O sexto episódio da sexta temporada de “Jornada nas Estrelas Voyager”, “Charadas” (“Riddles”), é um daqueles episódios de personagem. Ou melhor, de personagens. E aqui são duas figuras muito antagônicas, cujo relacionamento inusitado pode dar caldo para boas histórias. Isso mesmo, caro leitor trekker, acho que você já adivinhou: Neelix e Tuvok. Visto de forma um pouco torta por alguns, Neelix é o sujeito mais boa praça da nave (e, talvez, o mais esculachado por isso por conta da incompreensão humana). Ele é uma pessoa sempre aberta a ajudar ao próximo e a se envolver com os problemas dos outros. Por que será, então, que ele é visto com tanto pouco caso já que, talvez, ele seja o personagem que mais represente os ideais da Federação em termos de tolerância, diversidade e respeito? Por causa de ser, também, uma espécie de alivio cômico que alguns podem considerar inoportuno? Deixo a questão em aberto e ficaria estimulado a discuti-las com vocês.
Mas, do que se trata essa boa história? Neelix e Tuvok estão em missão diplomática (tentam fazer acordos entre duas raças alienígenas) na Delta Flyer. O cozinheiro tenta brincar de charadas com o vulcano que, muito a contragosto, participa. Mas Tuvok detecta uma anomalia no interior da nave que se revela um alienígena infiltrado e camuflado que o ataca e lhe provoca danos na sua atividade cerebral. O vulcano então fica com amnésia, não sabendo quem é e com uma alta instabilidade emocional e insegurança. Ele registrou no tricorder uma frequência que era a da camuflagem do intruso, mas o aparelho foi destruído. Essa frequência será fundamental para tirar a camuflagem dessa espécie e um trunfo para o sucesso da missão diplomática, sendo imperativo que Tuvok a recorde. O problema é que o vulcano está ainda em confusão mental e será essa a oportunidade que Neelix terá para se aproximar de seu colega, que se revelará uma figura extremamente doce e afável. Mas Neelix sabe que o mais justo para Tuvok será recuperar sua mente, conhecimento e personalidade anteriores. Será um processo um tanto doloroso em que Neelix será um apoio fundamental para o vulcano desamparado e inseguro.
Bom, dá para perceber que a querela alienígena do episódio é apenas um apoio para a história principal, que é o relacionamento de Tuvok com Neelix nesse momento de fragilidade do vulcano. Essa trama é muito interessante no sentido de que, volta e meia vemos situações como essa ocorrendo por aí. Uma pessoa que trata a outra com arrogância e até uma certa empáfia, que, de repente, por essas maldades que a vida faz, fica doente e impossibilitada, totalmente dependente da pessoa que foi sistematicamente maltratada. E a vítima desse relacionamento, ao invés de ser crua e vingativa, lança mão de continuar a tratar quem a tratou mal com afeto e ternura, não demonstrando qualquer rancor, ato extremamente nobre e até difícil de se fazer, algo que ainda dá esperança para o que é ser humano. Na minha modesta opinião, esse episódio engrandece demais o personagem Neelix aos olhos dos seus críticos mais duros e mostra o que é o propósito de Jornada nas Estrelas, que é uma visão positiva do ser humano e do ato de humanidade. Só é curioso que um alienígena tenha tido essa postura com outro, não havendo nenhum humano no meio. De qualquer forma, é um episódio que abre muito espaço para a reflexão e que nos obriga a fazer uma autoavaliação de como nós procedemos para com as pessoas que estão a nossa volta. Só essa contribuição já faz o episódio ser muito especial e nos ajuda a melhorar como indivíduos.
O mais curioso foi ver que, mesmo que Tuvok tenha voltado a ser o que era antes, ele ainda dá um sinal a Neelix de que a forma como foi tratado pelo colega não está esquecida, e aquele vulcano doce e inseguro, que fazia sobremesas muito gostosas, ainda está lá dentro do monumento à lógica que é esse personagem amado por muitos, mas também questionado por outros.
Dessa forma, “Charadas” é mais um episódio da sexta temporada de “Jornada nas Estrelas Voyager” que merece a atenção dos trekkers de plantão, por ser meio que um tapa na cara de nossa arrogância para com o próximo. Veja e procure se entender com a pessoa que você não dá muita bola, que acha chata, etc. A gente sempre tem um Neelix à nossa volta que não damos muita ideia, e não sabemos o que estamos perdendo.