Imagine você testemunhar Nicolas Cage e Willem Dafoe trabalhando juntos. Para o primeiro, é uma boa oportunidade, depois do baque que ele sofreu em sua carreira (a gente tem visto o ator aparecendo até de forma muito obscura como coadjuvante de luxo em alguns filmes por aí). Já para o segundo, é mais uma película de sua boa e muito prolífica carreira. Mas, para um enorme azar de Cage, a coisa não deu muito certo. E olha que o filme foi dirigido por Paul Schrader, responsável por roteiros como “Taxi Driver” e “Touro Indomável”.
Vemos aqui a história de três ex-presidiários, Troy (interpretado por Cage), Mad Dog (interpretado por Dafoe) e Diesel (interpretado por Christopher Matthew Cook). A ideia inicial do trio é retomar uma vida normal longe da criminalidade. Mas a verdade é que, em nenhum momento, eles saem do submundo. Troy quer levar uma prostituta para passear em Nice, mas a moça declina do convite. Mad Dog está tão ensandecido em sua ânsia de matar que ele nem consegue, digamos, relaxar. E Diesel até tenta engatar uma conversa com uma moça que não pertence ao submundo, mas é também um tanto perturbado e não consegue. O que resta aos três? A velha vida de crimes e trabalhos sujos que vão lhes render um parco dinheiro. Mas como é dito por aí, o crime não compensa. E então…
O filme tem influências. Tarantino é uma delas, embora a coisa pareça um decalque mal feito, pois Tarantino consegue combinar com maestria grandes paroxismos de violência com um humor negro escrachado. Já “Cães Selvagens” têm uma violência explícita e é só, violência essa onde os personagens usam e abusam da maldade contra inocentes, não despertando qualquer simpatia do público, muito pelo contrário. A gente quer o tempo todo que os caras se ferrem de verde e amarelo, tamanhas as atrocidades psicóticas que eles cometem. Esse filme lembra, também, e guardadas as suas devidas proporções, a película de Fritz Lang “Vive-se Só Uma Vez”, estrelada por Henry Fonda e Sylvia Sidney, onde um ex-presidiário (interpretado por Fonda) busca recomeçar a sua vida com a namorada (interpretada por Sidney), mas a marca de criminoso na vida do personagem de Fonda criou uma barreira entre o protagonista e a sociedade, dando um desfecho trágico ao casal. Aqui a temática do ex-preso que não consegue se ressocializar por preconceito é repetida, mas explorada de forma muito mais pobre que no filme de Lang, já que os três personagens protagonistas praticamente não saem da vida marginal quando fora da cadeia. E isso para vermos num momento mais à frente da película o pensamento de Cage resmungando que ex-criminosos não tinham uma chance de recuperação na sociedade. Pelo menos, o desespero do personagem de Dafoe (e sua ótima atuação, obviamente), que queria sair de sua bolha psicótica e ser uma pessoa normal, foi algo bem mais sincero, mas muito efêmero. Ou seja, o tema da falta de oportunidade de ex-presidiários era uma boa ideia que poderia ter sido bem mais explorada.
Apesar dos problemas da película, houve uma grande qualidade nela, que foi toda uma gama de efeitos visuais que ilustravam o barato de nossos protagonistas quando eles estavam doidões e se afogavam nas drogas. O uso do CGI na criação de imagens totalmente artificiais deu toda uma plasticidade especial à materialidade visual do filme, tornando-o mais atraente (ou menos repulsivo).
Assim, “Cães Selvagens”, apesar das boas influências, não rendeu um bom resultado, pois aproveitou mal as ideias a que se propôs, teve um roteiro um tanto truncado e até mal explicado em algumas passagens, além de criar um clima de antipatia entre público e personagem. Esse último fator até é um pouco mais original, mas tem o efeito colateral de deixar o final da película altamente previsível. Como ponto a favor, bons efeitos visuais que deram plasticidade às alucinações por vício às drogas. E mais um filme mediano de Nicolas Cage, cuja carreira não consegue deslanchar novamente. Você pode até procurá-lo por aí para ver, mas não espere muito.