Um bom filme brasileiro. “Benzinho”, de Gustavo Pizzi, é uma daquelas películas com a qual é impossível não nos identificarmos pelo menos em um momento de nossas vidas. É um filme de sobrevivência do cotidiano. Um filme sofrido, que nos faz chorar, mas também que nos faz rir. Essa co-produção Brasil/Uruguai foi escrita em conjunto por Karine Teles e Gustavo Pizzi, que se separaram durante a produção do filme e levaram a coisa de forma muito profissional até a película sair. O resultado saiu melhor que o esperado, sendo muito aclamado em Sundance.
Mas, no que consiste o filme? Temos aqui as desventuras de uma família de classe média, talvez baixa, mas jamais alta. Eles vivem numa casa cheia de problemas, o marido, Klaus (interpretado por Otávio Muller), tem uma papelaria com uma máquina de Xerox, que dá mais prejuízo que dinheiro, a esposa, Irene, a nossa protagonista (interpretada por Karine Teles), vende comida e pequenas bugigangas como lençóis e essa família tem ainda quatro filhos: dois gêmeos pequenos, um jogador de handebol e um tocador de tuba. Como se não bastasse, Irene ainda tem uma irmã, Sônia (interpretada por Adriana Esteves), que sofreu uma surra do marido, Alan (interpretado pelo excelente ator César Troncoso, do cinema uruguaio, sendo essa uma excelente aquisição para o filme).
Todos levam uma vida bem difícil, ao estilo de se “matar um leão por dia”, e vamos nos identificando cada vez mais com os personagens no transcorrer do filme. Há, ainda, outro elemento que joga mais um drama na história. O filho mais velho, Fernando (interpretado por Konstantinos Sarris), é chamado para jogar handebol na Alemanha, o que dá um nó na cabeça de Irene, que não sabe lidar com a situação. Mesmo assim, nossa heroica protagonista consegue levar a vida adiante, chegando até a concluir o ensino médio, mesmo com todas as condições adversas que ela é obrigada a enfrentar.
Essa película gera uma empatia entre o espectador e os personagens que cresce muito paulatinamente. A gente sempre tem uma despesa inesperada na casa quando algo quebra, a grana falta para arrumar as coisas, a família sempre nutre o sonho da casa própria e de um lugar melhor para se viver. E os obstáculos para se alcançar esses sonhos são, às vezes, intransponíveis. E a gente cansa, desanima, deita no chão e chora, para depois se reerguer e continuar vivendo. E o único amparo que temos é a nossa própria família e aqueles que nos circundam. Mas quando alguém desse círculo, desse time, vai embora, dá um aperto no coração. O filme conseguiu explorar toda essa gama de sentimentos de forma tão magistral que ele acabou sendo sucesso no Festival de Sundance por causa disso.
A cultura anglo-saxônica, notória por sua frieza, que acha simplesmente a coisa mais normal do mundo um filho ir embora de casa para enfrentar a vida ou um idoso ir para um asilo para não incomodar mais a família (eu me lembro que tive um papo desses com um professor meu de faculdade enquanto eu pegava uma carona com ele e fazíamos o trajeto Niterói-Rio), ao se deparar com “Benzinho”, viu que podia expressar sentimentos tão reprimidos como Irene fazia. Houve casos de pais chorando pela saudade dos filhos e de filhos ligando para os pais sentindo fortes saudades, segundo o próprio relato do diretor Gustavo Pizzi. Tal choque de realidade latina em cima dos gringos foi arrebatador e transformou “Benzinho” num grande sucesso por lá.
Mas é óbvio também dizer aqui que esse foi um filme de excelentes atores. Karine Teles esteve simplesmente magnífica como a mãe e esposa que se desdobrava em mil para poder cuidar da família. Seu choro durante a parada onde seu filho tocava tuba, manifestando a saudade do filho que havia ido embora para a Europa é, sem a menor sombra de dúvida, o maior momento do filme e a coisa mais cativante que a gente viu no cinema brasileiro em anos.
Otávio Müller, que tem tido participações muito boas em comédias, arrebentou em seu papel dramático de Klaus, indo da esperança do sonho à tristeza da realidade de uma forma altamente eficaz, de jeito a fazer essa ducha de água fria doer dentro do peito da gente. É uma pena que Adriana Esteves, que também teve um ótimo papel e interpretação, tivesse concorrentes tão fortes dessa vez em Müller e Teles. E a presença de Troncoso, o Ricardo Darín uruguaio, só deu mais status a um filme que nos fisga no primeiro minuto de exibição.
Assim, “Benzinho” é uma das grandes provas de que, quando o cinema brasileiro quer fazer bons filmes, ele os faz com muita maestria. Um filme que é um choque de realidade com o qual nos identificamos logo de cara na via crucis dos personagens que abraçamos e amamos, pois nos vemos lá na tela grande. Um filme que é um programa imperdível com o qual sempre vamos nos emocionar, e muito.