Batata Movies – A Vigilante Do Amanhã. Novamente O Mito De Frankenstein.

Cartaz do Filme

E estreou “Ghost in the Shell”, traduzido para cá como “A Vigilante do Amanhã”. Temos aqui a oportunidade de ver Scarlet Johansson contracenando com Juliette Binoche e Takeshi Kitano, a lenda do cinema japonês. Com um elenco tão polpudo e, ainda por cima, com o fato da história ser inspirada num mangá japonês produzido por Masamune Shirow, tive que dar uma conferida. E qual foi o resultado? Apesar de ser um filme de ação relativamente banal, com as cenas de porrada, bomba e tiro de sempre, ele tinha algo a mais.

Major: uma criatura cibernética

Mas, no que consiste a história? Temos aqui a trajetória de Major (interpretada por Johansson), uma mulher que acreditava que sua família havia sido dizimada por um grupo terrorista. A moça em si estava praticamente morta e teve seu cérebro implantado num corpo totalmente artificial, sendo a mais avançada espécie cibernética até então. Major passa a atuar numa divisão de segurança, onde há uma parceria com o governo e a empresa que criou Major. Ah, sim, estamos no Japão no futuro. A essa altura, há muitos seres cibernéticos e surge um grupo terrorista que começa a hackear as pessoas. Assim, Major e sua equipe irão caçar os tais terroristas para evitar esse cyberterrorismo. Mas havia algo a mais nessa história, onde os vilões e mocinhos poderão se confundir.

Uma Barbie nua???

Eu disse acima que esse filme de ação aparentemente banal tem algo a mais. O que podemos dizer disso? Em primeiro lugar, o filme tem um visual futurista um pouco diferente do que se vê por aí. A realidade virtual aparece em anúncios por toda a cidade que contém muitos arranha-céus, inspiração direta de filmes como “O Quinto Elemento”, “Blade Runner” e a primeira influência, “Metrópolis”.

Kitano, o cara!!!

O mais interessante é que as classes menos favorecidas não foram esquecidas na programação visual urbana da película e vemos, também, bairros periféricos e condomínios em formas de prédios que são verdadeiras colmeias humanas. Esse pano de fundo deu um charme todo especial ao filme. Em segundo lugar, o velho mito de Frankenstein aparece na película, onde os seres cibernéticos são criações humanas, que são totalmente controladas e descartadas de acordo com os desígnios dos criadores. Sem querer dar muitos “spoilers”, nossa protagonista sofrerá muito com tais desígnios e precisará ficar de olhos bem abertos, pois o inimigo pode estar mais perto do que se imagina. Se as criaturas aparecem divididas em muitas peças cibernéticas e ficam com uma aparência relativamente monstruosa, a verdadeira monstruosidade está nos humanos que criam esses seres cibernéticos e os usam e os descartam ao seu bel-prazer.

Binoche, boa presença

E o elenco? Foi muito legal ver Johansson contracenando com Binoche. Rolou uma química muito grande entre a beldade hollywoodiana e a diva do cinema francês, que pode estar num drama bem cerebral de seu país, como no filme “A Espera”, mas, ao mesmo tempo, não se priva de aparecer num blockbuster como esse aqui ou “Godzilla”. Agora, sem a menor sombra de dúvida, a cereja do bolo foi Takeshi Kitano. O famoso diretor, ator, produtor e roteirista apareceu muito pouco no filme como esperado, falando em seu idioma pátrio, mas nas poucas vezes em que atuou roubou a cena. Devemos nos lembrar que uma das características da prolífica carreira de Kitano é o cinema de ação com cenas de violência explícita. E o homem não decepcionou nos momentos decisivos aqui, relembrando os velhos tempos.

Uma criatura manipulada ao bel prazer do criador

Dessa forma, “A Vigilante do Amanhã” é um filme de ação relativamente banal que não o é em sua totalidade pelo visual dos efeitos especiais, pelo elenco e pelo já batido (mas que ainda dá caldo) mito de Frankenstein. Vale a pena dar uma conferida nas curvas de Johansson (que parece a Barbie pelada), mas também tem a serenidade de Binoche e o espetacular Kitano como uma das atrações principais.

 

 

Batata Literária – A Prostituta da Noite

Era noite.
Andava eu em maio ao cais, desolado.
Ao fundo, o mar pouco se mexia
no negro aveludado.
Ratazanas agitadas desafiavam minha humana hierarquia.
Madeiras podres
exalavam fortes odores.
A decadência total sem prévios rumores.
Mas, ao fundo do cais
surgiu uma figura translúcida, quase opaca.
Barbarizada pelos ventos de sais,
a prostituta se revelava quebradiça e fraca.
Lançava para mim um sorriso sedutor,
dizendo que me daria prazer, jamais dor.
Queria dinheiro e não compromisso.
“Aproveite! Entre minhas pernas, há um portal para o paraíso!”
Olhei no fundo de seus olhos
e vi toda uma história de vida:
infância sofrida,
violada pelo pai,
sem poder dizer ai,
trabalhando para ajudar
a mãe a família a sustentar,
usada e abusada por homens que não vão pagar.
Não aguentei, uma lágrima saiu
e o sorriso da prostituta sumiu.
“Babaca!”, ela me chamou
e no véu noturno ela se embrenhou,
enxugando outra lágrima,
a lágrima que nos torna humanos,
que nos tira da loucura máxima
e desperta sentimentos não profanos.

Batata Movies – Fragmentado. X-24

Cartaz do Filme

E estreou o novo filme de M. Night Shyamalan. “Fragmentado” faz jus ao seu título, pois tem também uma narrativa fragmentada, embora isso não signifique que o filme tenha uma má qualidade. Altos e baixos, entretanto, aparecem na trama. E uma brilhante atuação de James McAvoy.

Um homem atormentado

“Fragmentado” é a história de um homem atormentado pelas suas vinte e três personalidades (interpretado por McAvoy). Ele consegue lidar com todo esse imaginário coletivo de um homem só graças à ajuda de sua terapeuta, Karen Fletcher (interpretada por Betty Buckley), o que deu ao filme um interessante contorno de drama psicológico. As sessões de análise entre a psicóloga e seu paciente constituíam as melhores partes do filme, sem sombra de dúvida, e o espaço onde McAvoy foi melhor em toda a película. Mas nosso amigo n-polar fez uma coisa muito errada: sequestrou três garotinhas adolescentes e as manteve confinadas.

Hedwig. Excessivamente caricato

Na cabeça atormentada de nosso protagonista, as menininhas nunca tinham tido uma vida de privações e sofrimentos e deveriam agora passar por uma espécie de ritual de iniciação, enquanto que os demais membros de seu círculo esperavam a vigésima-quarta personalidade que estava para chegar, intitulada “a Fera”, que era altamente violenta e uma grande ameaça.

Patricia. Excessivamente contido

Bom, é desnecessário dizer novamente que essa foi a melhor atuação da carreira de McAvoy, até porque o filme deu ao ator uma oportunidade ímpar de interpretar simultaneamente vários papéis, onde podíamos testemunhar todas as suas nuances, do complexo ao simplório e caricato. No ambiente onde ele estava com as meninas, até pelo tom de dramaticidade da coisa, suas atuações eram mais extremas, principalmente quando ele fazia Hedwig, o menino de nove anos. Ao interpretar Patricia, estava excessivamente contido e delicado. O ponto de equilíbrio estava em Dennis, o sequestrador cheio de sobriedade e serenidade. Já na casa da psicóloga, suas atuações estavam muito mais espontâneas e ali McAvoy mostrou o que tem de melhor em termos de atuação (os closes nele ajudaram bastante), embora não devamos nos esquecer de que ele fez Barry, um “estilista” muito caricato e efeminado por lá. De qualquer forma, somente por apresentar todas essas facetas, já podemos perceber como McAvoy realmente fez o melhor trabalho de sua carreira, embora ele se apresentasse com a cabeça raspada e estivesse a cara do Professor Xavier.

Dennis, o mais sóbrio

Fragmentada, também, foi a narrativa. No início, tivemos três tramas paralelas: o sequestro em si, as sessões de análise do protagonista com a terapeuta e detalhes da infância de Casey (interpretada por Anya Taylor-Joy), uma das moças sequestradas, a mais “outsider” de todas. Nas três tramas, com maior ou menor intensidade, houve um gosto de drama psicológico que no início prende a atenção, mas que, com o tempo, foi cansando um pouco. Num segundo momento, o filme descambou para um forte suspense com arroubos de terror, numa violência banalizada com cara de fita B. Quando parecia tudo perdido, veio um notável desfecho que salvou o filme e que os “spoilers” me impedem de dizer.

A Fera!!!

É muito importante mencionar aqui que a temática “outsider” ajudou muito a cimentar e a dar valor à película. Casey era a menina deslocada e pouco popular que mais lidou bem com a situação do sequestro e de interagir com um homem também deslocado e atormentado pelas suas múltiplas personalidades. Não é à toa que essa moça foi a única a ter a sua vida pregressa esmiuçada ao longo do filme (embora isso não tenha sido feito de forma uniforme ao longo da película e isso tenha incomodado um pouco). Essa pitada “outsider” ao filme lhe rendeu um sabor todo especial e acabou sendo a razão de ser de toda a história.

Casey, a “outsider”

Dessa forma, se “Fragmentado” tem altos e baixos em sua estrutura narrativa, ainda assim é um filme que vale muito a pena, em primeiro lugar pelo excelente trabalho de James McAvoy, em segundo lugar pelo interessante drama psicológico, e em terceiro lugar (mas principalmente) pelo quê “outsider” da película. Engraçado que, nesse ponto, o filme se aproxima de “A Bela e a Fera” da Disney, lançado recentemente. Temos até a “Bela” Casey e a “Fera” vigésima-quarta personalidade. Devaneios à parte,vale a pena dar uma conferida nessa película.