Batata Movies – Bacurau. Uma Cidade Que Não Está No Mapa.

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Cartaz do Filme

“Bacurau”, de Kleber Mendonça Filho e Juliano Dornelles, foi um filme que provocou grande estardalhaço antes mesmo de sua estreia, pois ganhou o prêmio do júri em Cannes e faz alusões aos dias autoritários em que temos vivido. Tudo isso criou um clima de curiosidade em torno da película que foi sanado depois de sua estreia. Para analisarmos o filme, vamos lançar mão de spoilers aqui.

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Um filme onde o povo de Bacurau é o principal personagem…

Mas, no que consiste o plot do filme? Em primeiro lugar, ele se passa “daqui a alguns anos”, ou seja, num futuro não muito distante, mais exatamente no Oeste de Pernambuco, numa pequena cidadezinha de nome Bacurau. Como muitas cidades nordestinas, ela sofre com a crônica falta d’água, mas tem um estrato cultural muito forte, assim como seu senso de comunidade. Os moradores, por exemplo, repeliam com rispidez o prefeito da cidade, que concorria à reeleição, mas tinha promessas vazias quanto ao problema da água. Um belo dia, vários cavalos soltos de uma fazenda próxima invadiram a cidade. Dois moradores foram à fazenda. Ao mesmo tempo, um caminhão pipa chega com perfurações de bala, assim como dois motoqueiros de fora passam pela cidade. Esses três eventos estranhos mudarão para sempre a rotina da cidade, pois estão ligados à presença de americanos que gostam de alvejar as pessoas por esporte e com suas armas antigas somente para descarregar a tensão. Usando a tecnologia, pouco a pouco os americanos riscavam a pequena cidade do mapa: a apagaram do GPS, tiraram o sinal de celular e a energia elétrica, tudo para ter liberdade para exterminar todo mundo sem deixar rastros. De acordo com as circunstâncias, parece que a cidade não terá a menor chance. Mas como a população de Bacurau é muito apegada às suas tradições a ponto de manter um museu na cidade, e essas tradições estavam ligadas a uma quadrilha de cangaceiros, podemos dizer, no popular de hoje, que “deu ruim” para os gringos.

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Sônia Braga e sua Domingas. Timing errado deu uma impressão equivocada da personagem…

O filme trabalha uma grande alegoria. O tom distópico encontrado na legenda inicial “daqui a alguns anos” e nos fuzilamentos do Vale do Anhangabaú, exibidos ao vivo na televisão ajudam a associar o macrocosmos do Brasil do amanhã que todos nós tememos com a realidade microcósmica surreal que Bacurau é obrigada a enfrentar: uma população sob risco de massacre por forças políticas que usam como cães de guarda americanos belicistas e tresloucados, com o total desprezo pela vida humana nativa, a quem os americanos associam a macacos. É de se refletir ao ver todo esse panorama no filme e constatar, na vida real, ligações um tanto torpes de grupos americanos e brasileiros que têm um projeto um tanto apocalíptico para nosso país. Pode-se dizer, nesse ponto, que a alegoria funcionou muito bem.

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Udo Kier. Michael troca o racionalismo pela psicopatia…

O que podemos dizer dos atores? Temos aqui dois medalhões: Sônia Braga e Udo Kier. A primeira faz Domingas, a médica local, uma personagem muito dura e de arroubos erráticos, sobretudo na morte da líder local ao início do filme, onde a doutora aparece bêbada e deprimida no velório. Sei não, mas esse timing não foi muito bom para a personagem, que adentrou o filme visivelmente transtornada com a perda e ficou com uma impressão inicial de ser ruim das ideias, quando não era nada disso (Domingas consegue até ser bem racional). Já Udo Kier faz Michael, o líder dos americanos zuretas e assassinos. Inicialmente frio, Michael faz um percurso inverso ao de Domingas, abandonando a sua racionalidade e frieza para se confirmar como o pior psicopata da trupe americana, matando até alguns de seus colegas (ou eliminando a concorrência do jogo de “quem mata mais”?). O encontro desses dois personagens, inevitável para o bom andamento do filme, foi problemático, pois soou muito falso Michael não executar Domingas. Mas, da forma que a história foi concebida, parecia não haver muito jeito, pois não dava para Domingas metralhar Michael ou ela conversar com ele moribundo depois de baleado, já que ele foi enterrado vivo e seu castigo era definhar consciente com a falta de comida, água e, principalmente, ar.

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Um encontro pouco crível…

Agora, o grande lance foi o passado cangaceiro de Bacurau, manifesto no museu, que assumiu tons macabros e salientou a ideia geral de que “contra a violência reinante em nosso país, ninguém pode”. Mas também foi um embate entre a cultura local e o intervencionismo estrangeiro, entre a tradição e a modernidade, com o humor negro do ex-matador Pacote (interpretado por Tomás Aquino) perguntando aos citadinos se as cabeças decapitadas não foram um exagero. Ainda, com relação à cultura local, os psicotrópicos que entorpeciam a população também tiveram um destaque especial, algo meio indígena de conhecimento de plantas locais que ajudou na empreitada contra os estrangeiros.

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Em Cannes…

Dessa forma, “Bacurau” foi uma grata surpresa, um thriller emocionante e um tanto surreal, que trabalha uma alegoria contemporânea e o embate entre o local e o estrangeiro, a tradição e a modernidade. Um filme que trabalha o tema da resistência, tão em voga nos dias de hoje. Programa imperdível.