigos. Isso aliviava de uma certa forma a forte tensão da película, que poderia se tornar maçante e repulsiva caso não houvesse tal alívio cômico.

Um problema foi a alta quantidade de personagens que aparecem e desaparecem no transcorrer da trama, não ficando muito claro às vezes quem é quem e de que lado o personagem está. Deu a impressão de que o roteiro ficou um tanto mal escrito. É o tipo do filme que exige uma atenção redobrada do espectador.

Participação de John Lithgow. Climão dos anos 80
Participação de John Lithgow. Climão dos anos 80

Assim, “O Contador”, apesar de carregar muito nas tintas no quesito violência e de um herói com atitudes extremamente questionáveis, ainda assim é um bom filme, pois conta com medalhões de um naipe de um Ben Affleck, J. K. Simmons e John Lithgow, assim como tem uma alta dose de humor negro que compensa uma violência extrema pouco justificada por uma trama um tanto mal contada. É um filme que podemos dizer que é digno de atenção.

Batata Movies – Nosso Fiel Traidor. Ética Num Mundo Antiético.

Cartaz do Filme
Cartaz do Filme

Por Carlos Lohse

Um curioso filme em nossas telonas. “Nosso Fiel Traidor” é inspirado numa história de John Le Carré, o conhecido escritor de histórias de espionagem. Quando pensamos nesse gênero, ainda mais com esse autor, nos remetemos imediatamente aos tempos de Guerra Fria, quando a União Soviética era uma sólida inimiga dos Estados Unidos. Mas este não é o caso aqui. Podemos dizer que essa história tem ligações com a Rússia pós-socialismo, já inteiramente adaptada ao capitalismo, com todas as influências da máfia russa agora nos holofotes principais.

McGregor: nobreza jedi

Do que consiste a história? Vemos aqui um casal em crise passando férias em Marrakesh para recuperar a relação. O marido é Perry (interpretado por Ewan McGregor), um professor universitário de poesia, e a esposa é Gail (interpretada por Naomie Harris), uma promotora bem sucedida. Uma noite num bar, o casal é observado por um grupo de homens muito mal encarados. Gail se desentende com Perry e o deixa sozinho no bar. É o momento em que um dos homens se aproxima. Ele é Dima (interpretado por Stellan Skarsgard), um russo que consegue ser simultaneamente de comportamento muito rude e muito amistoso e persuasivo. Ele convence Perry a ir a uma festa estranha de gente esquisita. E, aos poucos, o professor se aproxima cada vez mais do russo e de sua família, levando a esposa a reboque. Um belo dia, Dima revela a Perry que ele e sua família estão ameaçados pela máfia russa e pretende fazer aquilo que em terras tupiniquins é chamado de “delação premiada”, ou seja, ele entrega o nome de todos os mafiosos russos que usam dinheiro sujo para abrir um banco em Londres em troca de proteção para ele e sua família. Perry recebe de Dima um pen drive com alguns dados que serão entregues a representantes do MI6. Está criado um ambiente onde um casal normal acaba se envolvendo com gente muito, muito casca grossa.

Skarsgard arrebentou!
Skarsgard arrebentou!

Quais são os elementos de destaque dessa película? Em primeiro lugar, é uma história muito bem escrita e contada, o que confirma toda a notória genialidade de le Carré para tramas de espionagem. A gente fica com os olhos vidrados na tela o tempo todo, esperando o próximo lance desse jogo de xadrez que é o filme, onde o perigo está à espreita o tempo todo. Dima é seguido sistematicamente pelos próprios seguranças, que o perseguem em nome de Príncipe, o chefão da máfia russa. E a graça da coisa está na forma como os protagonistas precisam incessantemente driblar os vilões da história, o que carrega a trama com muito suspense, colocando a ação em segundo plano. Em segundo lugar, o elenco. Skarsgard simplesmente arrebentou nesse filme, sendo talvez uma das melhores atuações de sua carreira. Ele conseguiu dar ao seu personagem rústico e durão um enorme carisma, assim como um lado muito humano. Ele realmente consegue conquistar o público aos poucos. Já McGregor convence como o cara certinho, que se mostra extremamente intolerante com violências contra as mulheres da película, tendo um comportamento ético e moral digno de um Obi Wan Kenobi. Naomi Harris esteve muito bem, e foi legal ver a moça ter mais espaço para mostrar todo o seu talento, ao contrário de suas atuações como “bondgirl”. Destaque deve ser dado também a Damian Lewis, no papel de Hector, o policial que negocia com Dima, negociação essa cheia de momentos tensos, o que enriqueceu a história. Lewis conseguiu dar ao personagem uma empáfia e arrogância que incomodavam.

Harris: mais do que uma "bondgirl"
Harris: mais do que uma “bondgirl”

O mais curioso aqui é que esse filme fala muito de conteúdo moral num meio totalmente imoral, que é o crime organizado. Um casal normal, que mal conhece um criminoso que lava dinheiro, se dispõe a arriscar a própria vida para salvar a família do criminoso. Esse paradoxo, digno dos melhores jedis (desculpem-me repetir a piada, mas não resisto) é um grande barato nessa história e a motivação principal das ações dos protagonistas, conferindo algo um pouco diferente para histórias de espionagem, onde le Carré comprova que pode criar tramas com pessoas consideradas normais, ou seja, fora dos limites do meio da espionagem, e com valores morais e éticos, algo pouco visto entre assassinos, criminosos e espiões com licença para matar.

Lewis: um agente arrogante
Lewis: um agente arrogante

Assim, “Nosso Fiel Traidor” é mais uma daquelas películas altamente recomendadas, pois tem uma excelente história, um bom elenco, e protagonistas que não são espiões em si, mas pessoas comuns do dia a dia, pautadas por valores éticos. Vale a pena dar uma conferida neste filme. E não deixe de ver o trailer abaixo.

Batata Antiqualhas – Battlestar Galactica. Visões De Um Passado Antigo E Recente (Parte 2).

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Por Carlos Lohse

Hoje vamos continuar nossa discussão sobre o universo de “Battlestar Galactica”. Essa série, produzida por Glen A. Larson (ele produzia muitas séries para tv nos fins da década de 70 e início da década de 80) foi repaginada em 2004. Antes de se realizarem os episódios, foi feito um longa-metragem. Se tomarmos esse longa como referência (confesso que ainda não tive a oportunidade de ver a série), encontramos várias diferenças com relação à série original. Agora, os cilônios foram produzidos pelos humanos e se rebelaram contra eles. Os centuriões estão novamente lá, com um design mais irado, mas não dizem uma só palavra. Existem modelos de cilônios que imitam fielmente 12 humanos diferentes. As 12 tribos novamente estão lá, e são destruídas pelos cilônios. Mais uma vez, a Galáctica encabeça uma frota de naves humanas em fuga. Mas agora, há esses 12 modelos de cilônios infiltrados, já que a raça humana não foi totalmente dizimada. É curioso perceber que os cilônios “humanos” não conseguem cumprir com eficiência as missões ordenadas pelo cilônio número 1, pois eles estavam emocionalmente envolvidos com os demais humanos, ou seja, era o amor (por mais piegas que possa parecer) que evitava que eles destruíssem os humanos, o que deixava intrigado o cilônio número 1, o mais frio de todos. O detalhe é que até um dos cilônios número 1 passou a ficar “emotivo” (lembrem-se que havia vários cilônios dos 12 tipos: vários números 1, vários números 2 e assim por diante) . O longa que deu origem à série termina com uma trégua entre os cilônios e os humanos e dois números 1 sendo executados na Galáctica: um mais emotivo e outro mais frio. Detalhe: a execução era ser lançado pelo espaço. Aí, era meio difícil de engolir isso, pois a gente via os caras flutuando no espaço, quando seus corpos deviam, na verdade, explodir, pois saíam de um ambiente com uma atmosfera de pressão do ar para pressão nenhuma. Então, a tendência do corpo seria explodir, como vimos em “O Vingador do Futuro”, do Schwarznegger. Mas como, em muitas ficções científicas, o som se propaga pelo espaço e naves explodem em bola de fogo…

Cilônios com novo design
Cilônios com novo design

Dá para perceber que a história recebeu uma turbinada. Mas algumas coisas pioraram na minha modesta opinião. Todas as referências às culturas antigas praticamente desapareceram nessa nova “Galáctica”. Ao invés disso, a gente via muitas referências ao presente da época em que a série foi feita. Militares com metralhadoras e fuzis, civis andando de terno e gravata, etc. Confesso que não gostei muito disso e acho que corrompeu uma ideia legal da série original, que era fazer uma ponte entre o que se via na história de Galáctica e as culturas antigas, para reforçar a impressão de que a raça humana veio do espaço. Outra coisa que ficou um pouco estranha foi a ligação entre os cilônios e os humanos. Os segundos se viam como uma espécie de criação do primeiro, e houve umas falas meio loucas, um tanto desconexas e místicas, na hora do ataque dos cilônios às tribos. Ficou uma parada meio bicho grilo, o que não acho muito legal numa série de ficção científica. De qualquer forma, o ódio dos cilônios pelos humanos era latente, já que eles se sentiram escravizados. Agora, uma coisa que realmente caiu muito bem nessa nova série é a presença de Edward James Olmos no papel do Comandante Adama. Esse ator foi um ícone dos anos 80. Não podemos nos esquecer de sua participação em “Blade Runner”, como o policial oriental que fazia pequenos bonequinhos com palitos de fósforo e sempre aparecia, de forma bem inconveniente, na frente de Harrison Ford. E, principalmente, como o inesquecível tenente Castillo, de Miami Vice, um homem de poucas palavras e olhar fixo, que sempre conseguia controlar a impetuosidade dos policiais “cascas grossas” Sonny e Tubbs. Ele fez um Adama mais frio e seco, bem ao seu estilo. E devo confessar que só vou procurar me inteirar mais sobre essa série nova da Galáctica mais por causa de Olmos.

Edward James Olmos. O melhor do novo longa
Edward James Olmos. O melhor do novo longa

Dessa forma, “Battlestar Galactica” mostra possuir uma boa história, que deu origem a duas leituras, datadas pela época em que foram escritas e realizadas. A série antiga teve mais referências a culturas antigas, mas menos episódios. Já a série mais nova excluiu essas referências, mas parece que fez uma história mais atraente, pois teve mais episódios. São visões diferentes, mas não menos interessantes. E não deixe de ver o trailer do filme de 2004 abaixo.

Batata Antiqualhas – Battlestar Galactica. Visões De Um Passado Antigo E Recente (Parte 1).

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Por Carlos Lohse

Quando o filme “Guerra nas Estrelas” estreou lá nos fins da década de 70, surgiram algumas séries para televisão nos Estados Unidos que se inspiraram em ficção científica espacial. A gente via na Globo, nos domingos à tarde, especificamente dois “enlatados” (era assim que se denominavam as séries de tv americanas na época): “Buck Rogers” e “Galáctica, Astronave de Combate”. A série “Buck Rogers” era mais fajuta. Todo mundo já conhece a história do americano que, em 1987 (a série passou por aqui em 1982), foi ao espaço numa nave, ficou congelado por cerca de 400 anos e voltou para a Terra em 2492, ou seja, em pleno século 25. Já a série “Galáctica” era bem mais interessante. Ela foi inspirada naquela ideia que algumas pessoas meio doidas defendem por aí de que a raça humana tem origem no espaço.  Assim, os humanos teriam formado 12 tribos pelo Universo. Mas o Império Cylon (ou cilônio, para os mais antigos), formado daqueles robôs em formato de centurião romano (eram chamados assim mesmo, de centuriões) e com aquele olho vermelho que ficava andando para lá e para cá (do mesmo jeito que a Supermáquina, do Michael Knight), travou uma guerra de mil anos contra os humanos. Vendo que não conseguiam a vitória, os cilônios simularam uma trégua para fazer um ataque surpresa, o que praticamente dizimou a raça humana, destruindo as 12 tribos. Todas as naves de combate haviam sido destruídas, exceto a Galáctica. Assim, ela passou a liderar pelo espaço uma frota de 1220 naves com os remanescentes da raça humana, enquanto os cilônios as perseguiam. Havia uma lenda de que, quando os humanos deixaram seu mundo de origem, Kobol, um grupo teria formado uma 13ª tribo, que seria justamente o planeta Terra. E assim, a Galáctica viajava pelo espaço em busca do nosso planeta.

Apolo, Adama e Starbuck
Apolo, Adama e Starbuck

Essa série de Glen A. Larson era muito interessante, pois vários elementos da História Antiga da Terra estão presentes. As 12 tribos são uma referência aos judeus. Os cilônios são descaradamente uma referência ao Império Romano. Os capacetes dos pilotos de caça da Galáctica tinham um design que lembrava a cultura egípcia antiga. A religião desses humanos, apesar da influência judaica, era politeísta como várias culturas antigas (eles adoravam “os senhores de Kobol”). Um dos robôs que estavam no alto comando dos cilônios se chamava Lúcifer, e por aí vai. O elenco contava com nomes como Lorne Greene (que ficou famoso na série “Bonanza”), interpretando o Comandante Adama, que liderava a Galáctica, e Dirk Benedict (conhecido por ser o Cara de Pau do Esquadrão Classe A, que passava no SBT), o tenente Starbuck, amigo do capitão Apolo (interpretado por Richard Hatch), filho de Adama. Eles pilotavam os caças que faziam batalhas espaciais contra os caças dos cilônios. Não podemos nos esquecer de John Colicos, que foi o primeiro klingon na série clássica de “Jornada nas Estrelas”, fazia o traiçoeiro Baltar, que se descambou para o lado dos cilônios e perseguia a Galáctica.

Os cilônios!!!
Os cilônios!!!

A série ainda contou com Lloyd Bridges como ator convidado, no episódio duplo onde a Galáctica encontra a astronave de combate Pegasus, comandada justamente pelo Comandante Caim (olha outra referência às culturas antigas), interpretado por Bridges. A Manchete reprisou “Galáctica” na década de 90, juntamente com “Buck Rogers” e a série clássica de “Jornada nas Estrelas”. E aí, pudemos ver alguns episódios novos que não haviam passado na Globo. Nesses episódios, a Galáctica já havia chegado à Terra, mas não podia entrar em contato com os humanos de nosso planeta, pois se os cilônios os descobrissem, teriam tecnologia suficiente para destruir tudo. No lado dos cilônios, já havia robôs com aparências humanas. Do elenco original só havia restado praticamente Lorne Greene, agora ostentando uma elegante barba branca, e o ator Herbert Jefferson Jr, que interpretava o tenente Boomer, um piloto de caça, que meio que foi “promovido” e assumiu um posto de comando na ponte da Galáctica nesses novos episódios. Os efeitos especiais sumiram e víamos dois pilotos de caça andando com suas motos pelas estradas da Terra fazendo missões secretas para defender o planeta dos cilônios. Ah, sim, me esqueci de dizer, as motos voavam (!).

Na conclusão desse artigo, vamos falar um pouco sobre a nova versão de “Battlestar Galactica”, produzida em 2004. Até lá! Mas antes, não deixe de ver o vídeo abaixo!!!

Capitão América – Guerra Civil. Filme, Quadrinhos, Livro. De Que Lado Você Está? (Parte 3)

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Vamos terminar nossa análise falando hoje do filme em si. Bom, depois de ler os quadrinhos e o livro, parti para o Odeon na época bem desanimado, pois se as duas mídias que são mais fieis à história já tinham mostrado aquele desfecho, o que poderia acontecer no cinema, que geralmente faz decalques malfeitos das histórias originais? Entretanto, ao ver o filme, fui fortemente surpreendido. A coisa de o cinema fazer um decalque malfeito da história original paradoxalmente salvou a trama. Podemos dizer popularmente que a emenda saiu melhor que o soneto. Se nos quadrinhos o desenvolvimento da história foi primoroso e o desfecho um fiasco, podemos dizer que no filme, a coisa se deu quase que ao contrário. Na película, tivemos um bom desenvolvimento da história, mas não tão marcante quanto o dos quadrinhos. A ausência de Sue Richards foi muito notada. O enfoque na importância do Homem Aranha foi radicalmente reduzido. E, se o traje dado ao Aranha por Stark era iradíssimo nos quadrinhos, com direito a uns tentáculos extras, no filme o traje que Stark deu ao aracnídeo era apenas o traje que conhecemos, já que Stark conheceu Parker quando ele ainda começava a dar seus primeiros passinhos como super-herói e usava um traje improvisado, que mais parecia um pijama com óculos escuros. Essas foram perdas muito importantes. Também não tivemos aquela grande variedade de heróis que havia na revista, mas sim os heróis que apareceram nos filmes, com a exceção da grata surpresa do Pantera Negra (interpretado por Chadwick Boseman, o mesmo ator que ficou conhecido pelo filme “James Brown”). A querela da regulamentação deixou de ser uma questão americana e tomou contornos mundiais. Vejamos: a tragédia de Stamford se transformou numa morte de cidadãos de Wakanda (o país do Pantera Negra) quando os Vingadores perseguiam terroristas em Lagos, capital da Nigéria. Isso fez com que o rei de Wakanda, o pai de Pantera Negra, encabeçasse a campanha pela regulamentação dos super-heróis e conseguisse uma lei aprovada pela ONU, assinada por 117 países. Ou seja, parece que a intenção do filme foi passar o bastão da responsabilidade da regulamentação dos Estados Unidos para todo o mundo, para dar um pouco mais de legitimidade à questão. Na história em quadrinhos, houve muito debate na coisa da regulamentação, mas ela sempre me pareceu algo ligado à severa visão intervencionista americana, onde a Shield fazia de forma bem efetiva o papel de cão de guarda na figura da Comandante Hill. No filme, esse suposto cão de guarda apareceu na figura do Secretário de Estado Thaddeus Ross (interpretado magistralmente por William Hurt). Ou seja, a visão intervencionista americana também aparece na película, mas apenas como em forma de breves pinceladas, um verniz externo. Nos quadrinhos isso se deu de forma muito mais profunda.

Um duelo casca grossa
Um duelo casca grossa

Agora, concordo com alguns comentários que surgiram por aí que o filme deu uma esvaziada na questão política e se tornou uma questão um pouco mais, digamos, pessoal. Uma coisa muito boa que aconteceu na película foi envolver o Soldado Invernal na querela. Ele foi responsabilizado pelo atentado que matou o Rei de Wakanda e acabou envolvendo um elemento a mais na cisão entre o Capitão América e o Homem de Ferro, pois Steve Rogers queria salvar a qualquer custo seu amigo, antigo companheiro da Segunda Guerra Mundial. Aí entra o tal “espírito antiquado” do herói, que parece não se encaixar muito nos dias atuais. Mas não tivemos o viés pessoal apenas se manifestando no Capitão América. O tivermos também em Tony Stark, pois foi o Soldado Invernal que matou seus pais sob efeito de um poder sugestivo implantado na mente do ex-combatente pelos soviéticos e isso deixou Stark revoltadíssimo, pois a perda dos pais fora um grande trauma para ele. Isso rendeu a batalha mais espetacular do filme, entre o Homem de Ferro e o Capitão América, que defendia de todas as formas seu amigo Soldado Invernal. Eu digo que essa batalha final foi ainda mais marcante que a longa sequência de luta entre todos os super-heróis do filme no aeroporto, pois envolvia um conflito pessoal que deixou traumas psicológicos profundos nos super-heróis, sendo essa batalha a mais doída de todas.  Não era somente uma pancadaria que a gente curtia em nosso gosto pouco desenvolvido por violência, mas era uma pancadaria que afetava nosso íntimo e que não queríamos que ocorresse. Sentíamos a dor de cada personagem ali: a perda dos pais de Stark, o arrependimento do Soldado Invernal, as tentativas desesperadas de Rogers de acabar com a luta tentando convencer Stark a parar com toda aquela violência. E aí, chegamos ao desfecho da luta, em que Rogers vence Stark (como nos quadrinhos) e, ao invés de lhe dar o golpe de misericórdia, apenas o atinge no coração, sem matá-lo, abrindo caminho para a reconciliação.

Tem se falado por aí que esse é um filme com igual peso para o Capitão América e o Homem de Ferro, que não seria um terceiro filme do Capitão América. Mas, apesar de toda a importância dada ao Stark, vou me arriscar a dizer aqui que esse ainda é um terceiro filme do Capitão América, mais do que tudo. Digo isso porque existe uma participação marcante do Soldado Invernal na película e, em segundo lugar, porque há uma implicação política na história, mais do que em algumas películas e quadrinhos da Marvel. Por esses motivos, essa história tem mais a cara dos filmes do Capitão América, que, na minha modestíssima opinião, são os melhores filmes da Marvel, pois eles envolvem um conteúdo de História e política muito bem elaborado, tendo como exemplo a Hidra, que vem do nazismo, se infiltrando na Shield, sendo uma espécie de responsável indireta pela visão intervencionista americana que nosso Steve Rogers discorda tanto por manter os puros ideais democráticos americanos na cabeça.

O Soldado Invernal tornou o filme mais interessante
O Soldado Invernal tornou o filme mais interessante

Agora, o filme tem um enorme trunfo! E esse trunfo se chama Zemo, que foi interpretado pelo magnífico ator Daniel Brühl (para quem não se lembra dele, ele interpretou o piloto de Fórmula 1 Nikki Lauda no filme “Rush”, onde Chris Hemsworth, o Thor, interpretou o também piloto James Hunt e grande rival de Lauda). Pode-se dizer que esse personagem salvou “Guerra Civil” daquele desfecho lamentável dos quadrinhos e do livro. Vejamos. O homem vivia na Sokóvia, aquele país do leste europeu que foi praticamente demolido no segundo filme dos Vingadores. Apesar de viver no campo, muito longe da cidade, os parentes de Zemo foram mortos na batalha, o que gerou um sentimento de vingança profundo por parte de Zemo contra os Vingadores. Assim, ele elaborou um plano que jogasse os super-heróis uns contra os outros, e seria totalmente bem-sucedido nisso, não fosse pela percepção do Capitão América de que havia algo de estranho no ar. Rogers até chegou a convencer Tony Stark de todo o problema, mas Zemo ainda tinha uma última carta na manga, que foi o assassinato dos pais de Stark pelo Soldado Invernal. Um momento marcante foi ver Zemo ter a sua tentativa de suicídio impedida pelo Pantera Negra, que buscava a vingança contra o Soldado Invernal pela morte do pai. Ao escutar a história de Zemo, Pantera Negra viu ali um caso de uma pessoa totalmente consumida pelo sentimento de ódio e vingança, evitando sua morte, até para que Zemo também pudesse pagar por seus crimes. E ver toda aquela história trágica também dissuadiu Pantera de seus sentimentos contra o Soldado Invernal. Pois é, eu havia dito acima que as questões pessoais tiveram mais peso que as questões políticas nesse filme. Mas com essas duas questões pessoais (a morte dos pais de Stark e o sentimento de vingança de Zemo), a coisa valeu muito a pena, não sendo piegas como poderia parecer. Ainda atento para outro detalhe. Se nas histórias em quadrinhos, as pessoas que sofriam com as destruições provocadas pelas brigas entre os super-heróis apareciam como meras vítimas, aqui o personagem Zemo, que foi uma vítima da destruição empreendida pelos Vingadores, se revelou também uma ameaça contra os super-heróis no seu forte sentimento de vingança. Esse detalhe subverteu a história completamente e simplesmente a tornou genial. Ainda, a última fala de Zemo deu a entender que ele pode aparecer nos próximos filmes por aí, o que seria algo muito bom, pois esse é um baita vilão interpretado por um baita ator.

Outro detalhe muito importante é que houve um desfecho apaziguador. Stark percebe as intenções do governo americano em tratar os heróis contra a regulamentação como criminosos quando ele vai ao presídio flutuante. E, no duelo final, ele não é morto pelo Capitão América e ainda recebe depois uma carta de desculpas do Capitão por não ter lhe dito que o assassinato dos pais foi por intermédio de um agente soviético (Rogers não sabia que havia sido o Soldado Invernal o responsável). Por essas e por outras, Stark não move uma palha quando o Capitão América liberta seus colegas da prisão. E ficou aquele final em aberto de que eles podem se reunir novamente no futuro.

Muito bem. Analisados quadrinhos, livro e filme, podemos chegar a algumas conclusões. Em primeiro lugar, tanto os quadrinhos quanto o filme mostraram uma história muito bem escrita, mas com o final melancólico. O livro teve a virtude de acrescentar mais alguns elementos à história, mas não teve a eficiência de descrever as cenas de luta com a materialidade visual dos quadrinhos, que podem ser considerados verdadeiras obras de arte. Já o filme desenvolveu a história de forma menos aprofundada que os quadrinhos, com menos super-heróis envolvidos, deu menos peso às implicações políticas em benefício de ótimas implicações pessoais, teve bons alívios cômicos (o Homem Formiga e o Homem Aranha foram providenciais nisso!), mas teve uma subversão sensacional na história em virtude do surgimento de um personagem, o vilão Zemo, interpretado por um ator sensacional que é Daniel Brühl, sendo essa uma ótima aquisição para o Universo da Marvel no cinema. E o final cinematográfico foi em tom reconciliador, ao invés da coisa altamente lamentável que se revelou no final dos quadrinhos. De uma forma ou de outra, “Guerra Civil” se mostrou uma história e tanto nas três mídias e mais uma vez a Marvel atropelou a DC no cinema. Esperemos o próximo round.

Zemo, uma excelente aquisição!!!!
Zemo, uma excelente aquisição!!!!

Capitão América – Guerra Civil. Filme, Quadrinhos, Livro. De Que Lado Você Está? (Parte 2)

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Por Carlos Lohse

Vamos hoje continuar a discussão de como “Capitão América – Guerra Civil” foi colocado nos quadrinhos, no livro e no filme lançado recentemente.

Se a história e seu desenvolvimento nos quadrinhos foram primorosos, com várias cenas de ação, duas violentíssimas batalhas, a morte de um herói, e os conflitos psicológicos em vários personagens como Tony Stark, Sue Richards e Peter Parker, o mesmo não se pode dizer do desfecho que, no mínimo, foi extremamente lamentável. Justamente na batalha decisiva, Steve Rogers se rende de uma hora para outra, deixando todos os seus comandados na mão. O motivo? Na batalha realizada dentro de um presídio que continha um portal para a tal dimensão paralela, os agentes da Shield trancariam o portal aprisionando todos os partidários do Capitão América de uma só vez. Assim, Manto, um herói do lado de Rogers, com poderes de teletransporte, levou todos para fora do presídio, caindo nos arredores do Edifício Baxter, o quartel-general do Quarteto Fantástico, bem no centro de Nova York. Obviamente, a super pancadaria provocou mais explosões e destruições entre os pobres inocentes. No embate final entre Capitão América e Homem de Ferro, o veterano de guerra se deu melhor e, quando ia dar o golpe de misericórdia (inclusive a pedido do próprio Stark), alguns populares o agarraram para parar com a carnificina. E aí, novamente com o centro de Nova York destruído (essa cidade só não é mais destruída que Tóquio!), Steve Rogers se toca da desgraça toda que está provocando e se rende, não como Capitão América, mas com seu nome civil de Steve Rogers. O detalhe aqui é que o grupo do Capitão América estava em superioridade numérica e ia ganhar a batalha final mas, segundo o Capitão, não ia ganhar a discussão. Ou seja, o projeto do governo de regulamentar os super-heróis foi bem sucedido e Tony Stark tomou toda a liderança do projeto. Um pequeno grupo de ex-seguidores do Capitão América permaneceu na dissidência e nosso Steve Rogers, um herói da Segunda Guerra Mundial, guardião dos ideais democráticos dos Estados Unidos da América (e acusado de antiquado por não querer se regulamentar), terminou vencido e humilhado na prisão.

Quadrinhos. Final tacanho
Quadrinhos. Final tacanho

Desculpem o comentário exaltado, mas que raio de final é esse? Tudo bem que o Capitão América se rendeu em nome de seus ideais, que ele não queria machucar as pessoas, etc., etc. Mas, e o compromisso com seus comandados? Um soldado que prima tanto a honra e o companheirismo também não poderia fazer isso. Se o meu estimado leitor me permitir reescrever o final desses quadrinhos, eu daria a seguinte sugestão: que o teletransporte fosse para alguma ilha deserta e afastada do Pacífico Sul, os caras resolvessem tudo na porrada, até que Rogers derrotasse Stark, mas não o matasse. Aí, Rogers daria ordem para seus comandados encerrarem a batalha, vencida pelos revoltosos. Ou seja, os vencedores poupariam os derrotados. Mas os aeroporta aviões da Shield estariam a caminho e Manto teletransportaria os revoltosos para um lugar desconhecido onde eles estabeleceriam uma base e trabalhariam fora do controle da lei americana, ou seja, o grupo do Capitão América seria uma espécie de força internacional de super-heróis fora da jurisdição de qualquer país, vivendo numa espécie de exílio com relação aos Estados Unidos. E, assim, novas histórias envolvendo os super-heróis regulamentados e os não-regulamentados existiriam no futuro, com as mesmas querelas psicológicas entre os personagens e até trabalhos em conjunto fora de solo americano. E, quem sabe, trabalhos clandestinos entre regulamentados e não-regulamentados nos Estados Unidos? Ainda, já imaginaram como seria para os super-heróis não regulamentados terem sua entrada nos Estados Unidos proibida? Como Parker teria que fazer para entrar no país e visitar Tia May e Mary Jane, que seriam vigiadas e monitoradas pela Shield? Já imaginou Parker entrando pelo México com a ajuda de coyotes? Dá para perceber como o tema da Guerra Civil pode dar pano para manga. E, de repente, esse fiasco de final! A impressão que se dá é a de que foi feito um grande esforço, um grande roteiro, desenhos incríveis (verdadeiras obras de arte!), ou seja, um trabalho muito bem feito e, de repente, me chega esse desfecho tacanho? Não, muitos podem discordar de mim, mas eu não consigo me conformar com isso.

Passemos, agora, ao livro. Escrito por Stuart Moore, inspirado diretamente nos quadrinhos acima, o livro conta praticamente a mesma história. Mas, quando comparamos duas mídias dessas naturezas, uma de característica verbal e outra não-verbal, onde palavras são confrontadas com imagens, vem aquela pergunta inevitável: uma imagem realmente vale mais que mil palavras? Geralmente eu acho que não, mas este livro de Stuart Moore consegue nos expor os dois lados dessa moeda. A descrição das cenas de batalha, por exemplo, ficaram um tanto que enfadonhas, e não transmitiram a vibração e choque que a arte dos quadrinhos pode proporcionar. As cenas com o Capitão América severamente ferido e ensanguentado, assim como as partes em que o clone de Thor aparecia, eram de um violento impacto visual nos quadrinhos, o que o livro acabou não proporcionando. Aqui, as imagens valem mais que as palavras. Em contrapartida, o livro desenvolve um pouco mais o roteiro, o que deixa a história mais recheada e interessante. Podemos dar aqui dois exemplos: entre a explosão de Stamford e o resgate às vítimas feito pelos super-heróis, o livro nos fornece um capítulo extra, em que o Homem de Ferro faz um voo intercontinental, praticamente de volta ao mundo, enquanto lia o jornal, falava com o Homem Aranha, marcava uma carona com seu empregado Happy. Ou em pequenos capítulos onde podemos ver Peter Parker tendo uma conversa privada com sua Tia May, que revelou ao sobrinho que já sabia há anos que ele era o Homem-Aranha ou com Mary Jane, onde os dois conversam sobre a cerimônia de casamento frustrada em virtude da revelação pública de Parker ser o aracnídeo, com a necessidade de Mary Jane e Tia May se esconderem por questões de segurança. Ainda, no momento em que Sue Richards abandona Reed, ela se depara com o Coisa, que não evita que ela saia e, ainda por cima ele diz que também está fora, partindo para a França. Todos esses elementos extras acrescentaram lances mais interessantes à história, que não eram vistos nos quadrinhos, embora o Coisa, que tenha retornado depois à guerra, disse nos quadrinhos que não iria ficar parado comendo croissants. Mas não houve qualquer menção nos quadrinhos de seu autoexílio na França, o que foi destacado no livro por sua vez. Assim, o livro acaba sendo uma mídia com uma desvantagem (a descrição das cenas de ação sem o impacto visual dos quadrinhos) e uma vantagem (acréscimo de elementos à história, tanto no núcleo do Quarteto Fantástico quanto no do Homem Aranha, que se revelou um personagem-chave para essa história, principalmente por ter trocado de lado depois de ser um admirador fiel de Tony Stark).

No próximo artigo, finalmente chegaremos ao filme e a comparação entre as três mídias. Até lá!

Quadrinhos. Um violento impacto visual, algo que se perde nos livros
Quadrinhos. Um violento impacto visual, algo que se perde nos livros

Capitão América – Guerra Civil. Filme, Quadrinhos, Livro. De Que Lado Você Está? (Parte 1)

A edição em quadrinhos da Panini
A edição em quadrinhos da Panini

Por Carlos Lohse

Este ano tivemos no cinema um dos grandes e esperados lançamentos da Marvel, “Capitão América – Guerra Civil”. Esse filme foi cercado de grande expectativa, pois era uma aposta para recuperar o interesse na fase dois da Marvel, que parecia perder um pouquinho de força com tantos filmes de vários super-heróis juntos. Era necessário dar um upgrade na franquia. Isso até foi feito em “Homem Formiga” e “Deadpool”, com uma investida bem sucedida no humor e em novos personagens. Mas, cá para nós, a sequência de “Vingadores” não tinha sido lá essas coisas. Era urgente uma boa história para o Capitão América, o Homem de Ferro, Viúva Negra e companhia. E, para isso, foi recuperada do Universo dos quadrinhos “Guerra Civil”. Essa história parte da seguinte premissa: os super-heróis têm um grande poder e ações totalmente ilimitadas, algo potencialmente perigoso. Assim, é necessário que os super-heróis passem a sofrer alguma regulamentação do governo, o que divide nossos protagonistas. Um grupo, liderado pelo Homem de Ferro, aceita tal atitude e assina um documento se comprometendo a isso. Já outro grupo, liderado pelo Capitão América, fica contra essa determinação, alegando que sua liberdade de escolha será reprimida, e que limitar suas ações pode até ser mais perigoso. Assim, os dois grupos muito argumentarão e também duelarão, o que vai trazer muitas cenas de ação e, principalmente, pancadaria.

Dois heróis em posições antagônicas
Dois heróis em posições antagônicas

Bom, uma das primeiras vezes em que as ações violentas de heróis foram questionadas, pelo que eu me lembre, foi num episódio das Meninas Superpoderosas, onde foi feita uma sátira aos “Tokusatsus” japoneses e as heroínas mirins comandavam um enorme robô que lutava contra um gigantesco monstro e destruíam toda a cidade, matando seus habitantes. À medida que os prédios e estádios eram destruídos, a gente podia escutar o grito das pessoas. Mas isso era feito num espírito de muita gozação, bem ao estilo daquelas animações que usavam uma violência altamente escrachada, em tom muito cômico. Quem diria que um dia esse tema passaria a ser abordado de forma muito séria nos filmes de super-heróis americanos e, ainda por cima, isso aparecesse em dois filmes este ano, que praticamente estrearam um atrás do outro, primeiro o da DC (“Batman vs. Superman”) e, depois, da Marvel (“Capitão América – Guerra Civil”). Se na história da DC, a questão foi mais uma rixa pessoal entre heróis, onde um desaprovava o método do outro, na Marvel, houve uma maior implicação política na questão, onde até a opinião pública tinha peso. Entretanto, a forma como a história da Marvel foi abordada nos quadrinhos, no livro e no filme, tiveram semelhanças e diferenças. A ideia aqui é fazer uma breve explanação de como “Guerra Civil” foi contada nestas três mídias e elaborar uma pequena comparação entre elas. Primeiro vamos falar um pouco dos quadrinhos, passando imediatamente para o livro e, depois, para o filme. Acho que o leitor já percebeu que teremos que lançar mão de muitos “spoilers” para fazer essa comparação.

Comecemos com os quadrinhos. Aqui foi usada a edição da Panini, de autoria de Mark Millar (roteiro) e Steve McNiven (desenhos). A ideia da tal regulamentação de super-heróis vem depois que acontece uma grande tragédia que vitimou cerca de novecentas pessoas, tragédia essa causada por um motivo muito banal: um “reality show” de um jovem grupo de super-heróis, os Novos Guerreiros. Ao encurralar um grupo de vilões, Nitro, o mais poderoso deles, provocou uma explosão de dimensões devastadoras num bairro residencial de Stamford. No funeral de uma das crianças vitimadas pela explosão, Tony Stark é hostilizado pela mãe. Ao mesmo tempo, Johnny Storm, o Tocha Humana, é praticamente linchado na saída de uma boate, sendo isso um sinal de que a opinião pública se voltava contra os super-heróis. Já há um debate da necessidade dos super-heróis terem um registro. Enquanto isso, num aero porta aviões da Shield, a comandante Hill, que substituiu Nick Fury no comando da força de segurança, prepara uma tocaia para o Capitão América, que consegue fugir. Logo, logo, dois grupos ficam bem delineados: os que vão respeitar a lei e se registrar, liderados por Stark e os que vão se rebelar contra isso, liderados por Steve Rogers.

Uma roupa irada para o Aranha!!!!
Uma roupa irada para o Aranha!!!!

A história do Universo dos quadrinhos é muito rica na diversidade dos super-heróis. Vemos, por exemplo, os X-Men, que decidiram tomar uma postura neutra. O Quarteto Fantástico, por sua vez, sofreu um verdadeiro racha interno, não só no grupo, mas até no casamento entre Reed e Sue Richards. O marido, com sua mentalidade totalmente racional, ficou do lado de Stark e do governo, mas Sue não gostava muito dessa regulamentação e o rumo autoritário que as coisas tomavam, passando para o lado liderado por Capitão América. Outro detalhe muito bem trabalhado foi a participação do Homem Aranha na história. Ele recebe de Stark um traje cheio de upgrades e fica do lado do Homem de Ferro na questão. Peter Parker até revela sua identidade publicamente para dar o exemplo. Mas isso acabou colocando Tia May e Mary Jane em risco e as duas tiveram que ficar num lugar seguro, distante de Parker, que muito sofreu com isso. Ainda, a primeira grande batalha entre os super-heróis levou Golias à morte, através das mãos de um Thor clonado por Stark. Tudo isso levou o aracnídeo a contestar o que o Homem de Ferro fazia e Parker trocou de lado. Há também a presença do Justiceiro, do lado do Capitão América, e do Príncipe Namor, que entrou na batalha à pedido de Sue, mas também porque sua prima, Namorita, morreu na explosão de Stamford. Logo, temos uma quantidade de heróis bem rica na revista. Até alguns super-vilões ficaram em ambos os lados da luta. Outro detalhe interessante foi a prisão em que ficavam os super-heróis capturados e que eram contra o registro. Ela ficava numa espécie de dimensão paralela, altamente à prova de fugas, já que seria impossível manter um super-herói numa prisão normal.

No próximo artigo, vamos continuar a comentar como “Capitão América – Guerra Civil” foi abordada nos quadrinhos e começaremos a falar da versão da história no livro. Até lá!

Peter Parker revela sua identidade!!!
Peter Parker revela sua identidade!!!

Batata Books – A Armadilha do Paraíso. A Gênese de um Herói.

 

Por Carlos Lohse

A Editora Aleph faz mais um bom lançamento da série “Legends” de “Guerra nas Estrelas”. “A Armadilha do Paraíso”, escrita por A. C. Crispin, a mesma autora de “Portal do Tempo”, um livro do Universo de “Jornada nas Estrelas”, é o primeiro livro de uma trilogia que fala do início da trajetória de um herói muito amado por todos: Han Solo. Um dos personagens mais icônicos de “Guerra nas Estrelas”, Han Solo pode ser qualificado como um daqueles mocinhos de jeitão canalha. Se nos primórdios do cinema, os mocinhos eram personagens que tinham apenas virtudes e não tinham qualquer defeito, com o tempo esse modelo se desgastou e os mocinhos passaram a ficar também com características, digamos, menos nobres. Um dos primeiros personagens desse modelo foi o inesquecível Rick, interpretado por Humphrey Bogart em “Casablanca”. E, definitivamente, Han Solo se tornou o paradigma desse mocinho para as gerações mais recentes. Por isso, Crispin destilou todo o seu talento para criar um passado para esse personagem tão cultuado.

Quem é este homem???
Quem é este homem???

E o que podemos dizer do primeiro livro da trilogia Han Solo? Ele é tudo de bom. A autora se focou nas características do personagem exibidas em “Uma Nova Esperança”, ou seja, o fato de Solo ser um grande malandro, apenas pensar nele e de ser um descrente total em qualquer questão de ordem mística ou religiosa, para buscar as origens disso. Dando uns pequenos “spoilers”, nosso personagem teve uma infância muito difícil. Ele não sabe sua origem, viveu como menino de rua e praticamente como escravo de um grupo de contrabandistas, sendo espancado sistematicamente em sua infância. Mas, para sobreviver, ele fugiu, não sem antes ver quem o amava, uma Wookie, por sinal, ser assassinada. Sua ideia era ser piloto num planeta chamado Ylesia, onde havia uma fábrica de destilação de especiarias que eram usadas como drogas. Mas lá havia também uma estranha seita cujos fiéis entravam num estranho transe. O plano de Solo era juntar o máximo de créditos que pudesse como piloto para entrar na Academia Imperial. Em tempo: Solo já tinha alguma experiência como piloto de speeders. Só que seu plano sofreria uma mudança de rumo ao conhecer uma fiel que trabalhava na confecção de especiarias, que não tinha um nome, mas sim um número: 921. A partir daí, a vida de Solo se transformará numa verdadeira montanha-russa, com situações que nos darão todas as condições de testemunhar o amadurecimento desse personagem.

921, o primeiro amor de Han Solo.
921, o primeiro amor de Han Solo.

Crispin consegue uma narrativa altamente feliz e nos dá, com muito êxito, um passado para Solo. Tudo o que o personagem passa nessa história torna o comportamento dele em “Uma Nova Esperança” plenamente compreensível. Seus sonhos, dores, expectativas e angústias tiram aquela capa durona dele e nos mergulham em sua natureza mais frágil, que ele quer esconder de todos. Vemos ainda aparecer um senso de companheirismo e dignidade no personagem à medida que a narrativa avança, afastando-o de sua visão inicial de menino de rua instruído a praticar furtos. Tudo isso regado a muita ação e romance, que em alguns momentos ficava um pouco excessivo. A personagem 921, por exemplo, nos remetia muito àquelas donzelas indefesas de filmes da época muda. Mas isso não tira o brilhantismo da narrativa e a boa construção do personagem de Han Solo a qual o livro se propôs.

Dessa forma, “A Armadilha do Paraíso” é mais um excelente lançamento da série “Legends” de “Guerra nas Estrelas” trazidas a nós pela Editora Aleph e, o melhor de tudo, esse é apenas o primeiro livro da trilogia que busca compreender a trajetória de Han Solo escrita por uma autora de gabarito como A. C. Crispin. Imperdível em todos os sentidos.

A autora A. C. Crispin
A autora A. C. Crispin