Capitão América – Guerra Civil. Filme, Quadrinhos, Livro. De Que Lado Você Está? (Parte 3)

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Vamos terminar nossa análise falando hoje do filme em si. Bom, depois de ler os quadrinhos e o livro, parti para o Odeon na época bem desanimado, pois se as duas mídias que são mais fieis à história já tinham mostrado aquele desfecho, o que poderia acontecer no cinema, que geralmente faz decalques malfeitos das histórias originais? Entretanto, ao ver o filme, fui fortemente surpreendido. A coisa de o cinema fazer um decalque malfeito da história original paradoxalmente salvou a trama. Podemos dizer popularmente que a emenda saiu melhor que o soneto. Se nos quadrinhos o desenvolvimento da história foi primoroso e o desfecho um fiasco, podemos dizer que no filme, a coisa se deu quase que ao contrário. Na película, tivemos um bom desenvolvimento da história, mas não tão marcante quanto o dos quadrinhos. A ausência de Sue Richards foi muito notada. O enfoque na importância do Homem Aranha foi radicalmente reduzido. E, se o traje dado ao Aranha por Stark era iradíssimo nos quadrinhos, com direito a uns tentáculos extras, no filme o traje que Stark deu ao aracnídeo era apenas o traje que conhecemos, já que Stark conheceu Parker quando ele ainda começava a dar seus primeiros passinhos como super-herói e usava um traje improvisado, que mais parecia um pijama com óculos escuros. Essas foram perdas muito importantes. Também não tivemos aquela grande variedade de heróis que havia na revista, mas sim os heróis que apareceram nos filmes, com a exceção da grata surpresa do Pantera Negra (interpretado por Chadwick Boseman, o mesmo ator que ficou conhecido pelo filme “James Brown”). A querela da regulamentação deixou de ser uma questão americana e tomou contornos mundiais. Vejamos: a tragédia de Stamford se transformou numa morte de cidadãos de Wakanda (o país do Pantera Negra) quando os Vingadores perseguiam terroristas em Lagos, capital da Nigéria. Isso fez com que o rei de Wakanda, o pai de Pantera Negra, encabeçasse a campanha pela regulamentação dos super-heróis e conseguisse uma lei aprovada pela ONU, assinada por 117 países. Ou seja, parece que a intenção do filme foi passar o bastão da responsabilidade da regulamentação dos Estados Unidos para todo o mundo, para dar um pouco mais de legitimidade à questão. Na história em quadrinhos, houve muito debate na coisa da regulamentação, mas ela sempre me pareceu algo ligado à severa visão intervencionista americana, onde a Shield fazia de forma bem efetiva o papel de cão de guarda na figura da Comandante Hill. No filme, esse suposto cão de guarda apareceu na figura do Secretário de Estado Thaddeus Ross (interpretado magistralmente por William Hurt). Ou seja, a visão intervencionista americana também aparece na película, mas apenas como em forma de breves pinceladas, um verniz externo. Nos quadrinhos isso se deu de forma muito mais profunda.

Um duelo casca grossa
Um duelo casca grossa

Agora, concordo com alguns comentários que surgiram por aí que o filme deu uma esvaziada na questão política e se tornou uma questão um pouco mais, digamos, pessoal. Uma coisa muito boa que aconteceu na película foi envolver o Soldado Invernal na querela. Ele foi responsabilizado pelo atentado que matou o Rei de Wakanda e acabou envolvendo um elemento a mais na cisão entre o Capitão América e o Homem de Ferro, pois Steve Rogers queria salvar a qualquer custo seu amigo, antigo companheiro da Segunda Guerra Mundial. Aí entra o tal “espírito antiquado” do herói, que parece não se encaixar muito nos dias atuais. Mas não tivemos o viés pessoal apenas se manifestando no Capitão América. O tivermos também em Tony Stark, pois foi o Soldado Invernal que matou seus pais sob efeito de um poder sugestivo implantado na mente do ex-combatente pelos soviéticos e isso deixou Stark revoltadíssimo, pois a perda dos pais fora um grande trauma para ele. Isso rendeu a batalha mais espetacular do filme, entre o Homem de Ferro e o Capitão América, que defendia de todas as formas seu amigo Soldado Invernal. Eu digo que essa batalha final foi ainda mais marcante que a longa sequência de luta entre todos os super-heróis do filme no aeroporto, pois envolvia um conflito pessoal que deixou traumas psicológicos profundos nos super-heróis, sendo essa batalha a mais doída de todas.  Não era somente uma pancadaria que a gente curtia em nosso gosto pouco desenvolvido por violência, mas era uma pancadaria que afetava nosso íntimo e que não queríamos que ocorresse. Sentíamos a dor de cada personagem ali: a perda dos pais de Stark, o arrependimento do Soldado Invernal, as tentativas desesperadas de Rogers de acabar com a luta tentando convencer Stark a parar com toda aquela violência. E aí, chegamos ao desfecho da luta, em que Rogers vence Stark (como nos quadrinhos) e, ao invés de lhe dar o golpe de misericórdia, apenas o atinge no coração, sem matá-lo, abrindo caminho para a reconciliação.

Tem se falado por aí que esse é um filme com igual peso para o Capitão América e o Homem de Ferro, que não seria um terceiro filme do Capitão América. Mas, apesar de toda a importância dada ao Stark, vou me arriscar a dizer aqui que esse ainda é um terceiro filme do Capitão América, mais do que tudo. Digo isso porque existe uma participação marcante do Soldado Invernal na película e, em segundo lugar, porque há uma implicação política na história, mais do que em algumas películas e quadrinhos da Marvel. Por esses motivos, essa história tem mais a cara dos filmes do Capitão América, que, na minha modestíssima opinião, são os melhores filmes da Marvel, pois eles envolvem um conteúdo de História e política muito bem elaborado, tendo como exemplo a Hidra, que vem do nazismo, se infiltrando na Shield, sendo uma espécie de responsável indireta pela visão intervencionista americana que nosso Steve Rogers discorda tanto por manter os puros ideais democráticos americanos na cabeça.

O Soldado Invernal tornou o filme mais interessante
O Soldado Invernal tornou o filme mais interessante

Agora, o filme tem um enorme trunfo! E esse trunfo se chama Zemo, que foi interpretado pelo magnífico ator Daniel Brühl (para quem não se lembra dele, ele interpretou o piloto de Fórmula 1 Nikki Lauda no filme “Rush”, onde Chris Hemsworth, o Thor, interpretou o também piloto James Hunt e grande rival de Lauda). Pode-se dizer que esse personagem salvou “Guerra Civil” daquele desfecho lamentável dos quadrinhos e do livro. Vejamos. O homem vivia na Sokóvia, aquele país do leste europeu que foi praticamente demolido no segundo filme dos Vingadores. Apesar de viver no campo, muito longe da cidade, os parentes de Zemo foram mortos na batalha, o que gerou um sentimento de vingança profundo por parte de Zemo contra os Vingadores. Assim, ele elaborou um plano que jogasse os super-heróis uns contra os outros, e seria totalmente bem-sucedido nisso, não fosse pela percepção do Capitão América de que havia algo de estranho no ar. Rogers até chegou a convencer Tony Stark de todo o problema, mas Zemo ainda tinha uma última carta na manga, que foi o assassinato dos pais de Stark pelo Soldado Invernal. Um momento marcante foi ver Zemo ter a sua tentativa de suicídio impedida pelo Pantera Negra, que buscava a vingança contra o Soldado Invernal pela morte do pai. Ao escutar a história de Zemo, Pantera Negra viu ali um caso de uma pessoa totalmente consumida pelo sentimento de ódio e vingança, evitando sua morte, até para que Zemo também pudesse pagar por seus crimes. E ver toda aquela história trágica também dissuadiu Pantera de seus sentimentos contra o Soldado Invernal. Pois é, eu havia dito acima que as questões pessoais tiveram mais peso que as questões políticas nesse filme. Mas com essas duas questões pessoais (a morte dos pais de Stark e o sentimento de vingança de Zemo), a coisa valeu muito a pena, não sendo piegas como poderia parecer. Ainda atento para outro detalhe. Se nas histórias em quadrinhos, as pessoas que sofriam com as destruições provocadas pelas brigas entre os super-heróis apareciam como meras vítimas, aqui o personagem Zemo, que foi uma vítima da destruição empreendida pelos Vingadores, se revelou também uma ameaça contra os super-heróis no seu forte sentimento de vingança. Esse detalhe subverteu a história completamente e simplesmente a tornou genial. Ainda, a última fala de Zemo deu a entender que ele pode aparecer nos próximos filmes por aí, o que seria algo muito bom, pois esse é um baita vilão interpretado por um baita ator.

Outro detalhe muito importante é que houve um desfecho apaziguador. Stark percebe as intenções do governo americano em tratar os heróis contra a regulamentação como criminosos quando ele vai ao presídio flutuante. E, no duelo final, ele não é morto pelo Capitão América e ainda recebe depois uma carta de desculpas do Capitão por não ter lhe dito que o assassinato dos pais foi por intermédio de um agente soviético (Rogers não sabia que havia sido o Soldado Invernal o responsável). Por essas e por outras, Stark não move uma palha quando o Capitão América liberta seus colegas da prisão. E ficou aquele final em aberto de que eles podem se reunir novamente no futuro.

Muito bem. Analisados quadrinhos, livro e filme, podemos chegar a algumas conclusões. Em primeiro lugar, tanto os quadrinhos quanto o filme mostraram uma história muito bem escrita, mas com o final melancólico. O livro teve a virtude de acrescentar mais alguns elementos à história, mas não teve a eficiência de descrever as cenas de luta com a materialidade visual dos quadrinhos, que podem ser considerados verdadeiras obras de arte. Já o filme desenvolveu a história de forma menos aprofundada que os quadrinhos, com menos super-heróis envolvidos, deu menos peso às implicações políticas em benefício de ótimas implicações pessoais, teve bons alívios cômicos (o Homem Formiga e o Homem Aranha foram providenciais nisso!), mas teve uma subversão sensacional na história em virtude do surgimento de um personagem, o vilão Zemo, interpretado por um ator sensacional que é Daniel Brühl, sendo essa uma ótima aquisição para o Universo da Marvel no cinema. E o final cinematográfico foi em tom reconciliador, ao invés da coisa altamente lamentável que se revelou no final dos quadrinhos. De uma forma ou de outra, “Guerra Civil” se mostrou uma história e tanto nas três mídias e mais uma vez a Marvel atropelou a DC no cinema. Esperemos o próximo round.

Zemo, uma excelente aquisição!!!!
Zemo, uma excelente aquisição!!!!