Uma interessante co-produção Paraguai/Alemanha/Uruguai/Brasil/Noruega/França (ufa!). “As Herdeiras” de Marcelo Martinessi, é um filme de descoberta pessoal. Uma película que mostra de forma contundente que nunca é tarde para se recomeçar e se redefinir. Um filme até certo ponto surpreendente, pois o novo sai de onde justamente vemos o mais carcomido e desesperançoso. Falemos um pouco aqui dessa película, sempre lembrando que precisaremos lançar mão dos spoilers para se fazer uma análise.
Estamos no Paraguai e vemos a trajetória de duas irmãs, Chela (interpretada por Ana Brun) e Chiquita (interpretada por Margarita Irun). As duas vivem juntas há muitos anos e eram de uma família muito rica. Entretanto, na velhice, as coisas pioraram e elas precisam vender os bens da família para poderem sobreviver, o que já as coloca numa posição até certo ponto humilhante de ver pessoas estranhas adentrarem sua casa e revirarem seus objetos pessoais, fazendo pechinchas. Quanto às duas irmãs, Chiquita é mais “descolada” e ainda voltada para a vida, sempre querendo dar suas saidinhas e noitadas, onde canta num karaokê com outras senhoras, antigas amigas. Já Chela é extremamente reservada e precisa tomar todos os seus medicamentos controlados religiosamente, ou seja, envelheceu muito mais rápido que a irmã. O problema é que Chiquita tem algumas dívidas com instituições financeiras que a levaram a passar uma temporada na cadeia, o que desestabilizou a zona de conforto de Chela. A senhora totalmente dependente da irmã que agora está na cadeia vai ter que sair de seu casulo e colocar em marcha uma estratégia para se manter. Ela opta, então, por virar uma espécie de taxista para suas amigas da terceira idade e, além de ganhar uma grana, faz novas amizades, algumas um tanto inusitadas, de até insinuações homossexuais, o que apimenta um pouco a vida da assustada anciã. Mas, acima de tudo, Chela experimenta a liberdade e renasce para a vida, dando novos horizontes e perspectivas a uma pessoa que praticamente só esperava a morte dentro de casa. O grande problema será quando Chiquita sair da prisão. Será que Chela vai aceitar a voltar a sua vidinha de antes ou ela buscará uma ruptura total? Paremos com os spoilers por aqui.
É um filme de ritmo muito lento. Também pudera. A grande maioria das personagens do filme é de senhoras que se encontram em seus eventos sociais. Confesso que dá até uma certa sonolência. Mas, se o leitor tiver paciência, é muito legal conferir essa trajetória de Chela, onde ela se redescobre. É uma trajetória que não deixa de ter seus percalços, mais ainda sim uma trajetória que vale a pena ser vivida, pois ela passa a ter uma série de surpresas em sua vida, indo desde as histórias de vida de algumas presidiárias, passando pela experiência única de conviver com Pituca (interpretada de forma magnífica por Maria Martins), uma senhora de hábitos burgueses que tem um faro muito aguçado para analisar a vida dos outros de uma forma, digamos, muito elegante, chegando até a descoberta de uma nova amizade que poderia ter sido algo muito mais interessante, não fosse a travada que Chela deu nesse quesito.
Com relação às atrizes, podemos dizer que temos senhoras paraguaias muito carismáticas aqui. Margarita Irun, por fazer Chiquita, a personagem que passa um tempo na cadeia, teve a sua atuação um pouco prejudicada por ter menos tempo de tela, mas ela tinha grande presença quando aparecia, sendo a mulher forte, que enfrenta uma prisão, leva a detenção numa boa e ainda conforta a frágil irmã. Já Ana Brun, que interpreta a nossa protagonista Chela, teve todos os holofotes para fazer sua transição de uma personagem mais resguardada para a mulher que se abre para o mundo, mesmo que relutantemente em alguns momentos. É uma personagem que abraçamos e pela qual torcemos em vista de sua fragilidade sedutora. Agora, a grande surpresa é Maria Martins, a Pituca. Mesmo com o apelido carinhoso que deve ter ganho ainda na infância, a personagem prima por ser uma senhora extremamente fofoqueira, mas ela o faz de uma forma tão elegante e classuda que ganha o espectador num piscar de olhos. Seu pouquíssimo tempo de tela, em comparação com as duas irmãs protagonistas principais vale enormemente cada segundo em virtude do grande talento dessa atriz. Ela consegue realmente ser muito engraçada em toda a sua soberba e tom solene.
Dessa forma, “As Herdeiras” pode até ter um ritmo muito lento, até por ser ambientada em círculos de terceira idade, mas ainda assim é um filme que chama muito a atenção não somente pela eficácia de suas atrizes, mas por essa jornada de redescoberta pessoal de Chela, ratificando aquela máxima de que “nunca é tarde para recomeçar” e que nos enche de esperança. Vale a pena passar um tempo com essas senhoras para a gente pensar na vida.