Um filme brasileiro, dirigido por Eliane Caffé, resistiu bravamente em nossas telonas. Confesso que, pela vida atribulada de todos os dias, não estava tendo uma oportunidade de assistir “Era o Hotel Cambridge”. Mas ele resistiu bravamente no circuito e permaneceu nas salas do Estação Botafogo até este humilde articulista ter condições de assisti-lo. E a resistência do filme em permanecer nas telonas se assemelha à resistência que também vemos no filme. Uma resistência que mostra as mazelas da desigualdade social em nosso país.
Vemos aqui a saga de um grupo de sem-teto que ocupou um prédio em plena cidade de São Paulo em busca de moradia. Nesse grupo, temos de tudo: desabrigados, retirantes nordestinos, refugiados estrangeiros vindos da Palestina e do Congo, etc. Todos eles vivem o dia a dia de lutar contra as más condições de infraestrutura de um prédio outrora abandonado e, ao mesmo tempo encarar as ameaças de despejo e reintegração de posse determinadas pela justiça e feitas de forma truculenta pela polícia, num reflexo das disparidades que acontecem no Brasil: de um lado, temos donos de grandes imóveis que os mantêm abandonados, em estado degradante, cheios de lixo; e, de outro lado, temos toda uma multidão de pessoas que não tem para onde ir, não tem condições de bancar um aluguel, muito menos comprar um imóvel, cujos preços extrapolam a realidade de qualquer brasileiro médio (nem digo na linha de pobreza!) e que precisam, desesperadamente, de um lugar para morar. Agrava-se a isso a situação de imigrantes estrangeiros que fogem da guerra em seus países e que não tem qualquer ajuda do governo por aqui, governo esse que, diga-se de passagem, não atende nem os brasileiros e resolve os problemas sociais como se fossem caso de polícia, como dizia o antigo politico da República Velha Washington Luís.
O filme conta com dois grandes trunfos; Temos a grande presença de Suely Franco, que faz uma idosa meio maluquinha, mas muito amorosa e atenciosa. A atriz conseguiu transbordar simpatia com a personagem. Mas o grande nome do filme é o ultraversátil e polivalente José Dummont, o cara! Ele fazia um ator sonhador, que comandava um grupo de teatro no prédio ocupado, e roubava a ação com toda a sua grandiosidade quando aparecia na tela. Sem a menor sombra de dúvida, a película perderia muito sem a presença desses magníficos atores que a grande mídia parece não dar muita bola, mas que ainda têm muito talento para desfilar em filmes, peças, novelas, etc.
O filme tem o grande mérito de alternar as filmagens da história com cenas reais de ações de despejo promovidas pela polícia, numa busca de se entrelaçar a realidade com a ficção, num filme que nada tem a ver com a ficção, talvez somente uma liberdade poética que todo cinema tem.
Assim, “Era o Hotel Cambridge” é mais um filme essencial, que denuncia uma situação social grave e faz um convite à reflexão. Ou seja, além dos problemas de desigualdade que já existem por aqui, a coisa se complica mais com a questão de refugiados políticos estrangeiros, pois eles engrossam a fileira de miseráveis que existe em nosso país e que são tratados pelo poder público como lixos que devem ser varridos para debaixo do tapete. Um filme essencial que resistiu bravamente no circuitão, assim como os inúmeros sem-teto do país que lutam pela dignidade mínima da moradia. Não deixe de assistir, agora no home vídeo.