Batata Antiqualhas – Jornada Nas Estrelas. Radiografando Um Longa: A Terra Desconhecida.

             Cartaz do Filme

O filme “Jornada nas Estrelas 6, A Terra Desconhecida” seria o último longa metragem da tripulação da série clássica, não fosse “Generations”, onde Kirk, Chekov e Scott ainda dão o ar de sua graça, com a desnecessária morte de Kirk. Entretanto, o sexto filme da primeira tripulação da Enterprise deu um final digno àquela equipe, além de mostrar-se uma obra antenada com o seu tempo e os objetivos iniciais da série lá nos anos 1960. Vamos radiografar esse filme agora.

      Nossa amada tripulação em sua última missão

Só para recordarmos, Sulu é o capitão da Excelsior, uma nave que ele ficou admirando no terceiro e quarto filmes. Ficou a impressão que ele mexeu os pauzinhos certos para pegar a nave. Numa missão, ele testemunhará a explosão de Práxis, a lua klingon que é a principal fonte de energia do Império alienígena. Ao saber disso, Spock toma as rédeas das negociações de paz com os klingons e convence seus superiores a trazer para a Terra o chanceler Gorkon para as conversações.

            O grande trio ainda dando caldo

Obviamente, a Enterprise foi escolhida, pois segundo a frota espacial, os klingons não se atreveriam a gracinhas com Kirk por perto, para desespero do capitão. Contrariado com a situação, Kirk parte com a Enterprise para receber Gorkon. Mas o chanceler é assassinado depois de a Enterprise supostamente ter atirado no cruzador klingon, ter desligado a gravidade artificial e dois supostos membros da Federação terem se teletransportado para o cruzador, matando vários klingons a tiros de phaser, assim como o chanceler. Sob a mira dos torpedos fotônicos klingons, Kirk anuncia a rendição e se teletransporta junto com o Doutor  McCoy para o cruzador para oferecer assistência. Mas os dois acabam presos. O que se sucede é uma história onde a paz está ameaçada por uma conspiração envolvendo membros da federação trabalhando juntamente com klingons para manter o estado de beligerância e nossos heróis tentando resolver esse problema para trazer a paz.

           Encontro com o cruzador klingon

O que torna esse filme especial? Em primeiro lugar, a série clássica foi forjada dentro do contexto da Guerra Fria, onde todos os conflitos entre as nações haviam sido expelidos para o espaço. A noção de fronteira sempre foi um paradigma entre os americanos, segundo Frederick Jackson Turner, onde o povo saiu das treze colônias inglesas da América do Norte rumo ao oeste, expandindo as fronteiras americanas e indo além do Pacífico, pegando o Havaí, mas quebrando a cara no Vietnã. Não é à toa que o espaço é a fronteira final.

Gorkon e Kirk. Velhos guerreiros em busca da Terra Desconhecida

Como no século 23 todos os conflitos terrestres tinham sido abolidos, os inimigos agora são alienígenas como klingons e romulanos, alegorias da ameaça comunista da década de 1960. Mas em 1991, cai o Império soviético. Era necessário, então, um longa metragem com esse desfecho, sendo uma representação do fim da Guerra Fria. Nada mais claro nisso do que a conversa entre Kirk e Spock depois da reunião no QG da frota. Kirk, enfurecido, pergunta por que Spock o colocou naquela rabuda de escoltar os klingons, ao que Spock respondeu: “Há um antigo provérbio vulcano: somente Nixon poderia ir à China”. Emblemático.

Cena do julgamento. Um magnífico Plummer e o “avô de Worf”

Outra característica marcante do filme foi a necessidade de se explicar a presença de um klingon na ponte da Enterprise D (nosso estimado Worf, da “Nova Geração”). A nova série de TV, iniciada em 1987, exigia que em algum momento, a paz com os klingons fosse exibida. O fim da Guerra Fria foi o contexto ideal. Uma curiosidade a respeito é que o ator que interpreta Worf na “Nova Geração” também interpreta o advogado de defesa klingon na magnífica cena do julgamento de Kirk e McCoy (reza a lenda que o advogado seria o avô de Worf). Ainda no universo klingon do filme, temos a presença do consagrado ator Christopher Plummer, o pai ranzinza de “A Noviça Rebelde” (confesso que quando revi “A Noviça Rebelde” depois de “A Terra Desconhecida”, a primeira imagem de Plummer no filme me trouxe um “Q’aplá!”, a saudação klingon, à cabeça).

    Kirk enfrentando problemas em Rurah Penthe.

Gosto muito de ver atores consagrados trabalhando em franquias, acho que isso leva mais credibilidade a elas. A única exigência de Plummer foi que seu personagem Chang não tivesse longas cabeleiras. Mas até as cristas na testa ele aceitou. Genial! Outro detalhe notável foi associar os klingons a Shakespeare. Tudo a ver! Amantes da violência explícita! Por isso que se deve ler Shakespeare no original, ou seja, em klingon!

                  Enterprise A sem escudos!!!!

Mais um detalhe interessante: a relação entre Spock e a vulcana Valeris, que ele considerava ser sua herdeira. Nosso primeiro oficial tem uma afeição praticamente filial pela novata e sua decepção fica muito clara quando descobre que ela faz parte da conspiração e precisa fazer o elo mental nela para descobrir os membros da conspiração. Nota-se que, ao contrário do que ocorria na série clássica, ele não tem o menor pudor de esconder as emoções. Isso por dois motivos: a decepção fora enorme e por estar cercado de amigos de longa data que já sabiam de seu lado humano. De qualquer forma, sempre é bárbaro ver Spock revelando suas emoções, ainda mais numa situação de desalento como essa.

       Spock e Valeris. Afeto e mágoa

Por fim, a conspiração. Se na série clássica a Federação aparece como algo totalmente racional e asséptico a atitudes pouco virtuosas (reproduzindo um espirito talvez de inspiração positivista, totalmente falso para cabeças “menos evoluídas” do século 20), neste filme vemos membros da Federação conspirando junto com klingons para manter a guerra, algo mais palpável com nossa realidade. Esses desvios de caráter de membros da Federação são também vistos em “Deep Space Nine”. Os que conspiram são aqueles que temem um mundo de paz no futuro, a “Terra Desconhecida” que Gorkon brindou no sensacional jantar na Enterprise.

Final feliz. Pela última vez, tripulação salva o dia

Por essas e por outras, “Jornada Nas Estrelas 6, A Terra Desconhecida” é um filme de fundamental importância na franquia mais amada de todos os tempos (na minha modestíssima opinião).

Batata Literária – Dias Negros

Céus turvos

Céus cinzas

Céus negros

 

Aproxima-se a tempestade

A natureza se curva

Num ato de pura maldade

A destruir a ordem que se arruma

 

Raios amarelos cruzam o céu

Cortando impiedosamente o negro véu

A água cai e machuca

Sem dó o solo fura

 

As folhas e os galhos balançam

Numa dança frenética

Passarinhos não mais clamam

A beleza da natureza épica

 

Formigas se afogam no chão

Para elas, a chuva é mortal

As bichas nadam em vão

E poucas sobem o varal

 

Mas, eis que de repente

A chuva acaba parando

A natureza torna-se dormente

E a vida vai voltando

 

Abre-se no cinza do céu

Um tímido Sol

Ainda do translúcido sendo réu

O Astro Rei busca novo rol

 

Surge um azul aqui

Outro ali

Mais um acolá

Fazendo o calor chegar

 

A vida volta a pulsar

Passarinhos saem do esconderijo

Folhas brilham reflexos

Reflexos de água

Água vinda dos céus

Céus que bordam firmamentos

Firmamentos que definem Universos

Universos que cabem na noz

Noz que esquilos comem

 

Mas, eis que chega a brisa

E da brisa, um leve vento

Vento que cresce, cresce

E tudo novamente se fecha

Apaga-se o arco-íris

Decreta-se a morte do Sol

As fractais do negro cinza

Tomam mais uma vez conta de tudo

Sim, pequenos seres!

Preparem-se para a nova torrente!

Batata Séries – Jornada Nas Estrelas, Discovery (Episódio 6, Temporada 1) – Lethe. Karatê Vulcano.

Sarek, vergonha nos erros do passado…

Chegamos ao sexto episódio da primeira temporada de “Jornada nas Estrelas, Discovery”. “Lethe” traz para nós uma forte diferença em relação aos episódios anteriores. Escrito por Joe Menosky, que fez roteiros para outras séries de Jornada nas Estrelas, e Ted Sullivan, o episódio tem como tema central uma viagem que Sarek faz para tentar um acordo com duas casas klingon que estão em conflito contra a casa de Kol. Mas o vulcano que o acompanha na nave é um “extremista da lógica”, que é contra a interação de Vulcano com os humanos, e provoca uma explosão na nave de Sarek, que consegue levantar um campo de força a tempo, mas fica ferido. Como o katra (alma) de Sarek tem uma ligação, mesmo à distância, com a mente de Burnham, esta sente o perigo pelo qual o pai passa e ela pede a Lorca que a Discovery vá salvá-lo, sendo prontamente atendida pelo capitão. Quando chegam próximo à nave de Sarek, Burnham tenta fazer o elo mental com o pai de forma mais efetiva e entra na mente dele. Ela pode então presenciar o dia em que foi reprovada pelos vulcanos para entrar no grupo expedicionário por ser humana demais. E toda vez que Sarek a vê, ele tenta expulsá-la de sua mente. Na primeira vez, ela é atirada com um empurrão do pai. Mas nas outras vezes que ela retorna à mente, a moça fica lutando uma espécie de karatê vulcano com o Sarek, o que ficou um tanto ridículo. Burnham irá descobrir que, como Sarek tinha dois filhos de origem humana, os vulcanos disseram a ele que escolhesse apenas um deles para entrar no grupo expedicionário vulcano, ao que Sarek escolheu Spock e manteve essa decisão escondida de Burnham por anos, o que traumatizou a moça, que se sentiu a pior das criaturas por ter falhado como elemento de ligação entre humanos e vulcanos. Sarek, por sua vez, sentiu vergonha de ter feito a filha adotiva sofrer e, para arrematar, ainda o fato de que Spock preferiu a Frota Estelar só aumentou em Sarek a sensação de que ele cometeu um erro.

Burnham. Sofrimento para salvar o pai…

Mas a história teve um outro núcleo. Ao querer ajudar Burnham a salvar Sarek, Lorca passou por cima de protocolos da Federação, o que lhe rendeu uma visita da Almirante Cornwell para lhe dar uma chamada de atenção. Aproveitando o fato de que os dois são amigos e Cornwell inclusive foi a psicóloga dele que deu o laudo dizendo que tudo estava normal com nosso tresloucado capitão, Lorca seduz Cornwell, primeiro com umas bebidinhas, depois na cama. Enquanto Lorca dorme, Cornwell tateia as cicatrizes que estão nas costas do capitão e ele acorda de repente apontando um phaser que estava escondido na cama na cara dela. Foi o suficiente para a almirante dar um tremendo piti, dizendo que ele forjou os testes psicológicos e que ele não está habilitado para comandar a Discovery por ser um caso patológico, etc, etc. Só que Sarek não está habilitado por hora a fazer a reunião com os klingons e Cornwell vai precisar ir em seu lugar. Está na cara que a almirante será vítima de uma emboscada e será sequestrada pelos klingons, tudo isso para que Lorca não perca o comando da Discovery. O episódio termina com Lorca ordenando a Saru que peça instruções à Frota do que fazer a respeito do sequestro de Cornwell (não podemos desrespeitar os protocolos da Frota, não é mesmo?), mas com o phaser escondidinho lá na parte de trás de sua calça.

Um relacionamento paranoico…

Qual foi o ponto positivo desse episodio? Trabalhou-se mais a relação entre Burnham e Sarek. Sabemos um pouco mais da infância da protagonista e de seus traumas. Além de ter perdido os pais biológicos num ataque klingon, a própria Burnham quase perdeu a vida num atentado dos extremistas da lógica vulcanos. Ela somente sobreviveu porque Sarek colocou parte de seu katra na mente de Burnham, e isso explica porque os dois conseguem fazer o elo mental à distância, sendo uma explicação bem convincente para algo que parecia absurdo. O fato de o pai ter escondido que ele precisou fazer uma escolha entre os dois filhos para entrar no grupo expedicionário vulcano foi algo que trouxe muito trauma à Burnham e arranhou a relação entre os dois. Assim, o episódio acertou muito no desenvolvimento desses dois personagens. Acertou também no desenvolvimento de Lorca, que se revelou psicologicamente comprometido e muito vulnerável, algo relativamente bom para um capitão que era somente visto até agora como uma figura muito sinistra. Essa complexificação progressiva dos personagens é frutífera para a série, desde que se não faça o que se fez com Saru, que a cada semana mostrava uma oscilação brusca de comportamento.

Mas o episódio deu novamente uns chutes no saco dos fãs mais de raiz, como Discovery tem sempre o costume de fazer. A tal cena de karatê entre Burnham e Sarek foi simplesmente ridícula. Tudo bem que isso pode ter sido feito para atrair um público mais novo, etc., etc., mas, por exemplo, jamais imaginaria Mark Lenard e Leonard Nimoy numa situação tão constrangedora. Só que isso não foi o pior. Sim, falo dos extremistas da lógica, que acham que atos terroristas são a coisa mais lógica a se fazer para purgar o relacionamento dos vulcanos com os emotivos terráqueos. Isso vai contra tudo o que os vulcanos são. Eles abraçaram a lógica justamente para purgar a violência. E agora usam a violência para proteger a lógica??? Que ilógico, não??? Há alguns trekkers que acham que os vulcanos são extremamente arrogantes e que tratam os humanos com desdém, e aí os extremistas da lógica até cairiam bem nesse ponto de vista, mas cá para nós, confesso que não me enquadro nesse time pela razão que descrevi acima.  Criar um grupo vulcano extremista da lógica é muito pior do que colocar quilos e quilos de borracha na maquiagem de um klingon.

Merchandising!!!

Outra coisa que incomodou bastante foi o piti da almirante. Lorca faz um monte de arbitrariedades, sacrificando tardígrado e tudo, e a mulher reclama que ele tem um phaser debaixo do travesseiro? E, devemos nos lembrar que ela não tem muita moral para reclamar das coisas não, pois ela é uma psicóloga que dormiu com seu paciente. O que o Dr. McCoy diria disso? Pelo menos, o previsível roteiro (nesse ponto, pelo menos) a fez de refém dos klingons e agora Lorca deve ser o salvador da pátria. Ou será que ele vai protelar o resgate da Almirante para não perder o comando da Discovery??? Hummmm, ficaria muito interessante!!!

Dessa forma, parece que dessa vez a história ficou mais interessante que as anteriores, até porque saiu um pouco do clima de guerra e desenvolveu mais os personagens. Ou seja, foi um episódio que até agora se desenvolveu de forma mais destacada dos demais, que se comportam interligados como uma espécie de novelão, característica mais vigente nas séries de streaming. Vale a pena dar uma conferida nesse. Resta agora saber se a série tomará novos rumos ou voltará para o que tem sido antes do episódio dessa semana. Vamos aguardar.

Quer ler mais resenhas de episódios da Discovery? Acesse aqui

Batata Movies – Pickpocket. A Arte Da Mão Leve.

            Cartaz do Filme

No último dia 25 de outubro, tivemos uma palestra na Maison de France do Rio de Janeiro  com a pesquisadora de Cinema Luíza Alvim, que lançou seu livro “A Música No Cinema de Robert Bresson”. Ela fez uma apresentação de seu estudo que fala das relações entre imagem e música no Cinema. Nesse ponto, o cineasta francês Robert Bresson constitui-se de um caso especial, pois ele era extremamente cuidadoso em estabelecer essa relação não somente entre a imagem e a música, mas também entre a imagem e os ruídos do cotidiano. O cineasta faz essa relação com muito cuidado, pois ele teme, de uma certa forma, que a dramaticidade de uma música possa carregar a imagem de um significado que a última não tenha. Daí toda uma cautela em se relacionar música e imagem. Essa foi apenas uma das ideias que o trabalho de Luíza Alvim aborda e seu livro é digno de uma resenha que ainda será feita um dia por aqui. Por hora, vamos falar um pouco de um filme de Robert Bresson que foi exibido logo após a palestra de Luíza Alvim. Trata-se de “Pickpocket”, de 1959, exibido no cinema da Maison de France numa cópia de 35mm.

                           Michel, o gatuno…

No que consiste essa pequena película de 75 minutos? Vemos aqui a história de Michel (interpretado por Martin La Salle). Ele é um cara que vive de praticar pequenos furtos, ou seja, ele é um “pickpocket”, ou o popular “batedor de carteiras”. O filme mostra o cotidiano desse pequeno gatuno, que vive num apartamento muito do chinfrim e que precisa praticar seus pequenos furtos para sobreviver. Michel tem uma mãe que está doente, mas ele quase não vai à casa dela, apesar de amá-la muito (nosso protagonista parece meio que envergonhado de sua condição e não quer dar muito as caras por lá). Assim, ele aparece esporadicamente, deixa algum dinheiro nas mãos de Jeanne (interpretada por Marika Green) para entregá-lo à sua mãe e some no mundo novamente. Michel já foi preso, mas foi solto por falta de provas e mantém uma relação um tanto tensa com um policial e um amigo. Um dia, Michel conhece um outro ladrão que tem a arte da mão leve muito desenvolvida e os dois começam a trabalhar conjuntamente até o dia em que Michel é preso e fica definitivamente no xadrez. Será nessa hora que Jeanne vai aparecer para servir de amparo a nosso protagonista e o início desse relacionamento que a vida da rua evitava parece que vai dar a Michel um novo rumo em sua vida.

        Jeanne, um motivo para mudar de vida…

É um filme com excelente fotografia, pouquíssima música e muitos sons do cotidiano das ruas. Muita narração em off descreve o pensamento de nosso protagonista, como o seu medo em tentar afanar vítimas um pouco mais atentas ou o sentimento de superioridade quando conseguia executar com destreza a arte do furto. Para nosso personagem, a mão leve praticamente era uma forma de vida, uma arte para a qual ele se dedicava e que precisava de todo um preparo especial. A descoberta de outro gatuno expert na área somente reforçou essa impressão. Mas como o crime não compensa, ele acabou quebrando a cara. Muito interessante é também a justificativa de cunho mais social que ele tentou jogar para cima do policial com o qual tinha uma relação mais tensa, sendo esse mais um elemento que mostra como o ato de furtar era para ele não apenas uma luta pela sobrevivência, mas também um modo de vida. Os momentos em que a arte do furto é praticada são, de longe, os melhores do filme e justificam o anúncio de “Cuidado com os pickpockets” que vemos lá no elevador da Torre Eiffel.

                                 Metendo a mão…

A coisa da sonoridade cotidiana da rua no filme, mais a narração e interpretação desprovida de emoções parecem ser da intenção do diretor de se colocar a película mais dentro de uma visão realista, ao invés de toda uma dramaticidade de cunho mais hollywoodiano. Para isso, ajudava muito o semblante sereno e frio do protagonista que não demonstrava qualquer reação perante as situações que ele passava ao longo do filme, fossem adversas ou não. Toda essa letargia e frieza parecia às vezes um tanto forçada e até irreal.

Na cadeia, uma possível redenção com a amada…

De qualquer forma, “Pickpocket” é um filme muito interessante e merece ser visto, pois faz parte de um cinema altamente reflexivo em sua concepção e que busca criar novas convenções. Um cinema que está ali coladinho à nouvelle vague. Vale a pena procurar por aí em DVD ou talvez até no Youtube.

 

Batata Séries – Jornada Nas Estrelas Discovery (Episódio 5 Temporada 1) – Escolha A Sua Dor. Um Capitão Fujão E Um Mudd Sinistrão.

Lorca vai ser torturado!!!

E chegamos ao quinto episódio da primeira temporada de “Jornada nas Estrelas Discovery”. Com um terço de temporada exibido, as coisas ainda andam meio que enigmáticas nas cabeças dos fãs. Os trekkers de raiz parecem que detestam cada vez mais e já até desistiram de considerar essa série uma verdadeira Jornada nas Estrelas, seja por violações ao cânone, seja por roteiros mal escritos, etc. A galera é muito atenta e tem lá a sua razão, se compararmos essa série com as demais. Mas eu fico conjecturando aqui. Já que a coisa parece sair tanto da curva, estourar a escala, será que tudo isso não está sendo feito de propósito? Ou seja, vendeu-se que a série recuperaria o espírito original de Jornada nas Estrelas e, de repente, vem algo tão fora do que se estava acostumado a ver. Será que os caras que estão produzindo essa série pretendem cutucar a onça com vara curta para depois retomar o curso original de uma série com verdadeiro espírito de Jornada nas Estrelas? Ou chutar o pau da barraca de uma vez? Eu me pergunto isso porque a série se afasta cada vez mais de alguns aspectos básicos do cânone e creio que isso começa a incomodar até os mais otimistas com relação à série.

Mudd de volta!!!

No que consiste a história desse episódio? Ela desenvolve basicamente dois subtemas paralelos. Em primeiro lugar, a continuação do dilema do tardígrado. Burnham tem pesadelos com as torturas que o bichão sofre e ela mesma se vê no lugar do tardígrado, sendo torturada nesses sonhos sombrios. A moça, totalmente incomodada com essa questão, procurou Stamets e o doutor Culber (interpretado por Wilson Cruz) para conversar à respeito. A cada salto do motor de esporos, o bichão fica cada vez mais fraco e Burnham teme por sua vida. Enquanto isso, no outro subtema, Lorca é comunicado na base 28 por seus superiores que o uso do motor de esporos da Discovery será limitado com o intuito de se proteger tal tecnologia. Mais tardígrados serão caçados pelo espaço da Federação, algo que incomoda logo de cara. Lorca é capturado pelos klingons enquanto retornava à Discovery, sendo levado a uma nave-prisão. Na cela, Lorca encontra o lendário Mudd e um outro oficial da Frota Estelar todo ferido. Esse Mudd não é bem o Mudd da série clássica. Mesmo sendo um cafajeste e vigarista, ainda assim o Mudd da série original tinha um tom cômico que o tornava simpático até certo ponto. Já o Mudd de Discovery é muito mais sinistro e inescrupuloso. O outro oficial está todo ferido, pois volta e meia entra um klingon na cela e pede para Mudd “escolher sua dor”. Isso significa que quem ele escolher será espancado e torturado pelo klingon. A coisa mais ética a fazer era escolher a si próprio, mas Mudd chuta a moral para escanteio e sempre escolhe o colega de cela que morre de tanto apanhar. Lorca encontra outro oficial da Frota Estelar preso, o tenente Ash Tyler (interpretado por Shazad Latif), que não tem marcas de agressão. Tyler alega que a comandante da nave-prisão L’Rell (a mesma que ficou na Shenzhou no episódio anterior, infelizmente não se explicou como ela saiu de lá) está interessada nele e não o agride. Já Mudd diz a Lorca que a arrogância da Federação é a responsável pela guerra contra os klingons. Lorca é levado para  ser interrogado por L’Rell e é torturado com luz, pois não revela os segredos da Discovery que a klingon quer.

Convencendo a não usar um tardígrado…

Na Discovery, é descoberto que os DNAs do tardígrado e do micélio da rede espacial interagem e é só então achar um DNA de outro ser compatível para obter essa interação. O tardígrado está desidratado e praticamente morto, pois Saru ignorou as recomendações de Burnham, Stamets e Culber de não usar mais o tardígrado, pois era vital salvar o capitão do sequestro e usar o motor de esporos.

Na nave-prisão, Lorca volta para a cela e descobre que um insetinho de estimação de Mudd tem um transmissor que passa para os klingons tudo o que os prisioneiros falam na cela. Lorca fica revoltado e arremessa o insetinho contra a parede. Mudd provoca Lorca e diz a Tyler que quando o capitão comandava a USS Buran, ele abandonou a nave e sua tripulação durante um ataque klingon, Lorca arrematou dizendo que não somente abandonou a nave como a explodiu e matou toda a sua tripulação, pois não queria ver seus homens torturados pelos klingons e serem mortos de forma humilhante e pública (lamentável, pois um verdadeiro capitão de Frota Estelar não abandonaria a sua nave sem pelo menos salvar sua tripulação; essa história precisa ser mais bem explicada a meu ver). Chega um klingon e Lorca precisa escolher a sua dor. Tyler se voluntaria e Lorca o escolhe. Mas Lorca e Tyler reagem, matando o klingon e outro que aparece em seguida, quebrando seus pescoços. Eles deixam Mudd na cela, que professa um discurso de vingança e ódio contra Lorca. Nos corredores da nave-prisão, Lorca e Tyler pulverizam alguns klingons com os phasers. Tyler se fere e Lorca o deixa, dizendo que irá voltar depois de encontrar uma saída. Mas L’Rell encontra Tyler e os dois lutam. Lorca volta e dá em L’Rell um tiro de phaser que arranca metade de seu rosto. Esta grita de dor e ódio. Lorca e Tyler conseguem fugir num caça klingon, mas são perseguidos por outros caças. Eles vão em direção à Discovery. Saru, com a experiência de sua espécie em distinguir predador e presa reconhece a nave de Lorca e Tyler e os transporta para a Discovery. O motor de esporos é acionado, com Stamets, sem o conhecimento de ninguém, no lugar do tardígrado. Saru tem mais uma de suas mudanças de opinião com relação a Burnham e agora diz, depois de tê-la confinado ao alojamento,  que tem inveja e raiva dela por ter sido a número 1 de Georgiou e tudo que Saru queria era que Burnham conseguisse o comando de uma nave estelar para ele ser o número 1 de Georgiou. Burnham contemporiza e diz que ele se saiu muito bem, e que Georgiou concordaria com essa opinião. E deu a Saru de presente o telescópio de Georgiou. Saru ordena Burnham a salvar o tardígrado. Ela decide soltá-lo pois libertando o bichão, ele voltará a fazer as suas viagens. O tardígrado acaba indo embora. O episódio termina de forma um tanto inusitada: Stamets e Culber escovando os dentes juntos, revelando um relacionamento íntimo.

Burnham colocada a escanteio nesse episódio…

Ok, vamos lá. Eu disse lá no início que Discovery pode estar saindo muito da curva do cânone de forma proposital, para talvez tentar fazer uma reviravolta mais ao final da temporada. Isso é pelo menos o que eu espero e torço, pois as derrapadas neste episódio foram, a meu ver, um pouco pesadas. O que mais me incomodou foi os poucos momentos de violência extrema, sendo um tanto desnecessário. Se os klingons aparecem mais ameaçadores nesse episódio (e eu considero isso algo bom), a violência extremada dos membros da Federação me soou muito indigesta, mesmo já sabendo das fugas do cânone. Me refiro a três momentos. O primeiro quando Lorca atira o insetinho de Mudd contra a parede. Muito desnecessário aquilo. Que Lorca jogasse o bichinho no chão e arremessasse o transmissor contra a parede. Sei que isso pode parecer uma bobagem, mas atirar um ser vivo que não tem nada a ver com o problema contra a parede me parece uma postura muito irracional para um capitão de Frota Estelar de uma Federação que, pelo cânone, respeita qualquer forma de vida alienígena. Aí, podem dizer: mas o cânone não está sendo respeitado mesmo. Bom, se não está sendo respeitado e a Federação é arrogante e sem escrúpulos (como disse Mudd), é melhor começar a torcer para os klingons então, pois parece que eles têm razão com relação à Federação. O segundo momento se refere à forma como Lorca e Tyler matam os klingons, quebrando-lhes o pescoço. Sei não, deu uma impressão que a estrutura óssea deles era muito frágil. E sabemos que um klingon não é tão fraquinho assim. Eles têm costelas trançadas, mais adequadas para proteção em situação de combate, por exemplo. E, cá para nós, achei que os dois membros da Federação poderiam muito bem ter colocado os klingons em combate corporal para dormir. Esse negócio de sair matando todo mundo (até a própria tripulação, como foi no imperdoável caso da USS Buran) cai mal, mesmo sendo fora do cânone. Agora, o momento violento mais desagradável foi a mutilação do rosto de L’Rell, tão agressivo quanto a violência com o tardígrado a meu ver. Para fazer aquilo, pulveriza a mulher de uma vez! Não deixem ela mutilada gritando e sofrendo, mesmo que ela tenha torturado antes! Frota Estelar torturando, além de não ser cânone, não é nem ficção científica. É Dirty Harry!

Pelo menos, esse episódio deu mais alguns passos em direção à Jornada nas Estrelas em sua essência. A já esperada preocupação com o tardígrado aflorou, embora ainda tenha esbarrado em Saru que, para mostrar serviço, se comportou de forma dura, meio a la Lorca, mesmo que a contragosto (os roteiristas brincam muito com esse personagem que poderia ser muito bom). Apesar disso, o bicho foi salvo por algumas vozes mais sensatas numa nave que tem se mostrado tão insana. Um segundo ponto é o inusitado relacionamento entre Stamets e Culber. Inusitado não por ser homossexual, não me entendam mal, mas sim por se constituir de dois personagens quase sem qualquer interação um com o outro ao longo dos episódios. Enquanto Stamets é um personagem bem construído, Culber surgiu tardiamente na série. Claro que com o relacionamento, Culber subirá em patamar de importância. E isso é bom, pois Jornada nas Estrelas sempre lidou bem com as diferenças e já havia passado da hora de se abordar o homossexualismo. Só fica uma dúvida aqui: Stamets tirou o tardígrado do motor de esporos porque achou a coisa certa a se fazer ou porque a pressão de Culber foi mais efetiva pelo fato de os dois terem um relacionamento afetivo? Se Stamets não tivesse nada com Culber, ele teria tratado o tardígrado da mesma forma? Ou não estaria nem aí para o sofrimento do bichão?

Um relacionamento fofo…

Assim, esse novo episódio de Jornada nas Estrelas Discovery, “Escolha a Sua Dor”, ainda traz problemas como a violência excessiva e desconfortável, mas por outro lado, deu um digno desfecho ao tardígrado e iniciou o homossexualismo aberto em Jornada nas Estrelas. Esperemos que essas saídas do cânone nos apontem para uma luz no fim do túnel no futuro. E fica mais uma pergunta aqui: qual é a de Ash Tyler???

Quer ver outras análises de episódios da Discovery? Clique aqui

Batata Antiqualhas – Jornada Nas Estrelas 4. Radiografando Um Longa: A Volta Para Casa (Parte 2).

Como e quando usar as metáforas pitorescas?

Voltamos aqui a falar de “Jornada nas Estrelas 4: A Volta para Casa”. Por que esse é o melhor dos longas-metragens? Porque ele foi o mais fiel ao espírito da série. O primeiro longa foi altamente cerebral e artístico, fazendo uma ficção científica altamente intelectualizada. O segundo e o terceiro fizeram alusões a elementos da série (Khan e os klingons), além de abordar temas filosóficos como os efeitos da passagem do tempo na vida das pessoas, ou temas de história presente (para a época que os filmes foram feitos) como a Guerra Fria. Entretanto, os dois filmes estavam embebidos no clima de violência imperante nos filmes de ação da década de 1980, algo que o próprio Gene Roddenberry repudiava.

                         Elo mental com jubarte.

E o quarto filme? Este acertou na mão, pois em primeiro lugar, foi abandonado o manto de violência. Além disso, ele tratou de ser uma ficção científica considerando temas como viagem no tempo e as qualidades e defeitos da humanidade (algo muito explorado na série clássica, principalmente quando Spock criticava os defeitos da humanidade para exaltar seu lado vulcano). Mas o principal: a história trouxe um delicioso humor muito caro à série, onde aconteciam os debates acalorados entre McCoy e Spock, sempre engraçados. O filme tem muitas passagens hilárias, como Kirk xingando o motorista que quase o atropela, o ato de colocar os óculos “no prego” na loja de penhores (“100 dólares é muito?”), o fato de Chekov, um russo, perguntar a um guarda de rua onde ficam os navios nucleares em plena Guerra Fria (nessa cena, em meio aos figurantes, passava uma moça que, despercebidamente, participou do filme e deu a dica a Chekov e Uhura de que os navios estavam do outro lado da baía!), o uso das “metáforas pitorescas” (ou palavrões) por parte de Spock em momentos impróprios, ou a ótima cena do ônibus onde Spock põe um punk para dormir, pois ele fazia muito barulho com um rádio gravador cassete (lembra? Você teve um? Eu tive!). O detalhe é que o punk é um dos produtores associados do filme e foi um dos compositores da música que saía do rádio gravador. A cena do hospital com McCoy o comparando à Inquisição Espanhola também é sensacional! O filme está cheio de situações engraçadas. Mas não de um humor simplório e sim muito inteligente e refinado.

                                 Boa viagem!!!

O choque cultural entre a tripulação do século 23 e a vida no século 20 é outro detalhe digno de atenção e que deu um sabor especial ao filme. Kirk qualifica a cultura do século 20 como “primitiva e paranoica”. Spock identifica altos níveis de poluição na atmosfera como indício de que eles haviam chegado a 1986. As notícias de negociações fracassadas de redução de armas nucleares estampadas nos jornais renderam o comentário rabugento e irônico de McCoy: “É um milagre essas pessoas sobreviverem ao século 20”. Todas essas situações de estranhamento pelos olhos do outro nos ajudavam a identificar os absurdos do mundo daquela época, principalmente num dos temas chave do filme, que era a matança e extinção das baleias. Ao acabar com elas, o homem cavava sua própria extinção, realmente uma forma muito inteligente de falar sobre a questão da ecologia, tão em voga naquela época e que mostrava como o ser humano, por também fazer parte do ecossistema, pode sofrer  consequências se começar a destruir o meio ambiente. O mais triste é que alguns dos absurdos assinalados no filme ainda permanecem muito contemporâneos.

                                      Bye Bye.

As emoções de Spock são obviamente mais uma vez enfocadas. Desta vez porque ele foi reeducado dentro dos padrões vulcanos após “ressuscitar”. Ao fazer seus testes, ele responde simultaneamente várias questões sobre várias disciplinas (como se fizesse um multi enem!)  mas, ao ser perguntado pela máquina como se sentia, ele não entendia o sentido da pergunta. Sua mãe é que irá recolocá-lo no caminho das emoções ao lembrar ao filho o sacrifício de seus amigos humanos para salvá-lo, algo que foi contra todas as implicações lógicas. As situações que aparecem ao longo do filme, como a necessidade de resgatar Chekov do hospital, também auxiliam na forma como o vulcano volta a enxergar a importância das emoções e do sentido de companheirismo, ficando junto a seus amigos na cena corte marcial.

Definitivamente, esse é o melhor filme de todos. Todas as virtudes da série assinaladas. Inteligência e humor eram as características mais marcantes da série clássica. E também essas caraterísticas apareceram em “Jornada nas Estrelas 4: A Volta para Casa”.

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