Batata Movies – O Desmonte Do Monte. Radiografando Uma Demolição.

Cartaz do Filme

Um interessante documentário brasileiro passou em nossas telonas. “O Desmonte do Monte”, de Sinai Sganzerla, faz uma análise meticulosa sobre a vida do núcleo fundador da cidade do Rio de Janeiro, o Morro do Castelo, ao longo do tempo. É um documentário bem didático e explicativo, fartamente documentado, com uma trilha sonora, digamos, peculiar.

Morro do Castelo. O núcleo urbano de povoamento mais antigo da cidade do Rio de Janeiro…

A narrativa começa ainda com os indígenas e toda a querela entre portugueses e franceses pela disputa da Baía de Guanabara. Após a vitória lusa e o extermínio de praticamente todos os tamoios, aliados dos franceses (os portugueses receberam a ajuda dos temiminós), o primeiro e efetivo núcleo de povoamento se deu no chamado Morro do Castelo. Era prática em Portugal colocar as cidades à beira mar em cima de morros, pois isso facilitava a segurança em caso de ataques vindos do mar. Tanto Rio de Janeiro, quanto Lisboa e Salvador tinham essa configuração. Lá, foi erguida em 1567 a primeira Igreja da cidade, sob o controle dos padres jesuítas da Companhia de Jesus que, por ter uma posição altamente estratégica na colônia (a catequese de índios para suprir as perdas na Europa de fiéis que o catolicismo sofria para as religiões reformadas) acumularam muito poder, o que desagradou à Coroa Portuguesa, que promoveu a expulsão dos Padres Jesuítas do Brasil. Séculos depois, o fato de a cidade estar espremida entre o mar e as montanhas fez com que os terrenos ultravalorizassem, e o Morro do Castelo acabou sendo uma vítima da especulação imobiliária, sofrendo o processo de desmonte. É importante também dizer que o desmonte de morros seguia uma política higienista altamente autoritária onde os ambientes considerados imundos (e onde estava a população pobre, mestiça e negra) eram responsáveis pelas doenças; esse argumento foi usado também para expulsar as pessoas pobres do centro da então capital federal, com a campanha “O Rio Civiliza-se”, levada a cabo pelo Presidente Rodrigues Alves e pelo prefeito Pereira Passos, conhecido como “O Bota Abaixo”, pois ele demolia casas e cortiços na calada da noite, onde a população mais pobre vivia, para que as pessoas não pudessem recorrer na justiça. Foi dessa forma que o digníssimo prefeito, junto com o desmonte do Morro do Castelo, abriu espaço para a Avenida Central (atual Avenida Rio Branco), embora ele não tenha ficado livre das convulsões sociais, pois foi nesse momento que surgiu a Revolta da Vacina, onde suas demolições foram apenas um dos motivos que levaram a tal revolta.

E começa a destruição…

É curioso também perceber, como o documentário atesta, que o imaginário popular, em virtude do poder dos jesuítas, ficou muito embebido na questão de que havia subterrâneos abaixo da Igreja do Morro do Castelo e um tesouro escondido estaria por lá. Com o desmonte, galerias subterrâneas foram encontradas, mas somente instrumentos de tortura foram achados. Uma tentativa de se fazer uma pesquisa arqueológica dessas galerias foi barrada por uma simples questão de vaidade das autoridades da época.

O processo de expulsão dos moradores e o desmonte também foi muito bem ilustrado no documentário, que lançou mão de fotos, reportagens de jornal, documentos e até de depoimentos gravados de antigos moradores. Tal documentação farta dá muita credibilidade ao que é exposto no filme.

O passado pouco a pouco se esvai…

Uma coisa que incomoda um pouco é a trilha sonora. Optou-se por colocar uma música meio setentona na abertura do filme, algo que parecia não ter muito a ver. Em alguns momentos onde se queria fazer um clima mais tenso com as imagens antigas, pintou até alguns trechos da trilha sonora de “Vertigo”, de Hitchcock. Mais ao final, para espelhar um pouco o clima melancólico dos moradores ante ao desmonte, apareceu um sambinha, aí sim tendo algo um pouco mais a ver com aquela realidade mostrada na tela. É claro que sempre se terá alguns problemas com a manipulação das fontes e a narração, como, por exemplo, o já clássico uso das pranchas de Debret (feitas no século XIX) para ilustrar um processo escravista ainda nos séculos XVI e XVII, ou então o uso de imagens coloridas do Rio de Janeiro, um pouco mais recentes do que a época que era mencionada na narração (os anos 20 do século XX). Entretanto, o cinema não tem qualquer compromisso com a realidade (o próprio princípio de funcionamento do cinema, a imagem em movimento, nasceu de um show de ilusões em parques de diversões) e podemos dizer que a pesquisa histórica do documentário foi muito boa. Tais descontinuidades entre as fontes históricas exibidas e a narrativa acontecem a todo momento em vários filmes. E não será isso aqui que comprometerá a qualidade do documentário.

O morro praticamente arrasado…

Assim, “O Desmonte do Monte” é um bom documentário que faz uma excelente investigação da destruição do Morro do Castelo, sendo inclusive, um ótimo material para ser usado em aulas de escolas e até de Universidades. E um prato cheio para o cinéfilo que curte um bom filme e ainda gosta de História. Programa imperdível.

 

Batata Séries – Jornada Nas Estrelas, Voyager (Temporada 5, Episódio 18) – Rumo Ao Esquecimento. Uma Cópia Mal Feita.

É a tripulação da Voyager ou não é???

Dando sequência às nossas análises de episódios de “Jornada nas Estrelas Voyager”, falemos hoje de “Rumo Ao Esquecimento” (“Course: Oblivion”), décimo oitavo episódio da quinta temporada. Esse episódio tem como característica principal o fato de ser continuação do episódio “Demônio”, da quarta temporada, e que já foi analisado aqui (inclusive, essa análise deu início à nossa Seção Batata Séries).

Mas, no que consiste a história de “Rumo Ao Esquecimento”? Vemos aqui o enlace matrimonial entre Tom Paris e B’Elanna Torres. Durante a cerimônia, percebemos que o arroz jogado no casal estranhamente passa pelo chão e cai nas partes inferiores da nave. Isso está acontecendo, pois há um processo de desintegração em nível molecular de tudo e todos que estão na nave, a partir do motor de dobra. Investigações mais detalhadas levarão à conclusão de que essa não é a Voyager original, mas sim a Voyager gerada a partir da espécie biomimética do planeta classe Demônio do episódio lá da quarta temporada. Foi descoberto que a deterioração era irreversível e a única esperança da tripulação era voltar ao planeta natal. Entretanto, a cópia da capitã Janeway insistia em levar a nave para o planeta Terra, tal como faria a Janeway original. Somente depois de muitas mortes da tripulação e uma tentativa fracassada de colonizar outro planeta classe Demônio, Janeway se convenceu de que era necessário voltar ao planeta da espécie biomimética. O problema é que já era muito tarde e a Voyager biomimética acabou se destruindo, isso quando enviava um pedido de socorro à Voyager original, que casualmente passava pelas proximidades.

Um casamento…

Esse é um episódio angustiante, pois vimos o nascimento de uma nova espécie lá na quarta temporada e agora vemos o seu fim na quinta temporada. E, para piorar a situação, quando tudo parecia perdido, a Janeway biomimética ordenou a construção de uma cápsula do tempo, onde dados de sua espécie e seus feitos ficariam registrados para a posteridade. Entretanto, a Voyager biomimética não teve êxito em ejetar a cápsula do tempo e toda a informação dessa civilização se perdeu com a explosão da nave. Assim, tivemos uma dupla catástrofe: além da extinção total da espécie, sua história, identidade e cultura foram totalmente apagadas e riscadas do mapa. Isso fatalmente nos remete ao genocídio e etnocídio de indígenas na América, talvez o exemplo concreto que mais se aproxime da situação descrita no episódio, onde tribos inteiras e suas culturas foram simplesmente riscadas do mapa e nem tivemos a oportunidade de conhecê-las.

Tudo parecia ir às mil maravilhas…

Uma personagem chama muito a atenção nesse episódio: a Janeway biomimética. Isso acontece, pois a capitã não abre mão de retornar à Terra, além de seguir todas as prerrogativas da Federação, mesmo quando sabe que não é a Janeway original. Ou seja, na sua ânsia de cumprir seu papel mimético, ela coloca em risco a existência de toda a sua espécie, mesmo sob os apelos insistentes de Chakotay e Paris em retornar ao planeta classe Demônio. Assim, nossa capitã “de mentirinha” não vê as coisas com objetividade, saindo uma cópia mal feita da original, principalmente (e de forma muito paradoxal) quando tenta ser o mais fiel possível à capitã original.

Outro detalhe que chama a atenção é a maquiagem usada para simular o mal que acomete os tripulantes. Como se trata de algo que já tem uns vinte anos, é claro que a qualidade da coisa não está à altura da maquiagem e CGI de hoje, mas era nojento o suficiente para provocar alguma repugnância, embora também lembre o queijo derretido que a gente vê na pizza, só que meio esverdeado (argh!). Era muita pereba junta…

Doutor tem um desafio insolúvel…

O final do episódio se constitui na parte mais dolorosa. Aqui, a Voyager original, sem entender muito o que aconteceu, vê os destroços da Voyager biomimética, que falhou em sua tentativa de contactar a sua irmã original. Tal imagem dá uma baita sensação de impotência do nada que pode ser feito. E do fim de uma espécie que não deixará qualquer registro.

Assim, “Rumo Ao Esquecimento” é um episódio sem “happy end”, um episódio em que a sensação ruim da perda arrebata o trekker. E, pior de tudo, a sensação de que uma civilização e cultura foram simplesmente apagadas sem deixar qualquer vestígio, que desperta a sensação mais dolorosa de todas. Um episódio que novamente traz um convite à reflexão, a partir de seus aspectos mais dolorosos. Vale a pena assisti-lo de forma conjugada ao episódio da quarta temporada.

https://www.youtube.com/watch?v=bGrNsp1gupU

Batata Literária – Briga Na Feira

Olha a maçã!

Olha o salgadinho congelado para festas!

É isso aí, gente!

Se eu fosse cliente, ia ficar feliz de comprar na minha barraca!

Linda manhã de sábado!

Vou levar as couves para a praia!

O lote da manga é só cinco!

 

Pastel de que?

De pizza?

E um caldo?

Cê gosta, né, meu amor?

Olha lá o velhinho da sacola!

Andando para lá e para cá!

Agora, chegamos aos caminhões de peixes!

E as barracas de carnes e frangos!

 

As peças estão deliciosas!

Apesar das moscas varejeiras em cima!

Ih, cuidado! O caranguejo fugiu!

Vai morder o focinho do cachorro!

Mãe! Puxa o filho que já grita!

Sai dessa doida confusão!

Caramba! O pau quebra lá na frente!

Por que será?

 

É nas barracas de flores!

O vendedor de rosas derrubou um vaso!

Bem na cabeça do vendedor de lírios!

A cliente, uma macumbeira, sai correndo gritando!

Ela se escondeu no Mundo Verde

Xi! Agora a briga vai acabar!

O cara da Kombi de carnes veio com um facão!

E os corajosos das flores se acalmaram!

Batata Movies – Desobediência. Mais Uma Vez O Embate Entre Tradição E Modernidade.

Cartaz do Filme

Um curioso filme passou em nossas telonas. “Desobediência”, dirigido pelo chileno Sebastián Lelio, o mesmo do filme “Garota Fantástica”, premiado com o Oscar de Melhor Filme Estrangeiro esse ano, aborda um tema bem delicado, levantando polêmica novamente. Para que possamos entender toda a polêmica envolvida na película, vamos ter que lançar mão de alguns spoilers.

Voltando ao passado para velar o pai…

A história tem como protagonista Ronit (interpretada por Rachel Weisz), uma fotógrafa de origem judaica que, digamos, se desgarrou do rebanho. O problema é que o seu pai, o rabino da comunidade, morre, e a moça terá que retornar às suas origens. Lá, ela encontra Dovid (interpretado por Alessandro Nivola) e Esti (interpretada por Rachel McAdams), dois amigos de infância que ela descobre que acabaram se casando depois que ela foi embora. Ronit queria ter uma vida mais independente ao invés de manter a tradição de sua comunidade, que seria casar num matrimônio arranjado e ter muitos filhos. Já Esti rezou pela cartilha da tradição com Dovid, que inclusive foi cotado para substituir o rabino morto. O grande problema aqui é que Ronit e Esti tiveram um relacionamento homossexual no passado que agora volta com força total, abalando as estruturas e as tradições da comunidade judaica.

Três antigos amigos…

Esse é mais um filme que tem como tema principal o embate entre a tradição e a modernidade, desta vez vendo a primeira como algo opressor e retrógrado e a segunda como a vanguarda, a liberdade e a felicidade. Simples assim, de forma bem maniqueísta. Chama muito a atenção as tórridas cenas de sexo entre Weisz e McAdams, consideradas talvez um tanto ousadas para atores do cinema americano. Mas a ousadia meio que parou por aí.

Um casamento estável…

Esperava-se uma reação muito mais violenta da comunidade contra a paixão das personagens protagonistas. E o marido aceitou muito facilmente a situação. Creio que, se esses tópicos fossem mais trabalhados, teríamos um filme melhor. Do jeito que ficou, pareceu um drama um tanto sonolento de fácil resolução. E o filme tinha potencial para ser mais do que isso. Ou seja, escreveu-se uma história ousada o suficiente para se usar uma estrutura muito iconoclasta e, na hora de se usar tal estrutura em toda a sua plenitude, não se fez isso.

Relembrando as amizades do passado…

De qualquer forma, havia duas Rachel. A Weisz mostrou-se deslumbrante, apesar dos primeiros sinais da idade, e muito carismática, convencendo como a mulher moderna. Já McAdams posou bem como a perfeita casada, que transgride quando necessário para o desenvolvimento da história. Rolou uma química muito boa entre as duas.

As coisas vão ficar quentes…

Assim, podemos dizer que “Desobediência” foi um bom filme, embora tivesse potencial para ser melhor. Todo o terreno para o embate entre a tradição e a modernidade foi preparado, mas não se aproveitou totalmente tal terreno, o que foi uma pena, já que a temática prometia muito. Pelo menos, restou as cenas quentes entre Rachel Weisz e Rachel McAdams, que valem pelo filme, dada a intensidade da coisa.

Batata Movies – Hannah. Um Doloroso Choque De Realidade.

Cartaz do Filme

Um filme letárgico em nossas telonas. “Hannah” traz de volta a diva Charlotte Rampling num papel que lhe rendeu o prêmio de melhor atriz em Veneza no ano passado. Essa película, dirigida por Andrea Pallaoro, é arrebatadora no sentido de que transforma o cinema num violento choque de realidade. A sétima arte costuma ser ilusória e fantasiosa. Quando vemos a arte imitando a vida, surge uma sensação de certo desconforto, que é o que acontece aqui da forma mais intensa possível.

Charlotte Rampling em atuação magistral…

Vemos a história de um casal idoso que vai se separar, já que o marido irá para a cadeia. Não fica muito claro porque isso acontece. A esposa, Hannah (interpretada por Rampling), passa então a ter uma rotina altamente opressora marcada por muita solidão. Mesmo tendo uma vida muito ativa, a distinta senhora não consegue se livrar do impacto emocional que tal rotina e tal solidão impõem a ela. E aí, o filme é todo um rosário de movimentos e atos de Hannah que em nada diminuem seu sofrimento. Para piorar a situação, seu filho não quer saber dela, e o marido não quer saber do filho, ficando implícito que o pai está na cadeia por denúncia do próprio filho, sendo que essa história nunca fica bem contada para o espectador.

É um filme totalmente sem esperança. E muito maçante, pois acompanhamos o cotidiano de Hannah, onde pouca coisa de interessante acontece. Como ela está sozinha em grande parte do tempo, o filme passa por vários momentos de uma total ausência de diálogo, onde vemos Rampling fazendo toda uma sucessão de movimentos banais como trocar de roupa (há cenas de nudismo com ela) ou chamar o encanador para consertar um vazamento que vem do apartamento de cima. Nos poucos momentos em que ela tenta quebrar com a rotina, a senhora dá com os burros n’água como, por exemplo, quando ela prepara um bolo de aniversário para o neto, sendo escorraçada pelo próprio filho, o que lhe rende uma posterior explosão de choro. No mais, resta a melancolia do dia a dia e uma certa angústia que vai nos pregar uma peça no desfecho. Mais um choque de realidade no espectador, que sai da sala totalmente perplexo e desalentado com o que viu.

Uma rotina cheia de banalidades e melancolias…

Com relação ao prêmio dado a Rampling pela interpretação desse papel, temos que dizer que foi merecido, pois ela consegue tirar leite de pedra ao tratar de forma bem dramática o sofrimento da personagem tendo como campo de atuação um rosário de situações muito banais. Fora o paroxismo da explosão de choro, Rampling sempre levava consigo uma expressão serena, com um leve toque de angústia, o que fazia a gente sentir que algo ia errado atrás daquele semblante desgastado pelas mágoas que sofria. É o tipo do filme que se sustenta totalmente na atuação de sua protagonista, atuação essa muito difícil, pois a atriz quase não falava e tinha que demonstrar seu leve desespero na medida certa. Confesso que nem me preocupei muito com a sinopse ao ver o nome da diva nos créditos.

Um marido que irá para a prisão…

Assim, “Hannah” pode ser considerado um filme um tanto mediano com a interpretação de uma grande atriz. A opressão das situações banais aliada a solidão da personagem principal dão o tom da película que, por sua vez, dá pouco espaço para a atriz mostrar seu talento em toda a sua plenitude. Mesmo assim, Rampling deu conta do recado, o que lhe rendeu o prêmio em Veneza, o que confirma, mais uma vez, o seu grande talento. Se você gosta de Charlotte Rampling, vá ao cinema, esqueça do filme e foque na atuação da grande atriz. É o que vale aqui.

https://www.youtube.com/watch?v=JfaGcLTqakI