Um filme húngaro muito perturbador. “Entardecer”, de László Nemes (o mesmo diretor de “O Filho de Saul”) fala de aristocracia e de redenção. Tudo isso mergulhado num turbilhão extremamente agônico. É um filme muito pesado onde se descobrir em qual lado da sociedade ficar pode ser aprendido da pior forma possível. Vamos lançar mão de spoilers aqui.
Temos a trajetória de Írisz Leiter (interpretada por Juli Jakab), uma moça que chega a Budapeste para ser chapeleira numa grande loja que tem o nome de sua família. Ela é recebida com desconfiança por todos, mas com o tempo, recebe o seu lugar ao Sol. A história da família de Írisz é repleta de mistério. Ela só tinha dois anos quando os pais morreram num incêndio. Com o tempo, Írisz descobre coisas altamente sinistras em seu novo ambiente: que a loja prepara as chapeleiras para serem escravas sexuais da alta aristocracia, que ela tem um irmão que assassinou o marido de uma condessa e que pretende organizar uma violenta revolta contra a cidade em virtude do episódio das chapeleiras. E Írisz fica em meio a todo esse turbilhão sem saber muito de que lado vai estar. Só que, uma hora, ela precisa tomar uma decisão.
É um filme de difícil compreensão em virtude da forma como ele foi concebido. Na maioria das vezes temos planos sequências com a câmara praticamente grudada na personagem protagonista, andando por ruas movimentadas, por revoltas populares, por pessoas mal encaradas e violentas tratando com extrema repulsa a nossa personagem principal. E, para piorar, geralmente esses planos sequência são à noite, o que aumenta o clima de confusão, opressão e agonia. Montado dessa forma, conseguimos perceber como o filme deve ter sido de difícil execução e cinematograficamente ele foi impecável. Entretanto, o clima altamente sufocante que o diretor conseguiu passar com muita maestria complicou demais a compreensão, e isso exigiu demais a atenção do espectador. Algumas pessoas saíram da sala reclamando um pouco da dificuldade que tiveram de acompanhar o filme. Apesar de tudo isso, é interessante perceber a guinada violenta na personagem Írisz.
Ela chega a uma promissora Budapeste pensando em começar por baixo e se afirmar naquela sociedade usando como lastro o nome da família da qual ela fazia parte e que mal conhecia. Família essa que era uma espécie de tabu para os que viviam em Budapeste. Pouco a pouco, o mistério se desvela e a maldição que se abate sobre a família Leiter se materializa na figura do irmão de Írisz. Mesmo com toda a revelação do caráter podre daquelas pessoas que tornavam chapeleiras escravas sexuais, Írisz não tomou uma decisão definitiva do lado em que ia ficar, até que ela mesma foi oferecida como escrava sexual. Aí ela se torna uma espectadora do massacre imposto a cidade pelos partidários de seu irmão e a película termina de forma surpreendente com a moça dentro de uma trincheira da Primeira Guerra Mundial como soldado, sacramentando a sua mudança de lado: de uma herdeira da aristocracia que busca o seu lugar ao Sol e aceitação nesse meio a uma defensora da justiça contra as agruras dessa alta sociedade.
Dessa forma, “Entardecer” vale muito pela curiosidade, apesar de ser um filme difícil e um desafio para o espectador. Cinematograficamente, é uma película muito bem feita, com uma filmagem elaboradíssima, o que acaba dificultando a compreensão. Mas, mesmo assim, mostra a redenção de uma personagem que abandona o desejo de pertencer a uma aristocracia para buscar ideais de justiça. Vale a pena passar pela experiência.