Um excelente filme brasileiro em nossas telonas. “Paraíso Perdido”, escrito e dirigido por Mônica Gardenberg, é, acima de tudo, um filme família. Mas engana-se quem acha que essa classificação indique algo mais tradicional ou conservador. Temos aqui uma lição de muito amor e de tolerância com o próximo, o que torna a película altamente deliciosa. Vamos falar um pouquinho dessa pequena joia de nosso cinema, lembrando sempre que a gente vai usar um pouquinho de spoilers aqui.
A história se passa numa casa noturna de nome Paraíso Perdido, administrada por José (interpretado por ninguém mais, ninguém menos que o “tremendão” Erasmo Carlos) e onde temos várias atrações musicais que cantam aquilo que alguns chamariam de música brega hoje em dia, mas que já foi bem chique no passado. E tome um Reginaldo Rossi, Paulo Sérgio e companhia. José acaba sendo o patriarca de uma família que o ajuda a manter a casa e cujos membros são as atrações. Há, também, um amigo da família, Teylor (magistralmente interpretado por Seu Jorge), que é parado numa blitz pelo policial Odair (interpretado por Lee Taylor). Teylor convida Odair para visitar a casa. E aí, o policial será contratado por José para cuidar de seu neto, o transformista Imã (interpretado por Jaloo), perseguido frequentemente por homofóbicos. A casa ainda conta com a presença de Ângelo (interpretado por Júlio Andrade). Mas a família é bem maior que isso e está altamente entrelaçada, onde descobrimos um relacionamento novo a cada instante, podendo ser mais tradicional ou mais, digamos, moderno, com direito a relações homossexuais e bissexuais, tudo encarado dentro da maior normalidade, pois é uma família muito unida que se ama de verdade. E a entrada de Odair nesse círculo restrito somente aumentará a gama de relacionamentos.
A função da casa noturna Paraíso Perdido aqui é apenas servir como uma espécie de pano de fundo para a apresentação da família em si. Já o repertório musical meio brega para os padrões atuais serve como um cimento para as emoções dilatadas de seus personagens. De qualquer forma, a película prende a atenção do espectador de jeito bem marcante e provoca uma empatia imediata do público com os personagens. O elenco também ajuda nas interpretações para lá de sinceras. Seu Jorge estava simplesmente espetacular, roubando a cena nos momentos em que aparecia. Foi emocionante o seu diálogo com Erasmo Carlos, onde atores e personagens lá se misturavam. O tremendão, por sua vez, até por não ser ator profissional, pode até ter derrapado na atuação em alguns momentos, mas a sua entrega ao papel e toda a emoção que ele colocou em seu personagem José compensaram qualquer deficiência. Ele foi absolutamente cativante. Outras atrizes também colaboraram muito com o filme: Marjorie Estiano fazendo um papel mais periférico, Malu Galli como a mãe surda de Odair e Hermila Guedes, como Eva, uma filha de José que estava na prisão. E não podemos nos esquecer da deslumbrante Julia Konrad, no papel de Celeste. Todos esses atores farão membros dessa grande família cujos relacionamentos são altamente intrincados.
Uma curiosidade marcante. Tanto Celeste quanto Imã se comunicam por sinais de surdos-mudos, mesmo sendo do ofício de cantores. Isso causa uma afinidade imediata de Odair com eles, que também se comunica com a sua mãe por linguagem de sinais.
Apesar do ambiente um tanto idílico dessa família, o mundo real também é representado e espreita sorrateiramente nossos personagens. Mesmo com todo o clima de tolerância presente no núcleo fechado da família, a intolerância e os homofóbicos estão ali fora, esperando o primeiro vacilo de nossos protagonistas. Ainda, se nossos personagens eram estrelas da noite no Paraíso Perdido, a rotina diária era de pessoas comuns onde as víamos desempenhando seus trabalhos durante o dia. Esse choque de realidade quebra o clima idílico e de romance da película e foi bem vindo por provocar um pequeno contraste na narrativa.
Assim, “Paraíso Perdido” é um grande filme brasileiro que traz uma família altamente idílica e um exemplo de tolerância num ambiente considerado bem tradicional que é o familiar. Um filme que prioriza o humano em detrimento do preconceito. Um filme fundamental, terno e de muita qualidade de nosso cinema. Vale a pena dar uma conferida.