Um bom filme brasileiro. “O Doutrinador” alia duas virtudes: a de se fazer uma história dentro de nossa realidade, mas com uma pegada típica de filme de super-herói da Marvel ou da DC um tanto hard core, já que há muito sangue em toda a película. Essa história, baseada no HQ de Luciano Cunha e dirigida por Gustavo Bonafé, parece também ser um grito coletivo de uma sociedade que já está exausta com a própria corrupção que produz. E aí, temos a catarse de expurgar, de forma muito violenta, todos os demônios que acometem essa mesma sociedade, para lá de combalida. O Doutrinador é uma espécie de produto de uma cultura de ódio que há muito tempo está em gestação.
Vemos aqui a história do policial Miguel (interpretado pot Kiko Pissolato), que pertence a um grupo de elite da polícia que faz busca e apreensão de políticos corruptos, mas também cumpre ações de despejo contra sem tetos. Enquanto que Miguel vê com bons olhos as ações contra políticos corruptos, ao mesmo tempo ele se inconforma com as ações policiais contra os menos favorecidos. Qual é o papel da polícia, afinal? Mas a vida de Miguel irá desmoronar quando sua filha é atingida por uma bala perdida à caminho do estádio para assistir a um jogo da Seleção Brasileira. Ela acaba morrendo por falta de atendimento no hospital, fruto da… corrupção. É nessa hora que o homem se revolta e participa de uma manifestação contra o governador do Estado, envolvido em vários ilícitos e saindo livre, leve e solto por determinação da justiça (você já viu essa história antes?). Surgirá então o Doutrinador, que esconde seu rosto atrás de uma máscara de oxigênio, depois que ele fica sob uma nuvem de gás lacrimogênio. E aí, com seu treinamento policial, ele mete a porrada em todo mundo com golpes coreográficos de artes marciais, sem falar que ele é muito certeiro com as armas de fogo, ao status de um bom sniper. Com todos esses ingredientes, nosso protagonista caça seus algozes de uma forma regada à extrema violência e com cara de Darth Vader de olhos vermelhos. Brincadeiras à parte, o visual ficou sinistraço e convence muito. É claro que Miguel não conseguirá fazer tudo sozinho nessa empreitada de combater o mal e a corrupção. Ele terá a ajuda de Nina (interpretada por Tainá Medina), uma hacker que abrirá ao nosso herói todas as portas para caçar os políticos do mal, que são verdadeiras alusões a todas as bandalheiras que estão por aí em vários setores.
É um filme que ajuda a gente a aliviar nossa raiva e sentimento de impotência de como o país está indo ladeira abaixo para um estado de convulsão total. A gente sente um certo prazer sádico ao ver todos aqueles políticos corruptos tendo a cabeça estourada (sim, a violência chega a esse nível). Mas fica o espaço para um questionamento: o grande herói do filme é um… policial. Cá para nós, as forças policiais também não têm sido bem vistas em virtude de toda a guerra urbana que passamos e os chamados “autos de resistência”.
Por isso mesmo, a construção do personagem teve que ser muito cuidadosa e detalhada. Miguel é um policial que caça corruptos, mas ao mesmo tempo se comove com os problemas sociais e ele mesmo foi vítima desses problemas ao ter a filha morta por uma bala perdida e por falta de atendimento no hospital. Essa foi uma boa saída para dar “superpoderes” ao nosso herói, pois ele usa o treinamento de sua força policial especial para atacar os políticos do mal, algo que seria impossível se ele fosse uma pessoa normal do povo.
O desfecho do filme também foi bem apoteótico (embora eu não vá me alargar aqui sobre isso), hollywoodiano até. E parece que não há a intenção do projeto ficar somente nesse filme. Fique de olho numa cena pós-crédito que irá aparecer.
Assim, “O Doutrinador” é uma curiosa experiência de nosso cinema, onde temos a temática dos filmes de super-herói, ao bom estilo da Marvel ou da DC, com uma violência mais turbinada e muito bem encaixada com nossa realidade nacional, que tem parecido muito mais distópica do que qualquer produção de franquia de HQs. Que esse projeto possa ainda render mais bons frutos, pois ele parece ter muito fôlego e disposição para isso. Um programa imperdível para quem gosta de ação, suspense e muita violência, numa temática 100% nacional.