Um filme egípcio que é uma verdadeira porrada na cara passou em nossas telonas. “Clash” é um filme que fala de como a condição humana é testada até todos os seus limites. E de como o ser humano, ao fim das contas, tem apenas a si mesmo, por maior que sejam as discordâncias e adversidades entre os grupos sociais.
Qual é o cenário da história? Estamos aqui na famosa “Primavera Árabe”, quando vários países dessa etnia se levantaram contra seus governos autoritários. O maior ícone desse movimento é a sangrenta Guerra na Síria, que continua em curso e já matou milhares de pessoas, inclusive com ataques de armas químicas, que chegam a beirar o corriqueiro. Mas um dos primeiros países onde aconteceram as revoltas foi no Egito, que teve um longo governo militar. Depois de muitos levantes, o governo militar foi substituído por um governo civil liderado por um partido muçulmano. Dois anos depois, os militares retomaram o poder, não sem haver muita turbulência política, com o Egito dividido entre partidários da Irmandade Muçulmana, partido que foi demovido do poder, e partidários dos militares. O momento em que aconteceu esse golpe foi marcado por manifestações de rua de ambos os lados, regados a muita violência policial e um clima de guerra civil no país. É nesse contexto em que se passa o filme, cujo cenário é um… camburão de um caminhão da polícia (!). O filme começa com dois jornalistas sendo presos no tal camburão, que estava vazio. Mas aos poucos, o camburão vai enchendo. Partidários dos militares (!!) também são enfiados lá, confundidos com outra manifestação. Mais tarde, são os partidários da Irmandade Muçulmana que são presos dentro do caminhão. E aí temos um microcosmos da convulsão social do Egito dentro daquele camburão, com dois grupos que se odeiam vivendo dentro de um espaço ínfimo e aprendendo a se relacionar sem se matar. No início, a impressão é a de que haveria um verdadeiro massacre, mas todo mundo se acalmou quando a polícia ameaçou matar todo mundo (!!!). Situação bem pesada.
Esse é o tipo do filme que prende muito a atenção, dada a peculiaridade da situação e a denúncia que o filme faz do contexto da vida egípcia dos últimos anos, algo que beira o absurdo. Se ficamos escandalizados com o que acontece nas manifestações aqui no Brasil, no Egito a coisa é bem mais violenta, com direito a policiais alvejados por tiros de metralhadora de manifestantes ou a chuva de pedras de dezenas de manifestantes em viadutos, onde os morteiros também são muito comuns. Mas isso era o que acontecia fora do camburão. O mais importante no filme era justamente a situação de todos que estavam dentro do caminhão. A animosidade violenta do início foi dando lugar, aos poucos, a um sentimento de leve aproximação que depois chegou até a uma amizade, tudo isso ocorrendo em virtude da adversidade e opressão que assolava igualmente a todos. E, para sobreviver a tal pressão, a única saída ali era a solidariedade entre as pessoas, independentemente de qual segmento politico elas pertenciam. Um filme muito importante para se passar por aqui, que está num contexto de animosidade nem tão semelhante quanto ao do Egito, mas nem por isso menos grave.
Esse, também, é um filme que levanta uma dúvida e um medo com relação ao futuro de nosso país: até que ponto aquele clima de animosidade e de guerra civil que víamos na película pode se reproduzir por aqui? Ou será que isso já não está acontecendo e não é noticiado, dada a extensão do Brasil, e as inúmeras situações de conflito social? Vemos a violência nas ruas quando há manifestações? Mas, e nas comunidades urbanas menos favorecidas, onde o poder público (e a imprensa) não entram? Ou então, a violência no campo, que temos parcas notícias? Para onde toda essa convulsão social nos levará?
Assim, “Clash” é um filme obrigatório, pois fala de violência, repressão, solidariedade. Um filme que nos faz refletir sobre o futuro que construímos para nós mesmos quando a intolerância e o autoritarismo imperam. Um filme que nos obriga a ficar frente a frente com problemas que não queremos encarar. Não deixe de ver.