Batata Movies – Acossado. Ainda Tentando Entender Godard.

                  Cartaz do Filme

Quem já leu o que escrevo sabe que tenho uma relação muito difícil com Godard. Seus filmes são, para minha pessoa, herméticos, chatos, sem sentido até, talvez por possuírem uma narrativa demasiadamente fragmentada. Já falei em outros carnavais que essa característica dele até se aproximaria da de Glauber Rocha, mas os filmes do cineasta brasileiro seriam mais digeríveis em virtude de tratarem de uma realidade mais próxima de nós. Essa má relação com Godard na minha vida de cinéfilo sempre me incomodou. E olha que eu juro que tento. Vou ao cinema ver seus filmes, presto a maior atenção nas falas, roteiro, fotografia, montagem, etc., mas a decepção sempre vem logo depois. Uma fragmentação do cacete. O único filme de Godard de que realmente gostei foi “Alphaville”, uma alegoria do mundo em que vivemos manifesta numa sociedade fictícia. Um filme com um verniz de ficção científica distópica. Agora, o resto…

                                                                              Um malandrão…

Bom, tive mais uma chance de conhecer o cara. Fui rever “Acossado” no cinema, depois de alguns anos de tê-lo visto. Quem sabe minha impressão sobre o filme não tivesse mudado com a idade e com a bagagem que tenho hoje (se é que tenho alguma)? Tinha que me dar mais uma chance e ao malucão cultuado por meio mundo.

                                                                                 Uma ninfeta…

O filme tem um plot muito simples. Um malandrão, misto de assaltante e “bon vivant” (interpretado por Jean Paul Belmondo), mata um policial e passa a ser perseguido. Enquanto se esgueira da polícia e da falta de grana praticando pequenos furtos debaixo do nariz da menininha que namorava, ele corteja uma bela americana que estuda jornalismo e tem um quê intelectual bem maior que o dele. Despreocupado com o cerco cada vez mais próximo da polícia, nosso anti-herói busca convencer a ninfeta a ir com ele para a Itália. Até que a sua vaca vai para o brejo e ele morre com os tiros dos policiais (como esse filme tem quase sessenta anos, eu acho que posso dar spoiler).

                                                                                   Um affair…

Pois é, o que eu achei dessa vez? Se da última vez que eu assisti à película eu a achei muito hermética e chata, dessa vez, vendo com um pouco mais de atenção, notei algo bem interessante, que foi para mim o grande trunfo do filme: a sua montagem. E por que isso? Em alguns momentos das andanças do personagem de Belmondo (Michel Poiccard), a forma como eram feitos os cortes de câmara tornavam a ação muito mais rápida, como se o filme tivesse um ritmo muito frenético. Por exemplo: vemos o homem numa garagem andando em direção ao carro. A imagem seguinte já é o carro andando pela rua. Não vimos ele abrindo a porta, entrando e ligando o carro. Essa mudança brusca nas tomadas dava uma impressão de velocidade a gente não vê frequentemente por aí. Em compensação, o filme ficava com um ritmo extremamente lento quando víamos Michel cortejando a bela lourinha americana (interpretada por Jean Seberg). E os diálogos eram muuuito chatos. O que a gente podia tirar de todo aquele palavrório era que a lourinha era bem mais inteligente e fazia gato e sapato dele na maioria das vezes. Quando a moça queria ter uma conversa mais intelectualizada com ele, não conseguia. Quando ele levantava a saia dela, tomava um tapa na cara (ele chegou até a descer do carro que dirigia para levantar a saia de uma moça qualquer na rua para comprovar sua teoria de que queria ver pernas bonitas). E dava na moça verdadeiros coices quando ela não cedia aos seus encantos, até na hora da morte, justamente para lhe causar remorso. Tudo isso não estando nem aí para a polícia que se aproximava, ao melhor estilo do “vamos ver no que dá”. Sei não, não fosse por Seberg, o filme seria mais difícil de assistir. Tudo bem que nosso protagonista tinha um espírito livre e transgressor, sendo uma espécie de porta-voz dos anseios daquela geração, eu entendo isso tudo. Mas aqueles diálogos com a americana eram simplesmente um saco.

                                                                                Diálogos sacais…

No mais, os fragmentos de sempre, como no caso da entrevista feita com o romancista que se monta num trono de arrogância e é meio que cultuado pela aspirante a jornalista. Senti um fio bem denso de ironia à intelectualidade ali, principalmente nas cantadas e olhares do romancista, que o reduziam aos humanos normais, sendo esse momento também até que interessante, principalmente quando a gente se lembra do gênio difícil de Godard e de sua relação com a intelectualidade. O filme também tem um quê meio policial, principalmente nas perseguições da polícia ao protagonista. Mas ainda assim, “Acossado” é entediante, principalmente porque ele se pauta muito nos famigerados diálogos de Belmondo e Seberg.

Assim, creio que eu ainda não consegui entender Godard de todo. Mas andei alguns centímetros na direção disso ao notar o dinamismo da montagem e algumas ironias bom finas. Pena que o filme não manteve esse ritmo o tempo todo. Esperemos a próxima chance de confrontar Godard. E pensar que o roteiro de “Acossado” foi escrito por Truffaut, esse sim um diretor da Nouvelle Vague que eu gosto. Ironias da vida…