Uma produção libanesa, com parceira do Iraque e da França. “Yara” é mais um daqueles filmes que trabalham a questão da relação entre a tradição e a modernidade. Essa abordagem já foi usada em outras análises de filmes aqui e ela pode assumir várias formas. Existem situações em que a tradição e a modernidade interagem entre si harmoniosamente e existem momentos em que esses dois pólos se veem de forma dicotômica e excludente. Há análises em que a tradição pode ser vista de forma virtuosa e a modernidade como a vilã da história, mas o oposto também ocorre. Logo, quando usamos esse enfoque, podemos ter muitas possibilidades de análise. Lembrando sempre que vamos lançar mão de spoilers aqui .
O plot gira em torno da vida de Yara (interpretada por Michelle Wehbe), uma menina adolescente que vive com sua avó, um tanto quanto isolada nas montanhas do Líbano. A vida é muito prosaica e tradicional, se resumindo ao plantio, à criação de animais, ao recebimento de mercadorias que uma espécie de tropeiro traz periodicamente. Até que um dia chega Elias (interpretado por Elias Freifer), um jovem que é o espelho da modernidade: diz que é viajado, tem a capacidade de levar Yara para viajar, etc., ou seja, joga uma baita duma conversa mole na menina.
E suas visitas passam a ficar cada vez mais frequentes, o que desperta um óbvio envolvimento entre os dois e que leva a desconfianças da parca vizinhança. A partir daí, o filme é levado de uma forma bem idílica entre o casal, que se limita a passeios na região, onde podemos perceber que há casas, escolas e igrejas abandonadas. Ou seja, praticamente todo mundo foi embora. Logo os dois se separarão, pois o pai de Elias conseguiu uma oportunidade do rapaz estabelecer a vida na Austrália e Elias pergunta se Yara quer ir junto. Mas a moça não deixa as montanhas, o que provoca uma despedida melancólica e ressentida.
O leitor pode perguntar: por que Yara não vai embora, assim como praticamente todos da região o fizeram? Aí pode entrar uma componente emocional forte: os pais de Yara haviam morrido e viveram na casa em que ela mora com a avó. Nesse ponto, a tradição ganha uma força arrebatadora, até porque está envolvida numa componente emocional da personagem protagonista, e repele qualquer investida de modernidade naquele microcosmos. Ou seja, o amor de Elias somente cabe se ele se adaptar as condições locais tradicionais exigidas por Yara. Fora disso, nada feito. A moça sente as dores de uma quebra de paixão adolescente.
Mas a película deixa bem claro que em pouco tempo ela se recupera e retoma sua rotina de vida normal, mesmo com algumas inconveniências, como as observações dos vizinhos com o que veste. O leitor pode até afirmar que isso é comum na cultura local, mas devemos ressaltar aqui que fica bem enfatizado no filme que Yara e sua avó são cristãos e não muçulmanos. Esse, aliás, é outro ponto que merece destaque, já que cristãos e muçulmanos estiveram em guerra no Líbano há algumas décadas e esse amor entre Yara e Elias também se materializou como as duas partes do antigo conflito, se constituindo numa espécie de Romeu e Julieta onde não eram rivalidades entre famílias que davam as cartas no processo, mas sim o embate entre a tradição e a modernidade.
Dessa forma, “Yara” é um filme que, se tem um ritmo lentíssimo e um tanto prosaico, bem ao gosto da tradição, ainda assim merece a atenção do espectador, pois mostra como uma moça tão nova não abre mão de suas convicções e tradições em disputa de um amor paternal e maternal perdido no qual ela quer se agarrar. Vale a pena como curiosidade.