Confesso a vocês que tenho um pouco de dificuldades com o cinema coreano. A maioria dos filmes que eu vi do cinema desse país eu achei um tanto enfadonho e com ritmo muito lento, salva uma ou outra exceção. Mas “O Motorista de Táxi” me impressionou muito e posso dizer que esse é o melhor filme da Coreia do Sul que eu vi até hoje. Mais um filme baseado numa história real. Mais um filme que nos faz pensar sobre as coisas (ruins) do mundo.
A história é ambientada na Coreia do Sul de 1980, que estava em plena ditadura militar e era assolada por muitos protestos de estudantes contra arbitrariedades como o toque de recolher. No meio de toda essa confusão está Kim (interpretado por Kang-ho Song), um taxista um tanto egoísta e mesquinho que se preocupava mais com o seu carro (e ganha pão) do que com qualquer outra coisa. Ele criticava os protestos de estudantes contra o governo, pois achava que estudante deve estudar e não protestar. Kim sempre estava sem grana e devia a Deus e ao mundo. Mas, num belo dia, enquanto almoçava com um amigo (e senhorio) que lhe pagava o almoço, ele escutou de um outro taxista que ele tinha conseguido uma corrida até a cidade de Gwangju para um estrangeiro. Esperto como ele só, Kim saiu do restaurante e se apresentou ao cliente, um jornalista alemão de nome Peter (interpretado por Thomas Kretschmann) como o taxista que faria a corrida. Mal sabia Kim que aquela corrida mudaria sua vida e a visão que tinha do governo de seu país.
Podemos dizer que o diretor Hun Jang e o roteirista Yu-na Eom foram muito espertos e inteligentes na concepção do filme. O início da película tem um tom de comédia, onde o taxista Kim dita o tom cômico. Sua aparência mal humorada e mesquinha provocava situações engraçadas com uma pitada de drama, principalmente quando sabemos de sua situação familiar. O tom de comédia continua firme e forte quando ele faz a corrida do jornalista estrangeiro e a barreira linguística leva a mais situações inusitadas e cômicas. Mas, ao se chegar à cidade de Gwangju, o filme muda totalmente de figura e ele se torna uma denúncia nua e crua das atrocidades que os militares cometiam contra a população civil, que não entendia o porquê daquela violência toda. É um momento que a película fica muito pesada e até traumática, e a forma como o gênero do filme muda da água para o vinho, de algo leve e divertido para algo extremamente funesto e revoltante só aumenta o impacto em cima do espectador. A coisa atinge ainda mais o espectador principalmente quando sabemos que o que é mostrado na película é uma história real. O desfecho do filme (que eu não direi aqui) é bem comovente, pois foi criado um forte elo entre o passageiro e seu taxista em virtude de tudo o que passaram juntos. Mas nem sempre a vida consegue repetir a magia da arte.
De qualquer forma, os atores estiveram muito bem, sobretudo Kang-ho Song, que precisou se desdobrar por causa da complexidade do seu personagem em virtude das diferentes situações pelas quais ele passava. Já Thomas Kretschmann não foi tão marcante quanto o seu colega coreano mas ele convenceu muito quando estava numa espécie de estado de choque depois de testemunhar tantos massacres.
Assim, “O Motorista de Táxi” é o melhor filme da Coreia do Sul que eu vi, na minha modesta opinião, pois ele exerce com maestria a função social de denúncia do cinema e o diretor e o roteirista conseguem dar o seu recado, chocando o público violentamente com a repentina troca de gênero de uma comédia levinha para um violento filme que rasga as entranhas. Programa imperdível.