Batata Movies (Especial Oscar 2019) – Roma. O Desmoronamento De Duas Vidas.

Belíssimo Cartaz do Filme

Vamos hoje falar de um filme com dez indicações ao Oscar. “Roma”, de Alfonso Cuarón, concorreu a Melhor Filme Estrangeiro, Melhor Direção, Melhor Fotografia, Melhor Filme, Melhor Atriz para Yalitzia Aparicio, Melhor Atriz Coadjuvante para Marina de Tavira, Melhor Roteiro Original, Melhor Design de Produção, Melhor Edição de Som e Melhor Mixagem de Som. O filme acabou abiscoitando os prêmios de Melhor Filme Estrangeiro, Fotografia e Direção. Ainda, ganhou os Globos de Ouro de Melhor Diretor e Melhor Filme Estrangeiro, além de ganhar os Baftas de Melhor Filme, Melhor Fotografia e Melhor Filme em Língua Não Inglesa, recebendo também o prêmio David Lean por Direção. Lembrando que esse filme é uma produção da Netflix e se mostrou uma boa aposta do serviço de streaming para fazer um filme mais “cabeça” e digno de premiações. Vamos aqui lançar mão de spoilers para poder analisar o filme.

Yalitzia Aparicio. Indicação de Oscar para Melhor Atriz em seu primeiro filme

O plot é muito simples. No bairro Roma, de classe média alta da Cidade do México, temos a empregada doméstica Cleo (interpretada por Aparicio) que, junto com uma parente, serve a uma família abastada. De origem indígena, ela conversa com sua parente na sua língua nativa e em espanhol com a família, cheia de filhos. Tratada como se fosse “da família”, onde a ligação afetiva com as crianças é muito estreita, Cleo também é tratada com rispidez em alguns momentos por sua patroa Sofia (interpretada por Tavina), pois o patriarca da família está se separando e saindo de casa, o que faz a esposa cair numa pilha de nervos.

Tratada como “da família”…

Por outro lado, Cleo engravida de um namorado que nega a paternidade do bebê. Assim, vemos duas vidas entrando em parafuso: a de Sofia, a patroa, que tem que encarar uma separação com uma penca de filhos, e a de Cleo, que tem que levar uma gravidez sem a presença de um companheiro. Lembrando que essa película tem por base as memórias afetivas da infância do próprio Cuarón, que tinha uma empregada doméstica em sua casa.

Afeição maternal com as crianças da casa…

Essa temática que Cuarón abordou em seu filme de realidade mexicana – a forma como as empregadas domésticas são tratadas pela elite – é muito familiar e conhecida para nós aqui no Brasil, com o agravante de uma tradição escravista que envenena ainda mais a relação patrão-empregado. Na película de Cuarón, a coisa foi até leve em boa parte do filme, com um cotidiano das empregadas sempre presentes no emprego e com uma relação até certo ponto idílica com os patrões e as crianças. Em alguns momentos, a hierarquia sobressaía, como na reclamação feita pelo pai da família da garagem cheia de sujeiras de cachorro, as grosserias que a mãe da família fazia com Cleo quando a matriarca estava estressada com sua crise conjugal, ou na necessidade de Cleo e sua parente fazerem seus exercícios no quartinho da empregada à luz de velas para não gastar energia elétrica.

Uma guardiã dedicada…

Mas o clima um tanto suave do filme passa a ficar turbulento na segunda metade da película, onde as tensões políticas de um México do início da década de 70 começam a influenciar o microcosmos da empregada. É nesse momento que o filme vai adquirir um ritmo bem mais frenético e prender mais a atenção do espectador. Mas tocar nessa parte da película seria dar muitos spoilers. Para se dar apenas uma dica, o filme opta por um happy end galgado numa espécie de redenção, ou seja, uma opção mais hollywoodiana, quando um final mais realista talvez fosse mais adequado. De qualquer forma, com a denúncia de uma situação social concretizada, não podemos nos esquecer de que a película ainda é produzida numa mídia de entretenimento como a Netflix. E aí o happy end é mais aplicável aqui.

Filme tem uma fotografia lindíssima…

Vale falar apenas mais uma coisa que chama muito a atenção: a película foi rodada em preto e branco, ou seja, artística demais nesse ponto, em termos de Netflix. Lembrando sempre da preferência desse humilde escriba pelo preto e branco pelo fato dos contrastes ficarem bem mais destacados que no colorido, dando grande qualidade estética à imagem.

Mais um exemplo da fotografia impecável da película

Dessa forma, “Roma” é uma grata surpresa da Netflix e de Alfonso Cuarón. Um filme “cabeça”, de arte, em preto e branco, feito pelo serviço de streaming, e que fala de uma realidade social da América Latina. Ainda que o tradicional happy end dos filmes hollywoodianos tenha sido usado como opção, temos que dar o braço a torcer que a Netflix assumiu um projeto muito ousado para o tipo de mídia e de público ao qual ela se propõe. E tal atitude deve ser reconhecida e muito celebrada, tanto que a película ganhou dois Globos de Ouro, quatro Baftas e recebeu dez indicações ao Oscar, levando três estatuetas.

O diretor Alfonso Cuarón

Creio que isso é algo muito bom para estimular os serviços de streaming a melhorarem a qualidade das películas que produzem, aumentando a qualidade para o espectador. E seria legal, também possibilitarem o acesso aos cinemas dos filmes que são produzidos para o cinéfilo mais tradicional ter a experiência de ver esse tipo de filme (que tem uma qualidade fotográfica ótima) na telona.