Batata Antiqualhas – Spock e Leonard. Dualidade que se completa (Parte 19)

Um banquete antológico…

Nimoy fala em “Eu sou Spock” que, para falar de “Jornada nas Estrelas 6, A Terra Desconhecida”, ele precisa voltar um pouco no tempo, mais especificamente durante as filmagens de “A Volta Para Casa”, quando Harve Bennett chegou com a ideia para fazer um filme de “Jornada nas Estrelas”. Não era exatamente uma sequência, pelo contrário. Era uma “pré-sequência” para todos os longas e até para a série clássica, onde veríamos Kirk, Spock e McCoy em seus dias de Academia da Frota Estelar, onde jovens atores interpretariam esses personagens. Parece que a ideia era injetar sangue novo na franquia. Ou seja, o projeto que J. J. Abrams dirigiu anos depois teria sido imaginado por Bennett ainda em plena década de 1980. A Paramount até estava de boa vontade com a ideia, mas era necessário terminar “A Volta Para Casa”, o que adiou a conversa entre Nimoy e Bennett sobre essa ideia. Bennett teve autorização para escrever um roteiro, só que isso não aconteceu. Depois do lançamento de “Jornada nas Estrelas 5”, Bennett voltou a falar sobre a ideia com Nimoy,  mas com pesar, já que a Paramount dessa vez havia rejeitado a ideia de uma jovem tripulação da Enterprise em seus dias de Academia da Frota Estelar. Algum tempo depois, Frank Mancuso, executivo da Paramount, convidou Nimoy para um almoço e disse que queria um filme para comemorar os vinte e cinco anos da série. Nimoy perguntou sobre Bennett e Mancuso lhe disse que ele não estava mais envolvido com “Jornada nas Estrelas”, enterrando naquele momento qualquer chance de um longa com a tripulação em seus dias de juventude. Nimoy novamente teria o controle total, escrever, dirigir, ser o produtor executivo. Mas ele se lembrou da tarefa hercúlea que foi fazer o quarto filme e não estava muito disposto a se envolver novamente. Mancuso insistiu e Nimoy, então, disse que procuraria o executivo depois de ter uma ideia para uma história. O nosso ator, então, se lembrou de seu interesse pelos klingons, a ligação entre o relacionamento entre a Federação e os klingons e a Guerra Fria e os sérios problemas que a União Soviética sofria naquela época. O muro de Berlin já havia caído, por exemplo. Três semanas depois, Nimoy ligou para Mancuso e sugeriu a seguinte ideia: o império klingon estaria passando pelo mesmo problema que a União Soviética, com a economia em colapso em virtude do alto orçamento militar. Haveria uma dissidência no império e uma catástrofe do tipo “Chernobyl”. Dessa forma, os klingons procuram a Federação para uma trégua e aí entra a Enterprise. Mancuso adorou a ideia e Nimoy sugeriu o nome de Nicholas Meyer para escrever o roteiro. Se ele quisesse dirigir, isso também seria aceito.

Última aventura de Shatner e Nimoy juntos

Assim, Nimoy procurou Nicholas Meyer, que aceitou ter uma conversa. Ao caminharem pela praia, os dois estabeleceram o que seria a trama básica do filme. Faltava escrever o roteiro. Mas houve problemas. Um executivo da Paramount, Teddy Zee, passou a tarefa de escrever o roteiro para outros dois roteiristas. Nicholas Meyer, que estava fazendo o roteiro, pensou que havia sido descartado pela Paramount e por Nimoy. Esse mal-entendido custou alguns meses e Nimoy se culpa, pois ele não falou com Mancuso, que havia lhe pedido para procurá-lo caso tivesse algum problema. Desfeita a confusão, Meyer trabalhou em velocidade de dobra no roteiro com seu colaborador Denny Martin Flinn, enquanto que a linha dura do Partido Comunista Soviético sequestrava Gorbachov para deter as reformas que trariam futuramente o capitalismo para a União Soviética (a vida imitava a arte). Quando o roteiro ficou pronto, ele parecia mais uma trama de conspiração política e assassinato, sem abordar a cultura klingon de forma mais profunda, como Nimoy queria. Ele, então, conversou com Roddenberry que lhe fez a seguinte pergunta: o que esse filme pode nos falar mais dos klingons, ou seja, aquilo que ainda não conhecemos de sua cultura? Nimoy aceitou a sugestão e foi conversar com Meyer, que não concordou com a ideia. Nimoy gostaria que Kirk e McCoy conhecessem na prisão um klingon prisioneiro para abordar mais o modo de vida dos klingons, mas Meyer prontamente rejeitou tal sugestão, o que decepcionou Nimoy. Aí fica a questão: até onde ia a carta branca de Nimoy na Paramount? Apesar dessa frustração, Nimoy reconhece que a cena do banquete entre os membros da Federação e os klingons na Enterprise foi sensacional, com direito a intepretações magistrais de Christopher Plummer, David Warner e Rosanna DeSoto e citações de Shakespeare.

Christopher Plummer, um dos melhores klingons já vistos…

Para o personagem de Spock, houve dois momentos importantes. Um foi o seu relacionamento com Valeris, a jovem vulcana que se une à conspiração e trai Spock, o seu grande mestre. Inicialmente, a traidora seria Saavik, mas houve dois empecilhos. Kirstie Alley, que fizera o papel, agora era estrela de sucesso numa série de TV e seu salário seria muito alto. O outro empecilho seria como os fãs encarariam a traição de Saavik, que sempre fora muito fiel. Assim, desistiu-se da ideia da traição de Saavik e decidiu-se criar uma nova personagem. Kim Catrall foi escolhida para o papel, pois já tinha sido a escolha de Meyer para Saavik no segundo filme, “A Ira de Khan”, onde Alley acabou interpretando a vulcana. O teste não deixou dúvidas dessa vez e Catrall subiu a bordo da nave. O nome da personagem teve uma sugestão de Catrall: Eris, a deusa grega da discórdia e do caos. Um “Val” foi acrescentado para parecer mais alienígena e assim surgiu o nome Valeris.

Valeris sendo torturada por um raivoso Spock!!!

No início do desenvolvimento de “Jornada nas Estrelas 6”, Meyer descreveu o enredo para um jornalista como se fosse “uma pequena história sobre Spock apaixonado”, o que levou a muitas especulações, justamente porque, num episódio da Nova Geração intitulado “Sarek”, o capitão Jean Luc Picard teria dito que estivera com o embaixador Sarek, há muitos anos, durante o casamento de seu filho. Logo surgiram especulações sobre um casamento entre Spock e Valeris. Mas a relação seria apenas platônica e toda a polêmica envolvida serviu para encobrir a traição de Valeris. Nimoy lembra que Spock deveria ser sábio e experiente o bastante para não se deixar enganar por uma jovem vulcana. Dá para perceber como Valeris mexeu com a cabeça de Spock. Tanto que, na cena onde é descoberta a traição da moça, Spock chega a ter uma explosão de raiva, dando um tapa na mão da vulcana, que tinha um phaser para matá-lo (na verdade, Valeris mataria dois membros da tripulação que estariam supostamente na enfermaria e que haviam participado da conspiração, numa “queima de arquivo”; mas na verdade, Kirk e Spock prepararam uma emboscada para a moça e eles é que estavam na enfermaria, surpreendendo a vulcana que, sem reação, deixou que Spock lhe desse o tapa na mão para arrancar a arma). Outra cena em que Spock mostra emoções ocorre quando ele faz um elo mental à força em Valeris na ponte da nave para que ela denuncie os líderes da conspiração. Essa cena chega até a ser violenta, onde Spock “suga” todos os pensamentos à força, provocando dor em Valeris, tal como se ele a torturasse. Essas duas cenas são sinalizadas por Nimoy como o cruzamento humano/vulcano de Spock, onde seus dois lados estão bem expostos. Para Nimoy, essa pareceu ser uma progressão “logica” do personagem ao curso dos longas, pois no primeiro filme, Spock está totalmente lógico, após passar pelo ritual do Kolinahr para purgar todas as emoções e vai aceitando suas metades humana e vulcana ao longo do filme. No segundo filme, Spock parece em paz consigo mesmo e suas partes lógica e emocional. No terceiro filme, ele não participa, mas teve sua mente apagada. No quarto filme, ele reaprende tudo, inclusive os dois aspectos de sua personalidade, chegando a pedir a seu pai Sarek, que diga a sua mãe que ele se “sente bem”. O quinto filme parece seguir o mesmo padrão e, no sexto filme, parecia a hora em que Spock poderia mostrar suas emoções no momento apropriado.

Mas uma cena do sexto filme seria uma das mais importantes de toda a carreira de Nimoy e do vulcano Spock. A cena onde ele tinha certeza, pelo menos naquele momento, que a saga da série clássica tinha chegado ao fim. O final do sexto filme, inclusive, dizia que a Enterprise seria passada para uma nova tripulação, gancho óbvio para a série “A Nova Geração”. Mas, na cena mencionada em questão, Spock está em seu aposento melancólico, arrasado e deprimido, depois da traição de Valeris, quando Kirk entra para animá-lo. E aí começa um diálogo entre os dois em que o vulcano pergunta a Kirk: “É possível que nós dois, você e eu, tenhamos ficado tão velhos e inflexíveis que sobrevivemos à nossa própria inutilidade?”. Essa foi uma pergunta tão importante para Nimoy quanto para Spock. Não apenas porque Spock era um vulcano à beira da aposentadoria, percebendo que enfim a missão da sua tripulação havia acabado, quanto também Nimoy estava consciente de que aquele era o último filme de “Jornada nas Estrelas” para ele e Shatner juntos. Naquele momento, na cabeça de Nimoy, Spock perguntava a Kirk, mas também Nimoy perguntava a Shatner. Não havia distinção entre personagem e ator. Para Nimoy, ficou o sentimento de que a série clássica havia chegado ao fim. Ele teve o mesmo sentimento quando a série clássica foi cancelada: tristeza pelo fim, mas, ao mesmo tempo, alívio, pois não queria ver a qualidade dos filmes declinar.

Seria esse o fim da carreira de Spock em “Jornada nas Estrelas”? Isso é o que veremos no próximo artigo. Até lá!

Spock só voltaria no cinema com J. J. Abrams

Batata Movies – Jovem Mulher. Uma Menina Perturbada E Um Gato.

Cartaz do Filme

Um filme francês muito curioso passou em nossas telonas. “Jovem Mulher” é uma daquelas películas que fala de pessoas que não se enquadram muito bem nas regras e convenções impostas pela sociedade e que acabam vivendo largadonas por aí, sem qualquer perspectiva de vida e ao sabor dos acontecimentos. Um filme que pode ser uma tortura para os mais metódicos.

Paula, a menina maluquinha…

Vemos aqui a história de Paula (interpretada por Laetitia Dosch), uma moça bem perturbada que está em crise com o namorado e acaba ficando internada provisoriamente numa instituição psiquiátrica. Depois da internação, ela tenta voltar ao apartamento de seu companheiro, que não a deixa entrar. A moça vê o gato do namorado na rua e acaba o levando. Andando pela noite, ela fica por aí, aqui e ali, dormindo na casa de amigos ou até de desconhecidos, além de hotéis baratos. Completamente sem rumo, Paula precisa reconstruir sua vida, fazendo bicos de babá e trabalhando numa loja de departamentos. O filme transcorre nessa montanha russa de emoções, onde as pessoas que entram e saem da vida de Paula acabam definindo novos rumos para a sua vida.

com o gato do namorado…

O filme foi classificado por aí como comédia dramática. Mas, cá para nós, de comédia esse filme não tem nada, muito pelo contrário até. Ele é um drama psicológico bem pesado, onde uma moça completamente perdida vai se equilibrando como pode nas agruras da vida, ora recebendo uma parca ajuda de alguém, ora nem isso. A sensação que temos é a de que Paula tem uma estrutura muito frágil que entrará em colapso a qualquer momento, e isso é algo extremamente angustiante, até porque a própria personagem é contra uma filosofia de vida mais estável e prefere uma vida mais galgada ao sabor dos acontecimentos. O problema é que a coisa toda acaba ficando muito instável e muitos momentos da vida de Paula se tornam um verdadeiro martírio, até porque ela não consegue se enquadrar nas convenções sociais, passando muitas vezes uma imagem até meio infantil.

Vida ao sabor dos acontecimentos…

Do jeito que a coisa é conduzida na narrativa, fica a impressão de que essa forma mais “livre” de se encarar o mundo é vista como negativa pelo filme, pois a própria personagem alimenta um discurso um tanto libertário mas tem a plena consciência de que precisa imediatamente de alguma estabilidade em sua vida. Visão conservadora? Talvez. Mas é interessante notar como a película trabalha esses dois pólos à medida que a trajetória da protagonista se desenrola. Num momento, ela abomina a palavra “livre”, pois significa que ela está sozinha. Mas, em outro momento, ela trata esse termo com bastante indiferença.

Doidinha na entrevista de emprego…

Apesar de termos uma película que é um choque de realidade e termina com um anticlímax, o desenrolar do roteiro não é enfadonho e prende a atenção do público, mesmo sendo algo não espetacular (salvo em poucos momentos). Isso deve acontecer, pois é uma história com a qual nos identificamos, pois conhecemos alguns exemplos reais do que vemos no filme por aí.

Aos poucos, ela encontra amigos…

Assim, “Jovem Mulher” é um drama que fala da vida real de forma nua e crua, algo que pode angustiar bastante. É um filme cujo roteiro parece tomar partido por uma vida mais metódica do que sonhadora. Um filme que não deixa o espectador ficar sem pensar e que, por isso, merece a sua atenção.

Batata Movies – 120 Batimentos Por Minuto. Vida Em Tempos De AIDS.

Cartaz do Filme

Um polêmico filme francês passou em nossas telonas. “120 Batimentos Por Minuto”, de Robin Campillo,  que ganhou o Grande Prêmio do Júri em Cannes, nos leva aos anos 80 na França para testemunharmos as ações do grupo Act Up, que defendia que os infectados pelo vírus HIV tivessem acesso mais rápido e fácil a novos medicamentos desenvolvidos por laboratórios que, aparentemente, visavam apenas ao lucro. Vale lembrar que, naquela época, havia pouquíssimas drogas que davam um tratamento apenas parcialmente eficaz e que traziam efeitos colaterais desagradáveis, como o AZT.

O diretor Robin Campillo

O Act Up fazia ações volta e meia radicais, como invadir os escritórios de laboratórios e sujar tudo com um sangue artificial, invadir escolas e fazer campanhas de prevenção na marra, etc., tudo isso sob a alegação de que o tempo dos infectados era muito pouco e que eram necessárias ações mais rápidas para combater o problema que tinha dimensões de saúde pública (segundo o que foi falado no filme, a França daquela época era o país da Europa com o maior número de casos de AIDS, o que não podia em hipótese alguma ser negligenciado pelo governo).

Manifestações com sangue artificial

Outro ponto interessante do filme foram as reuniões que o grupo fazia, mostrando uma diversidade de opiniões que nem sempre se relacionavam de forma harmoniosa. Apesar de muitos momentos de conflito, ainda assim a gente podia ver como era o debate de um grupo de pessoas muito esclarecidas, algo que não acontece com muita frequência por aqui, infelizmente. Foi curioso, também, perceber a quantidade de homossexuais no grupo. Sabemos que o filme é datado e que hoje a AIDS está muito mais difundida em vários segmentos sociais.

Reuniões onde as opiniões eram expostas e votadas…

Mas o filme deu um pouco a impressão de que a AIDS era uma doença restrita muito mais ao mundo gay do que a outros, embora a película tenha dito reiteradas vezes que qualquer um possa se infectar. Talvez tivesse sido melhor mostrar não somente como a AIDS atingia os homossexuais, mas também os heterossexuais.

Momentos de affair….

Uma coisa que provocou muito impacto foi mostrar o desenvolvimento da doença e como ela definhava as pessoas violentamente naqueles dias (não que isso não aconteça hoje, isso tem que ficar bem claro). Isso se deu de forma fictícia, onde foi mostrado todo o processo de morte lenta de um dos personagens do filme, Sean (interpretado por Nahuel Pérez Biscayart), como de forma real, quando vimos a foto de um casal gay americano infectado, onde um dos membros do casal estava extremamente debilitado e desfigurado pela doença. Talvez essa seja a parte mais importante do filme, pois depois do terror mundial que a doença provocou, os dias de coquetel, mesclados às novas gerações que não presenciaram aqueles dias dos anos 80 e 90, trouxeram uma nova vida de descuidos e o aumento do número de infectados. Relembrar todo o mal da AIDS no filme é um choque necessário que as pessoas precisam sofrer, fazendo a película cumprir sua função social.

Em Cannes, os atores Arnaud Valois, Adèle Haenel e Nahuel Pérez Biscayart 

Assim, “120 Batimentos por Minuto” é um filme muito importante que nos faz relembrar de todas as mazelas da AIDS e notar que a doença ainda está por aí e é muito perigosa. É uma prova de que o cinema pode ser uma arte útil, do ponto de vista de denúncia de uma situação que parece que muitos não enxergam mais.

Batata Movies – Assim É A Vida. Montando Um Casamento.

Cartaz do Filme

A dupla Eric Toledano e Olivier Nakache (de “Os Intocáveis”) está de volta com a boa comédia “Assim é a Vida”. Desta vez, os diretores e roteiristas se superaram em fazer rir. No filme “Intocáveis” já tivemos uma boa comédia, embora houvesse pitadas de drama em alguns momentos. Já em “Assim é a Vida”, deu-se liberdade total à arte de fazer rir.

Max (centro). Muito estressado  com seus empregados…

O enredo da película é muito simples. Uma pequena empresa organiza uma festa de casamento num castelo do século XVII e vemos os bastidores dessa organização. Temos uma grande equipe liderada por Max (interpretado por Jean-Pierre Bacri), um chefe bem estressado. Também pudera. Sua trupe de funcionários provoca as mais confusas situações, colocando nosso patrão em maus lençóis várias vezes. A organização da festa em si é uma sucessão de problemas para se resolver, onde todos correm contra o tempo. E, para piorar, o noivo (interpretado por Benjamin Lavernhe) é, ainda, um cara extremamente exigente, egocêntrico e até megalomaníaco, o que somente coloca mais pressão em todos.

Um noivo malucão…

Contado dessa forma extremamente simplória (até para se evitar os spoilers), a coisa parece muito sem graça. Mas Toledano e Nakache conseguem transformar o filme em algo muito divertido, onde a comédia vai paulatinamente tomando conta da película até o momento da festa em si, onde a sequência de eventos provoca gargalhadas no público. Outra coisa que ajudou muito o filme foi a grande variedade de funcionários e, consequentemente, de bons personagens e oportunidades diferentes para se fazer rir, deixando a comédia sempre com um ar de ineditismo.

Um fotógrafo que odeia celulares…

E até as piadas repetidas foram inseridas na película em horas oportunas, o que só serviu para melhorar a comédia. Dentro dos vários personagens do filme, podemos destacar um fotógrafo que se irrita com pessoas tirando fotos pelo celular quando ele trabalha, um garçom que é apaixonado pela noiva (ela é uma antiga colega de escola dele), uma mãe do noivo toda deslumbrada, um músico grosseirão e inconveniente (magistralmente interpretado por Gilles Lellouche), um garçom que não sabe cortar robalo (na verdade, ele nem sabe que um robalo é um peixe), dois paquistaneses que riem das situações mais constrangedoras (até porque não sabem falar francês direito) e outros casos.

Um vocalista muito inconveniente…

Assim, se você está com vontade de curtir uma boa comédia de dois competentes diretores e roteiristas do cinema francês atual, não deixe de ver “Assim é a Vida”. Embora haja no elenco poucos nomes conhecidos pelo público brasileiro de atores, todos eles trabalharam muito bem, não deixando o ritmo do filme cair e provocando muitos risos no espectador. Vale a pena dar uma conferida nessa boa película francesa.

Batata Movies – 15h:17 Trem Para Paris. Uma História Real Um Tanto Morna.

Cartaz do Filme

Clint Eastwood está de volta em seu novo filme “15h:17 Trem Para Paris”. Temos aqui mais uma película inspirada numa história real. Mais um filme de qualidade dirigido por  Eastwood. Só que temos uma história principal meio que morninha, apesar de heroica. Toda a vez que a gente pensa em algo heroico (o trailer dizia que o filme era inspirado numa história real com heróis reais), a gente acha que algo de muito espetacular vai passar nas telonas. Mas nem sempre a vida imita a arte.

Um herói real…

Bom, temos aqui a história de três amigos de infância, Anthony Sadler, Alek Skarlatos e Spencer Stone (interpretados por eles mesmos, os tais “heróis reais”), cujas trajetórias foram um tanto tortuosas, sobretudo na infância. Crianças problema e mimados pelas mães, os garotos não conseguiam se adaptar a nada, mas pelo menos dois deles alçavam a carreira militar e enveredaram por esse caminho. O filme mostra a trajetória de nossos protagonistas até o momento em que eles decidem viajar pela Europa juntos e, no tal trem para Paris, testemunham uma tentativa de atentado terrorista. E aí, não posso dar mais detalhes para evitar os spoilers.

Uma viagem, com outro herói…

Devo dizer que o filme é dividido em algumas partes: a infância dos protagonistas, a vida adulta deles e a viagem em si. E, de todas essas partes, a mais instigante é justamente a da infância, onde os meninos não se enquadravam. O filme dá a entender que houve uma educação meio frouxa das mães e de que a escola foi negligente com os meninos, no sentido de que apenas praticavam punições com qualquer indiferença com relação aos alunos. E, se dessem um problema mais sério, recomendavam às mães coisas desde medicações até a expulsão sumária. E as mães sempre discordavam da fala da escola, deixando os meninos meio largados.

Um terceiro herói, entediado…

Sei não, mas essa pareceu mais uma versão dos protagonistas, pois a coisa pareceu plana e simplória demais, tanto da parte das mães como da parte da escola. Como vimos a trajetória dos alunos em mais de uma escola, fica um pouco difícil avaliar que o comportamento das duas tenha sido tão uniforme assim. De qualquer maneira, é interessante ver em que ambiente os meninos se formavam, onde o militarismo e a paixão às armas era algo considerado supernormal, e o coleguinha podia manusear rifles, fuzis e pistolas livremente na casa do amigo. Do jeito que isso foi mostrado, pareceu que evocou um tom de crítica a essa visão bélica daquela sociedade americana. Mas, ainda assim, o filme levou essa história num tom muito normal, até porque depois tal belicismo infanto-juvenil não foi mais recordado, mesmo que a carreira militar tenha sido mais enfocada. Nosso senso comum diz que tal cultura bélica americana é um celeiro de psicopatas que dizimam pessoas em shoppings, supermercados, escolas e universidades. Mas depois da infância, todos levaram uma vida normal, sem qualquer paranoia adicional. Ou seja, brinca-se com armas o tempo todo nos Estados Unidos, mas psicopatas somente são uma exceção. Dá para acreditar nisso? Difícil de dizer.

Mas aí, surge o terrorista!!!

Pelo menos, essa foi uma história de redenção de um de nossos protagonistas. Spencer Stone, o personagem no qual o filme foi focado, era tido como o garoto problema por excelência e tomou um tremendo puxão de orelha da mãe numa de suas estripulias. Arrependido, o menino reza à beira da cama a Oração a São Francisco (como todo bom cristão católico) implorando a Deus para ser um instrumento da paz divina. E. alguns anos depois, o menino teve a sua chance. O mais engraçado é que tal oração ficou famosa aqui no Brasil como exemplo de clientelismo e corrupção há alguns anos (sobretudo a parte do “… é dando que se recebe…”).

Eastwood e os “heróis reais”…

No mais, o filme teve uma pegada pouco estimulante, talvez pelo fato da história ser focada mesmo no episódio do trem. O problema é que a gente compara esse filme com outras películas dirigidas por Eastwood, que muitas vezes se inspiraram em histórias reais muito fantásticas ou que tiveram roteiros muito bem escritos. E aí a gente acha esse filme um pouco menos interessante e até enfadonho em alguns momentos.

Nosso estimado diretor fazendo o filme com seus personagens reais…

De qualquer forma, sempre vale a pena ver o trabalho desse diretor que se revelou um diretor de mão cheia com os anos, fazendo algo um pouco mais convencional e menos espetacular. Vá, mas não espere o padrão dos filmes anteriores.

Batata Movies – Cora Coralina, Todas As Vidas. Uma Trajetória Magistral.

                   Cartaz do Filme

Mais um bom documentário brasileiro. “Cora Coralina, Todas as Vidas”, busca descrever com riqueza de detalhes a trajetória dessa grande figura brasileira e, sobretudo, goiana. Uma mulher nascida no fim do século retrasado, que teve uma vida relativamente simples, mas não menos emocionante. Uma mulher de letras, que se informava lendo tudo o que podia, algo que a transformou numa escritora simplesmente magistral. Classificada como poetisa, seus escritos eram altamente descritivos, o que fazem os especialistas da área tomá-la como uma transição entre a prosa e a poesia, entre o épico e o lírico.

Uma poetisa muito importante da literatura brasileira…

O diretor Renato Barbieri conseguiu conduzir o filme de uma forma maravilhosa, onde ele, assim como a escritora, mescla gêneros. Se a gente tem a parte documentário do filme, com entrevistas de especialistas e até de filhos da poetisa, por outro lado, temos uma cara de filme de enredo, pois a personagem Cora é interpretada por várias atrizes como Tereza Seiblitz e Walderez de Barros, sendo essa parte tomada por grandes momentos de sensibilidade e beleza. O documentário e o filme de ficção dão as mãos na película para justamente traçar com muita eficiência a trajetória de Cora. Mas o documentário não fica apenas nesses dois pólos. Podemos testemunhar, também, figuras como Camila Màrdila, Beth Goulart e Zezé Motta declamando os textos da poetisa, com certeza a grande atração do filme, pois suas palavras conseguem descrever com precisão altamente racional tudo o que ela via e vivia, mas essa precisão é ornamentada por uma beleza toda singular do texto.

                                                            Tereza Seiblitz: uma Cora jovem

A descrição não é fria, ela sempre vem seguida de uma reflexão que toca emocionalmente a alma. Ainda, o filme traz como uma espécie de bônus imagens de arquivo com depoimentos da própria Cora Coralina sobre vários assuntos, indo desde coisas de sua vida pessoal (uma artista também em fazer doces de frutas que chegaram até ao Papa, no Vaticano), até reflexões mais básicas sobre a vida, como a importância de se fazer tudo (até arear uma panela) da melhor forma possível e com muito amor. Todos esses elementos interagem entre si e dão uma química poderosa a todo o filme, que se torna uma espécie de documento e testemunho dessa importante escritora brasileira muito celebrada, principalmente depois que Carlos Drummond de Andrade a descobre e escreve um artigo sobre ela em sua coluna de jornal e que não pode cair no esquecimento.

  Walderez de Barros interpreta Cora na terceira idade…

Assim, “Cora Coralina, Todas as Vidas” é um daqueles documentários fundamentais, sendo uma preciosa joia que deve ser preservada e guardada, pois fala da vida de uma pessoa com depoimentos e belas encenações. Um documentário que fala de uma figura ímpar da literatura, considerada por alguns a maior personalidade da História do Estado de Goiás. Um filme de cinema com “F” maiúsculo, que consegue transpirar afeto e emoção. Um programa imperdível.

Batata Movies – Antes Do Fim. A Vida Como Prisão?

                               Cartaz do Filme

O cineasta belga radicado no Brasil Jean Claude Bernardet, conhecido também por ser um estudioso do cinema brasileiro, com livros de sua autoria publicados sobre o assunto, chega em mais um filme para nós. “Antes do Fim”, dirigido por Cristiano Burlan é, acima de tudo, um filme que pensa a vida, ou a morte. Do alto de seus 81 anos, chega a hora em que o ser humano precisa fazer aquela pausa, aquele “fechado para balanço”, onde se olha para trás e para frente, buscando colocar as ideias em ordem e ver quais rumos o pouco tempo que resta deve tomar.

                                 Um casal num momento decisivo da vida…

E aí, nosso intrépido protagonista (interpretado por Bernardet) toma a decisão com muita serenidade: é melhor pôr logo um fim a tudo, saindo de cena bem, antes que as mazelas provocadas pelas doenças o coloquem numa existência lastimável pouco antes do inevitável. Para colocar seu plano em prática, ele contará com a ajuda de sua companheira de praticamente toda a vida (interpretada por Helena Ignez). Entretanto, a longevidade pode ser mesmo uma prisão? Não seria melhor aproveitar intensamente o tempo que resta para curtir toda a vida em sua plenitude? Essas são as questões que o filme coloca, da forma mais velada possível.

                                                                             O filme é arte pura…

E por que isso ocorre de forma tão velada? Porque a película de Burlan é arte pura, onde o narrativo tradicional ocupa um pequeno lugar em detrimento ao estético. Para começar, o filme é rodado em preto e branco, algo que já lhe ajuda a render uma linda fotografia. Em segundo lugar, há um quê bem performático, com sequências onde movimentos corporais altamente sensuais e sinuosos enchem a tela com toda uma delicadeza. O que mais impressiona é que a beleza dessa dança não fica em nada abalada pelos corpos já idosos dos atores. Em nossa mente preconceituosa com “os mais velhos”, um número de dança, a princípio, não pareceria “bonito” se feito por corpos mais idosos. A plasticidade do novo seria mais adequada à essa estética da dança. Bernardet e Ignez provam, de forma contundente, que tudo isso é uma tremenda falácia e conseguem trazer toda uma beleza às sequências onde o corpo se expressa.

O filme também tem um toque de humor, ao brincar com a própria morte, na sequência onde o casal vai comprar um caixão na funerária para o suicídio.  Aqui há uma homenagem ao cinema mudo e às comédias pastelão, com uma simulação de uma briga entre o personagem de Bernardet com o dono da funerária, num verdadeiro tom de deboche com o inevitável.

                                                                  A dança como plasticidade…

Esses dois pequenos exemplos são só uma amostra de como o filme, com sua narrativa fragmentada e com a arte bem coesa e a mil, consegue trabalhar a questão da vida, da morte e da passagem do tempo. Definitivamente, um tema para se refletir, já que, cedo ou tarde, todos nós estaremos em tal encruzilhada. Tal filme é um bom exemplo e referência para lançarmos mão quando chegarmos ao ponto de nossas vidas em que faremos tal avaliação. Mais uma vez, o cinema mostra que o melhor filme é aquele que te faz pensar. Apesar de se algo pouco convencional, o que pode causar um certo estranhamento quando se começa a ver, “Antes do Fim” merece uma conferida, não somente por tratar de temas tão universais quanto a vida e a morte quanto pela simpatia do casal que dá uma careta para a velhice e ainda brinca com a vida.

Batata Antiqualhas – Spock e Leonard. Dualidade que se Completa (Parte 18)

                                 Jornada nas Estrelas 5. Botas voadoras…

As conversas sobre o quinto filme de “Jornada nas Estrelas” surgiram ainda durante as filmagens de “A Volta Para Casa”, quando Shatner confidenciou a Nimoy que queria dirigir o próximo longa. Nimoy o encorajou a fazer isso, principalmente enquanto todos estivessem empolgados com os sucessos dos longas de “Jornada nas Estrelas”. Mas o processo de produção do filme foi tumultuado. As negociações com a Paramount não foram assim tão triviais e houve uma greve do sindicato dos roteiristas para complicar as coisas. A história também não ajudava: um grupo de fanáticos religiosos sequestrando a Enterprise para se encontrar com Deus. Nimoy disse a Shatner que o público não ia engolir esse tal encontro com Deus, além dele ser comparado com “The God Thing”, que foi a primeira sugestão de Roddenberry para “Jornada nas Estrelas, o Filme”, totalmente descartada pela Paramount. Mas Shatner só falava para Nimoy  confiar nele que as coisas dariam certo. Depois de muita insistência, Shatner foi convencido que seria mais aceitável uma história em que a Enterprise se encontrava com um alienígena que dizia ser Deus, ao invés de se encontrar com Deus em pessoa. A greve dos roteiristas adiou o início da confecção do projeto em quase um ano. Nicholas Meyer não estava disponível e o roteiro ficou a cargo de Bennett e David Loughery (que escrevera o roteiro de “Flashdance”). Nimoy não gostou nem um pouco do esboço do roteiro, onde a tripulação da Enterprise (inclusive Spock), trai Kirk e apoia o líder religioso que sequestra a nave, o tal do irmão desaparecido de Spock, Sybok. A questão da traição de Spock e McCoy mais a falta de uma função específica para Spock na história quase fizeram com que Nimoy desistisse do projeto. A cena da “dor” de Spock revelada (o desprezo do pai por ele parecer humano no dia de seu nascimento) também inquietou Nimoy. O roteiro foi reescrito. Spock não trai Kirk, mas também não consegue atirar em Sybok no momento certo. Não foi uma solução que agradou Nimoy de todo. Já a cena do nascimento de Spock foi mantida sem alterações, para desgosto ainda maior do nosso ator.

                                              Sybok, o irmão de Spock…

O filme foi um fracasso de bilheteria e Nimoy atribui a culpa disso principalmente ao fraco roteiro, isentando Shatner de qualquer culpa no que se refere à direção pois, como diretor, Nimoy tinha plena consciência de todas as dificuldades e prazos envolvidos a que um diretor está submetido.

                                               Um Deus de araque…

As filmagens tiveram algumas cenas de ação que incluíam um voo de cabeça para baixo de Spock com um par de botas antigravitacionais. Os cavalos, tão amados por Shatner, também não faltaram. As filmagens terminaram em dezembro de 1988.

                          Spock não consegue atirar em seu irmão…

Em 1989, outro projeto interessante foi oferecido a Nimoy, sobre a história de um judeu húngaro, Mel Mermelstein, que sobreviveu a Auschwitz e lá perdeu toda a sua família. O pai, antes de morrer, o fez jurar que, caso Mel sobrevivesse, ele diria ao mundo todo o sofrimento e crime que os judeus passaram no campo de concentração e não puderam falar porque morreram. Mel migrou para os Estados Unidos e fez sua vida, iniciando negócios próprios, casando-se e tendo filhos. Mas ele não se esqueceu da promessa feita ao pai e inaugurou um museu do holocausto, além de fazer palestras em escolas se lembrando de sua própria experiência em Auschwitz.

                                               Em “Never Forget”

Um dia, Mel recebeu uma carta de um grupo chamado Instituto de Revisão Histórica, oferecendo-o cinquenta mil dólares se ele provasse que os judeus morreram nos campos de concentração por obra dos alemães. Eles defendiam a ideia de que os nazistas não haviam matado os judeus e que eram os judeus que morriam por causa do tifo e não de câmaras de gás, que eles chamavam de “salas para tirar piolhos”. Mel levou a carta para organizações judaicas que o aconselharam a simplesmente ignorar o tal desafio que era, na verdade, de um grupo neonazista que queria ridicularizá-lo. Mas Mel queria ir adiante com a coisa e pensou em processar o tal Instituto. Ao consultar um advogado, ele ficou sabendo que não tinha como fazer isso. Entretanto, um procurador, Bill Cox, alegou que o oferecimento de cinquenta mil dólares pela prova de que os nazistas mataram os judeus configurava um contrato. Caso Mel aceitasse, os neonazistas teriam que dar uma resposta em trinta dias, e se não fizessem isso Mel poderia alegar quebra de contrato e exigir na justiça o reconhecimento da existência do holocausto. Tudo aconteceu como foi descrito e Mel conseguiu que uma corte norte-americana reconhecesse a existência do holocausto, honrando a promessa feita a seu pai, não sem sofrer muitas ameaças dos neonazistas. Nimoy ficou encantado com a história e uniu forças para produzir “Never Forget”, onde ele interpretaria o papel de Mel e o próprio faria participações especiais com sua filha. Foi um projeto do qual Nimoy muito se orgulhou de fazer, embora ele lembre que muitos grupos neonazistas ainda divulgassem em textos na época a história da alta mortalidade de judeus por epidemias de tifo, como se os nazistas não tivessem praticado o genocídio, e tais textos chegavam até a circular em bibliotecas de universidades americanas.

No próximo artigo, vamos falar de “Jornada nas Estrelas 6, A Terra Desconhecida”. Até lá!

                                    Mel Mermelstein no tribunal…