Mais um filme
francês egresso do Festival Varilux. “O Mistério De Henri Pick” é um filme
sobre escritores e escritores fantasmas (os populares “ghostwriters”).
Temos aqui uma comédia levinha com toques de filme onde a investigação dita o
ritmo. Para podermos entender um pouco mais essa película, vamos lançar mão dos
spoilers aqui.
Vemos aqui a
história de Jean Michel Rouche (interpretado por Fabrice Luchini), um
especialista em literatura que tem um programa televisivo de debates sobre
obras literárias. Um belo dia, chega a seu programa uma viúva cujo marido
falecido se tornou uma personalidade nacional depois que um manuscrito cuja autoria
atribuída a ele se tornou um best-seller. Mas Rouche não engole a história e
insinua que o autor do livro, um antigo pizzaiolo, pode ter cometido alguma
fraude ou há algum golpe editorial no ar, o que deixa a viúva indignada,
abandonando o programa. A indelicadeza de Rouche provoca a sua demissão e a
separação com a sua esposa. Rouche, então, vai começar uma investigação para
desmascarar o suposto autor do livro, o finado pizzaiolo Henri Pick.
Esse é um filme
que necessita da atenção do espectador, pois toda a investigação empreendida
por Rouche é cheia de meandros onde não se pode perder o fio da meada. Pelo
menos, parece que os roteiristas perceberam a complexidade da coisa e deram um
desfecho para o mistério relativamente destacado de toda a trama da
investigação, onde esse plot twist acaba ajudando um pouco o espectador que se
perdeu com algum detalhe da investigação ao longo da exibição.
O filme também
pode ser considerado uma comédia, onde se faz brincadeiras com algumas
referências literárias mas também há piadas de mais fácil compreensão. A
diversão da parte de humor funciona bem e ajuda o espectador a ficar mais
ligado no filme e na trama complexa da investigação.
No elenco, além
da boa presença de Fabrice Luchini, que rouba completamente a cena, temos uma
rápida e muito especial participação de Hanna Schygulla, que ainda atrai demais
por sua forte personalidade magnética.
Dessa forma, “O Mistério De Henri Pick” é um interessante entretenimento, pois fala do universo dos ghostwriters de uma certa forma, onde a história tem uma balada de filmes de investigação, com uma comédia levinha para dar um gostinho especial à trama. Não é um dos melhores filmes que foram exibidos pelo Festival Varilux, mas vale pela distração e diversão.
Um filme
curioso. “Em Trânsito” é uma película que mais uma vez aborda o tema da
Segunda Guerra Mundial e do autoritarismo nazista. Entretanto, tal temática é
mais usada como uma espécie de pano de fundo para um drama pessoal onde um jogo
de gato e rato dita as regras. Para que possamos compreender isso, vamos lançar
mão dos spoilers.
O filme fala da
trajetória de Georg (interpretado por Franz Rogowski), um rapaz que vive na
França ocupada pelos nazistas e que recebe uma missão de um amigo: entregar
duas cartas a um escritor procurado pelos alemães. Quando ele tenta achar o
escritor, ele descobre que este está morto e decide assumir a sua identidade,
pois descobre que o falecido tinha acesso a documentos que poderiam tirá-lo da
França. Isso vai fazer com que o rapaz se envolva com várias pessoas do círculo
do escritor, inclusive sua apaixonada esposa. Ao se envolver com elas, ele
precisa pisar em ovos para esconder a sua identidade verdadeira e, ao mesmo
tempo, empreender sua fuga para fora da França.
A primeira coisa
que chama a atenção na película é que não há qualquer preocupação com
reconstituições de época. A gente chega a se perguntar se está mesmo vendo um
filme histórico. Todo o contexto do roteiro fala da França ocupada mas o que
vemos são ruas de hoje em dia, com carros contemporâneos passando pela rua e
com os nazistas sendo retratados por policiais franceses de hoje em dia, com
direito a vans policiais e tudo. Ao não se ter qualquer preocupação com a
reconstituição de época fica a pergunta: será que houve uma intenção velada do
roteirista e do diretor de fazer alguma correspondência do autoritarismo
nazista com o autoritarismo reinante nos dias de hoje? O medo dos atentados
terroristas, sobretudo na França, pode estar provocando um recrudescimento de
atitudes mais totalitárias hoje em dia. E ver a polícia francesa atual fazendo
o papel de nazistas acaba sendo um tanto perturbador, como se a opressão de
estado fosse uma só, independente de ideologias. Entretanto, a reflexão de
temas de ordem mais política e social param por aí, pois a história acaba se
voltando mais para um drama pessoal do protagonista e a forma humana (ou não)
com a qual ele se relaciona com os demais personagens. É verdade que o contexto
da guerra dita essas relações, pois todos os personagens pensam em si próprios,
uns mais e outros menos na hora de arrumar uma possibilidade para fugir do
autoritarismo nazista. De qualquer forma, esse jogo de gato e rato na busca
pela fuga não se faz sem um conflito de consciência nos personagens.
O filme escolheu
por não realizar um happy end, o que foi muito bom, pois soaria por demais
falso em tal contexto. O mais irônico veio ao final. A música dos créditos
finais foi “Road to Nowhere”, do Talking Heads, cuja tradução seria algo
como “Estrada Para Lugar Nenhum”, o que se encaixa como uma luva na
história do filme, pois todas as tentativas de fuga da França ocupada pelos
nazistas se mostraram fracassadas.
Assim, “Em
Trânsito” é mais um curioso filme sobre a Segunda Guerra que mais trabalha
o drama pessoal dos personagens assolados pela ocupação nazista e que tomam
atitudes, digamos, questionáveis. A falta de êxito de todos talvez soe como um
castigo por seus comportamentos inadequados. Ou talvez soe como uma tremenda
falta de sorte. Isso depende muito da interpretação do espectador. Vale a pena
dar uma conferida, apesar do ritmo lento.
Uma interessante co-produção Paraguai/Alemanha/Uruguai/Brasil/Noruega/França (ufa!). “As Herdeiras” de Marcelo Martinessi, é um filme de descoberta pessoal. Uma película que mostra de forma contundente que nunca é tarde para se recomeçar e se redefinir. Um filme até certo ponto surpreendente, pois o novo sai de onde justamente vemos o mais carcomido e desesperançoso. Falemos um pouco aqui dessa película, sempre lembrando que precisaremos lançar mão dos spoilers para se fazer uma análise.
Estamos no Paraguai e vemos a trajetória de duas irmãs, Chela (interpretada por Ana Brun) e Chiquita (interpretada por Margarita Irun). As duas vivem juntas há muitos anos e eram de uma família muito rica. Entretanto, na velhice, as coisas pioraram e elas precisam vender os bens da família para poderem sobreviver, o que já as coloca numa posição até certo ponto humilhante de ver pessoas estranhas adentrarem sua casa e revirarem seus objetos pessoais, fazendo pechinchas. Quanto às duas irmãs, Chiquita é mais “descolada” e ainda voltada para a vida, sempre querendo dar suas saidinhas e noitadas, onde canta num karaokê com outras senhoras, antigas amigas. Já Chela é extremamente reservada e precisa tomar todos os seus medicamentos controlados religiosamente, ou seja, envelheceu muito mais rápido que a irmã. O problema é que Chiquita tem algumas dívidas com instituições financeiras que a levaram a passar uma temporada na cadeia, o que desestabilizou a zona de conforto de Chela. A senhora totalmente dependente da irmã que agora está na cadeia vai ter que sair de seu casulo e colocar em marcha uma estratégia para se manter. Ela opta, então, por virar uma espécie de taxista para suas amigas da terceira idade e, além de ganhar uma grana, faz novas amizades, algumas um tanto inusitadas, de até insinuações homossexuais, o que apimenta um pouco a vida da assustada anciã. Mas, acima de tudo, Chela experimenta a liberdade e renasce para a vida, dando novos horizontes e perspectivas a uma pessoa que praticamente só esperava a morte dentro de casa. O grande problema será quando Chiquita sair da prisão. Será que Chela vai aceitar a voltar a sua vidinha de antes ou ela buscará uma ruptura total? Paremos com os spoilers por aqui.
É um filme de ritmo muito lento. Também pudera. A grande maioria das personagens do filme é de senhoras que se encontram em seus eventos sociais. Confesso que dá até uma certa sonolência. Mas, se o leitor tiver paciência, é muito legal conferir essa trajetória de Chela, onde ela se redescobre. É uma trajetória que não deixa de ter seus percalços, mais ainda sim uma trajetória que vale a pena ser vivida, pois ela passa a ter uma série de surpresas em sua vida, indo desde as histórias de vida de algumas presidiárias, passando pela experiência única de conviver com Pituca (interpretada de forma magnífica por Maria Martins), uma senhora de hábitos burgueses que tem um faro muito aguçado para analisar a vida dos outros de uma forma, digamos, muito elegante, chegando até a descoberta de uma nova amizade que poderia ter sido algo muito mais interessante, não fosse a travada que Chela deu nesse quesito.
Com relação às atrizes, podemos dizer que temos senhoras paraguaias muito carismáticas aqui. Margarita Irun, por fazer Chiquita, a personagem que passa um tempo na cadeia, teve a sua atuação um pouco prejudicada por ter menos tempo de tela, mas ela tinha grande presença quando aparecia, sendo a mulher forte, que enfrenta uma prisão, leva a detenção numa boa e ainda conforta a frágil irmã. Já Ana Brun, que interpreta a nossa protagonista Chela, teve todos os holofotes para fazer sua transição de uma personagem mais resguardada para a mulher que se abre para o mundo, mesmo que relutantemente em alguns momentos. É uma personagem que abraçamos e pela qual torcemos em vista de sua fragilidade sedutora. Agora, a grande surpresa é Maria Martins, a Pituca. Mesmo com o apelido carinhoso que deve ter ganho ainda na infância, a personagem prima por ser uma senhora extremamente fofoqueira, mas ela o faz de uma forma tão elegante e classuda que ganha o espectador num piscar de olhos. Seu pouquíssimo tempo de tela, em comparação com as duas irmãs protagonistas principais vale enormemente cada segundo em virtude do grande talento dessa atriz. Ela consegue realmente ser muito engraçada em toda a sua soberba e tom solene.
Dessa forma, “As Herdeiras” pode até ter um ritmo muito lento, até por ser ambientada em círculos de terceira idade, mas ainda assim é um filme que chama muito a atenção não somente pela eficácia de suas atrizes, mas por essa jornada de redescoberta pessoal de Chela, ratificando aquela máxima de que “nunca é tarde para recomeçar” e que nos enche de esperança. Vale a pena passar um tempo com essas senhoras para a gente pensar na vida.
Imagine um filme onde você tem o privilégio de ver Daniel Auteuil, Gérard Depardieu, Sandrine Kiberlain e Adriana Ugarte contracenando juntos. Pois é. Esse filme existe e se chama “A Outra Mulher”, realizado pelo próprio Daniel Auteuil. É uma comédia levinha e engraçadinha, mas que nos dá a oportunidade de ver grandes nome do cinema francês contracenando juntos, sendo essa a maior atração.
A história é bem simples. Dois amigos, Daniel (interpretado por Auteuil) e Patrick (interpretado por Depardieu) se encontram na rua. Como eles não se veem há semanas, decidem jantar na casa de Daniel. O problema é que Patrick se separou e a ex-esposa dele é a melhor amiga da esposa de Daniel, Isabelle (interpretada por Kiberlain), que ainda não engoliu bem a história. Para piorar, Patrick levará sua nova namorada, a deslumbrante Emma (interpretada por Ugarte), que faz Daniel pirar na batatinha e ter vários devaneios, um atrás do outro. E aí, o terreno está formado para uma situação de saias justas (além da saia que Emma usa) e situações constrangedoras.
O grande barato da história está justamente nos devaneios de Daniel, onde o real faz um joguete com o onírico. Inicialmente, conseguimos perceber onde está a situação real e onde está a imaginação fértil de Daniel no filme, pois a troca do real com devaneio se faz em tiros bem curtos de sequências. Mas, com o tempo, esses devaneios se tornam maiores e a gente começa a se perder. Até que chega o ponto em que não sabemos mais o que é realidade e o que é devaneio, com a narrativa puxando repentinamente o tapete sobre nossos pés e nos derrubando com surpresas. Tal recurso não é muito inédito (já vimos isso em “A Bela da Tarde”, de Buñuel, por exemplo), mas faz tempo que tal coisa não aparece para nós, pelo menos de forma tão elaborada e orquestrada, o que é algo sempre bem vindo, sem falar que os devaneios de Daniel eram muito imaginativos e férteis.
Quanto aos atores, nem se precisa falar muito. Auteuil bem como sempre, Depardieu já estava deixando saudades, Kiberlain foi muito eficiente em alternar a esposa histérica da mente do marido e a mulher racional e compreensiva da vida real. Já Adriana Ugarte, chamava atenção muito por sua beleza arrebatadora, mas também foi muito bem nos momentos mais dramáticos com Auteuil.
Assim, “A Outra Mulher” é um filme que merece atenção dos cinéfilos, pois nos dá a oportunidade de ver grandes nomes do cinema francês contracenando juntos e traz uma história onde o que mais chama a atenção é o joguete entre o real e o onírico, mesmo que o tema principal seja uma comédia romântica um tanto simplezinha. Vale a pena dar uma conferida.
Um filme francês egresso do Festival Varilux. “Um Homem Fiel” é mais uma obra de Louis Garrel, um dos bons nomes do cinema francês contemporâneo. Temos aqui uma espécie de comédia de costumes levinha e um pouco enfadonha, para ser um pouco mais sincero. Para podermos entender um pouco mais esse filme, vamos precisar lançar mão dos spoilers.
O plot é o
seguinte. Abel (interpretado por Garrel) é surpreendido por sua namorada
Marianne (interpretada por Laetitia Casta), que lhe notícia que está grávida do
melhor amigo de Abel e que irá viver com ele, deixando Abel a ver navios. Nove
anos depois, o tal amigo morre e Abel tenta reconquistar Marianne, que tem um
filho de nove anos com o finado amigo. Ao mesmo tempo, a irmã do amigo, Eve
(interpretada por Lily-Rose Depp) é perdidamente apaixonada por Abel e pretende
lutar com Marianne por seu amor. No meio de todo esse turbilhão está Abel, que será
assediado por Eve, cairá nos joguetes de Marianne e ainda terá que lidar com o
filho de Marianne, que insinua que a mãe envenena as pessoas com quem ela se
envolve.
Esse filme até tem uma trama que poderia dar frutos melhores. Mas a coisa foi desenvolvida de uma forma um tanto morna onde nosso personagem protagonista Abel era tratado como um joguete, um fantoche pelos demais personagens, o que é muito pouco para o que o filme pelo menos parecia propor. Os lances mais interessantes da película foram o comportamento travesso do filho de Marianne, que insinuava que a mãe envenenava seus amantes com a pura intenção de afastar os varões que cortejavam a mãe, e a proposta da própria Marianne a Abel de começar um romance com Eve com o intuito de dar a moça o que ela cobiçava para então ela se encher de Abel e liberá-lo para Marianne.
E o filme não foi muito além dessas intriguinhas entre as pessoas, numa reação um tanto letárgica por parte dos personagens, terminando com todos eles em volta da sepultura do amigo, amante e pai. Foi realmente uma pena. Até porque tivemos boas atuações. Garrel foi o perfeito ingênuo e fantoche nas mãos de todos. Casta era a mais maquiavélica (no bom sentido) dos personagens, parecendo um pouco insensível e até um pouco sádica com a forma com que mexia com os sentimentos de Abel. Já Depp fez a jovem frágil e sensível que pouco a pouco se transforma na sua indiferença para com Abel.
Assim, “Um Homem Fiel” é um filme mediano de Louis Garrel, uma comédia romântica que fala um pouco de costumes, mas que não decola, não entusiasma. Já vi coisas melhores de Garrel. Esperava mais e confesso que fiquei um pouco decepcionado, já que gosto muito desse ator e diretor.