Esse é um típico episódio de quebra da Primeira Diretriz, como foi dito acima. Curiosamente, ela nem é citada em todo o desenrolar do episódio. Sua única lembrança é o questionamento de Kirk (justamente ele, acusado de violar a Primeira Diretriz seguidas vezes) contra as ordens do Embaixador Fox de se aproximar de Eminiar VII mesmo com uma mensagem do planeta proibindo estritamente essa aproximação. No mais, quando a Enterprise é posta em perigo, até Kirk chuta a Primeira Diretriz para escanteio, usando a típica “diplomacia de cowboy”, que Spock mencionará décadas mais tarde no episódio “Unification” de Nova Geração. E aí, tome aquelas brigas tacanhas que a gente vê na série clássica, e que não eram exclusividade dela na década de 60 (eu assistia a “Viagem Ao Fundo Do Mar” quando era criança e a gente via uma coisa parecida por lá). De qualquer forma, elas sempre são muito bem vindas por serem extremamente divertidas.
Uma coisa que chama muito a atenção é a definição de guerra com a qual o episódio trabalha, onde ela é vista como uma coisa selvagem, bárbara e destrutiva, não podendo durar muito tempo, e obrigando as partes em conflito a estabelecer negociações. Com a visão de “Guerra Limpa” de Eminiar VII, o conflito passou a se arrastar por 500 anos, mas não houve destruição da civilização e da cultura, desde que a cota de mortos fosse cumprida. Caso não houvesse essa autoimolação, o acordo seria violado e os horrores da guerra voltariam. Assim, Kirk, num risco calculado, toma a posição do “bárbaro” (ao seu melhor estilo de chutar o pau da barraca) e faz de tudo para que os dois planetas mergulhem numa guerra de verdade. Ele acredita que, em tal situação, as partes em litígio preferirão discutir a paz. Mas será que isso mesmo vai acontecer? Assim, a grande moral da história é “não deixe para amanhã o que você pode fazer hoje” ou, em algo mais próximo à nossa cultura, “vamos parar de empurrar os problemas com a barriga”.
O episódio tem uma tiradas inesquecíveis, como as de Spock. Primeiro, o Vulcano, dentro da prisão, usa sua sonda mental para sugestionar à distância o guarda do lado de fora. Mais uma vez vemos Nimoy com seu gestual lento e calculado, usando magnificamente a ponta dos dedos contra a porta e a parede, de uma forma muito suave. Num segundo momento, ele fala para um guarda do planeta que há uma criatura artrópode em seu ombro. Quando o coitado olha para seu corpo, Spock mete a sua mãozona com contornos de aranha no ombro do guarda, provocando o desmaio. Há, ainda, um terceiro momento, onde Spock dizia que entendia as atitudes de Eminiar VII e Vendikar, mas que não concordava com isso (ou seja, entender nem sempre significa concordar). O diálogo do final do episódio, onde havia a reflexão de tudo o que havia acontecido, foi genial. Ao Spock ficar impressionado com o risco que Kirk assumiu, ele disse ao seu capitão: “O senhor quase me fez acreditar em sorte”, ao que Kirk retrucou “E o senhor quase me fez acreditar em milagres”, reconhecendo a contribuição de Spock na crise, mas também não perdendo a oportunidade de dar uma zoadinha em seu lógico Primeiro Oficial.
Outro detalhe curioso foi a figura do Embaixador Fox. Tomado na maioria do episódio como uma espécie de idiota que não conseguia enxergar as artimanhas dos habitantes de Eminiar VII, sendo um peixe fora d’água em situações de guerra e de crise extrema, o Embaixador se revelou extremamente útil ao fim do episódio, quando ofereceu seus serviços para estabelecer relações diplomáticas e de paz entre os planetas litigantes. Ou seja, o episódio acabou tendo uma diplomacia de cowboy, ma non troppo.
Assim, “Um Gosto de Armageddon” é um típico episódio de Jornada nas Estrelas, a Série Clássica. Uma inteligente reflexão, acima de tudo, chutes na Primeira Diretriz, Kirk sendo Kirk (mas também Kirk sendo hippie ao defender a paz), lutas tacanhas e Spock tocando o horror com seus dedos longilíneos e delgados, tudo isso regado a uma boa dose de humor muito inteligente. Como amo essa série!