Os tesouros estão de volta!!!
Mês: abril 2018
Batata Literária – Cicatrizes
São marcas
Mais conhecidas na pele
Mas que também são da alma
E ficam a vida inteira
Umas curam
Mas outras não
Elas sangram, sangram, sangram
Você se esvai nelas
As cicatrizes te mudam
Você nunca mais é o mesmo
Tornam-te mais experiente
Você aprende com o sofrimento
Torna-te mais arredio
Mais amargo
Menos otimista
Mais pessimista
As cicatrizes doem
Coçam, te incomodam
Você vive com elas
E elas sempre te lembram que existem
São uma coceira que você não pode coçar
Uma dor que não pode diminuir
Elas te envenenam
Elas te subjugam
Pelo menos, todos têm cicatrizes
Cada um carrega sua dor
Isso é que dá a chance
De nós respeitarmos a dor do outro
Montar os alicerces da vida
Usando como base as fundações da tristeza
Fundações fortes e cada vez mais fortes
Se fizermos da tristeza uma lição para a vida
Batata Antiqualhas – Spock e Leonard. Dualidade que se Completa (Parte 21)
Após o sexto filme, mais uma vez ficou uma sensação de encerramento de “Jornada nas Estrelas” por Nimoy. Mas ele foi convidado a participar do sétimo filme, onde Kirk morreria. Ao ler o roteiro, Nimoy percebeu que Spock apenas teria uma aparição rápida, sem qualquer função na história. Ao discutir isso com o produtor Rick Berman, ele simplesmente alegou que não tinha tempo para mexer no roteiro. Nimoy, então, declinou do convite. De Forest Kelley se recusou a trabalhar no filme, pois Nimoy não trabalharia. E o intérprete do Dr. McCoy ainda falou que teve uma boa despedida em “Jornada nas Estrelas 6”. Para que estragar isso?
Nimoy não se arrependeu de sua decisão, desejou boa sorte à sua equipe de produção e seguiu sua vida adiante. Participou de mais séries de tv, interpretando e dirigindo. Nimoy também fez incursões na fotografia (onde fez um belo ensaio fotográfico feminino inspirado em “Shekkinah”, a versão feminina de Deus na tradição judaica) e na poesia. Nimoy manteve uma vida muito ativa e produtiva.
Em 2009, foi chamado para novamente interpretar Spock na versão de J.J. Abrams de “Jornada nas Estrelas”, agora na figura de um embaixador, como seu pai o fora (na verdade, Spock já tinha sido embaixador no episódio “Unifcação”). Em abril de 2010, Nimoy anunciou que não faria mais o papel de Spock, passando o bastão para Zachary Quinto. Nimoy ainda participou com sua voz em alguns filmes, como “Transformers”, documentários científicos, séries de tv como “The Big Bang Theory”, onde ele dá voz a um “action figure” de Spock e até jogos de vídeo game. Nimoy ainda faria uma derradeira interpretação de Spock, numa rápida participação em “Jornada nas Estrelas, Além da Escuridão”, de J. J. Abrams. Em fevereiro de 2014, foi diagnosticada sua doença pulmonar obstrutiva crônica, provocada pelo cigarro. Depois disso, ele se internou em hospitais várias vezes, até se internar definitivamente, no dia 19 de fevereiro de 2015, no UCLA Medical Center, para aliviar suas dores.
Leonard Nimoy morreu no dia 27 de fevereiro de 2015, com a idade de 83 anos, em sua casa, de nome Bel Air. Seu corpo foi cremado a 1 de março, com a presença de trezentas pessoas, dentre elas, seus familiares, colegas da série clássica, as filhas de Shatner, J. J. Abrams, Zachary Quinto e Chris Pine. Ele deixou esposa, dois filhos, seis netos, um bisneto e seu irmão Melvin.
E assim, chegamos à fronteira final. Quero só me desculpar a todos os leitores por ter escrito todo esse monte de artigos sobre Leonard Nimoy e Spock. Mas houve alguns motivos para isso. Um motivo foi o fato de que quis mostrar que Leonard Nimoy era um artista muito talentoso, não ficando restrito a somente o papel do vulcano Spock. Ele aceitou vários desafios em sua carreira, como por exemplo, sua carreira no teatro, na tv e no cinema, seja como ator, seja como diretor.
Sua preocupação com a cultura judaica, da qual faz parte, é outro elemento marcante de sua versatilidade como artista, isso sem falar de suas incursões na fotografia e na poesia. Em segundo lugar, aqui é um espaço para se escrever sobre aquilo que se gosta. E, confesso que gosto muito desse personagem vulcano de orelhas pontudas. E tenho certeza que ainda há muita gente por aí que gosta dele, dentre as gerações mais antigas. Essa coluna é chamada de Batata Antiqualhas justamente para falar de cultura pop-nerd mais antiga, para os mais velhos matarem a saudade e os mais novos a conhecerem um pouco melhor. Impossível não falar da morte de Nimoy nestas circunstâncias. Fui até convidado para uma palestra organizada pelo hoje extinto site Abacaxi Voador para isso. Mas aí, soube da morte de minha mãe na hora em que ia para o evento. E toda a pesquisa tinha ido por água abaixo. Eu tive duas fortes dores num intervalo de três semanas. E aí, decidi expurgá-las escrevendo. Como uma espécie de “articulista” de “Jornada nas Estrelas” no Abacaxi, não poderia deixar que essa pesquisa fosse em vão. E aí vieram os artigos, sobre um personagem com o qual todos nós nos identificamos. Spock é o “outsider” que é mal compreendido e sofre perseguições e preconceitos, aquele que tem sentimentos mas deve escondê-los para não se tornar vulnerável, tem suas contradições e dramas internos, a necessidade de pensar de forma mais serena e racional para escapar das más situações. Ora bolas, quem nunca passou por uma dessas situações na vida? Spock não é apenas um personagem de uma série de ficção científica de tv, mas um verdadeiro espelho da condição humana. Daí a sua universalidade e popularidade. Sua seriedade, humor, cinismo, alegrias e tristezas jamais serão esquecidos e residem em nossos corações para todo o sempre, nos ajudando a encarar esse mundo cada vez mais difícil de se viver, onde a desumanidade simplesmente impera. E, segundo seu amigo Kirk, durante o funeral de Spock em “A Ira de Khan”, “…de todas as almas que eu conheci a de meu amigo foi a mais… humana”. Shatner dizia isso com a voz visivelmente embargada sentindo a morte do personagem de forma bem sincera. Esse é o sentimento que os fãs de “Jornada nas Estrelas” ainda possuem, mesmo três anos depois da morte de Leonard Nimoy. Mas fica o legado de Spock. Esse sim, nunca morre. É só colocar o DVD no aparelho e ele está lá de volta, com todos os seus ensinamentos para nossas vidas, o que alivia um pouco a dor provocada pela ausência física. Peço mais uma vez desculpas em terminar essas linhas da forma mais óbvia, mas esse é o principal ensinamento desse personagem tão marcante e importante, sendo uma eterna mensagem otimista (e precisamos de muito otimismo hoje em dia): “Vida longa e próspera!”.
Batata Movies – Imagens do Estado Novo 1937-1945. O Passado Materializado.
O diretor Eduardo Escorel traz par nós um documentário realizado no já longínquo ano de 2016. “Imagens do Estado Novo 1937-1945” é um importante documento e fonte histórica de nosso país, pois traz, na materialidade de suas imagens, muito do que aconteceu no período de nossa História que ficou conhecido como “Ditadura do Estado Novo”. Vindo desde a Revolução de 1930 e chegando até ao suicídio de Vargas, o documentário não deixou de ser fiel ao seu recorte, enfatizando mais o período 1937-1945. Além de muito material oficial do governo e do Departamento de Imprensa e Propaganda (DIP), temos imagens também de particulares e de filmes como “O Descobrimento do Brasil”, de Humberto Mauro. Todas essas imagens são cimentadas e significadas por uma narração que tem a sua visão e interpretação dos fatos, que nem sempre pode agradar a gregos e troianos. De qualquer forma, sabemos que a História possui múltiplas interpretações do passado e que todas essas interpretações têm um local de fala, ou seja, não são neutras ideologicamente, como nada o é (até a suposta postura de ser neutro ideologicamente é uma postura ideológica). Como professor de História, consegui identificar vários elementos factuais que são trabalhados em sala de aula como, por exemplo, o Plano Cohen, que foi um complô orquestrado pelo governo ao denunciar uma suposta tentativa comunista de golpe, totalmente falsa, para justificar um golpe de estado dado pelo próprio Vargas para se perpetuar no poder.
Vimos, também, a campanha queremista, onde era pedida uma Assembleia Constituinte e a permanência de Vargas no poder. Ou então as pressões militares para que Vargas saísse do governo após a Segunda Guerra Mundial. Mas o grande trunfo é que os filmes também mostram o cotidiano daqueles fatos, que eram cimentados por muitos eventos de curta duração praticamente despercebidos hoje, como um acidente de carro que manteve Vargas no hospital por alguns meses, fazendo com que sua ausência deteriorasse sua posição política num momento decisivo. Ou as visitas de Roosevelt ao Brasil nas tentativas de dissuadir o Estado Novo a continuar namorando com o Eixo.
Ou ainda, imagens (coloridas) dos eventos cívicos dos quais Vargas participava no Estádio de São Januário. Imagens de pessoas influentes do governo como Osvaldo Aranha ou Gustavo Capanema, também se faziam presentes. Toda essa materialidade de imagens trazem aqueles distantes dias até nós de uma forma muito vívida e ajudam a gente a compreender melhor todo o contexto daquela época, mesmo que sejam imagens lidas por uma versão ideologizada.
Aliás, essa é a grande questão colocada ao início da película: será que é possível fazer uma reconstrução histórica do período com um acervo de imagens? Nesse caso foi possível, mesmo que essa seja apenas uma das leituras possíveis de passado que podemos assumir. As imagens têm um peso tão determinante nesse documentário que ele tem a duração de 227 minutos, ou seja, quase quatro horas de duração, sendo o filme dividido em duas partes com um intervalinho de dez minutos. Até a exibição do filme se processa como antigamente.
Assim, “Imagens do Estado Novo 1937-1945” é uma grande relíquia de nosso cinema e uma espécie de material obrigatório para historiadores. Acima de um filme, esse documentário pode ser considerado uma verdadeira fonte histórica, pela força de suas imagens e pela leitura delas. Programa imperdível, sendo aquele tipo de filmes que já falamos aqui um monte de vezes, ou seja, aquele filme para ver, ter e guardar.